Acórdão nº 50110583120218210029 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 23-02-2023

Data de Julgamento23 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50110583120218210029
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003193889
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5011058-31.2021.8.21.0029/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano material

RELATOR: Desembargador NEY WIEDEMANN NETO

APELANTE: THIAGO DOS SANTOS KOSTRZYCKI (AUTOR)

APELADO: CRISTIANO OLIVEIRA (RÉU)

RELATÓRIO

Adoto o relatório da sentença, evento 66, SENT1, que passo a transcrever:

THIAGO DOS SANTOS KOSTRZYCKI, devidamente qualificado à inicial, ajuizou a presente ação de indenização por danos materiais e morais em face de CRISTIANO OLIVEIRA, igualmente identificados nos autos, sinalizando, em resumo, no dia 19-09-2019, nas imediações do "Centro Social Urbano", na Avenida Sagrada Família, nesta cidade, foi abordado pelo réu, que, por motivos passionais, desferiu-lhe golpes de faca. Disse que sua atual companheira manteve relacionamento com o réu, sendo o término o motivo das agressões, das quais restou com diminuição da capacidade laborativa, fazendo jus a reparação por lucros cessantes neste particular. Mencionou que a situação acarretou danos morais, acerca dos quais fez considerações. Ao final, postulou a procedência dos pedidos, condenando-se os réus nos consectários de lei. Com a inicial, acostou os documentos do EV01.

Em decisão do EV03, foi concedida a gratuidade judiciária ao autor.

Citado, o réu ofertou contestação (EV06), notando, em síntese, que agiu em legítima defesa para repelir injusta agressão do autor. Destacou que referida excludente de ilicitude impede o reconhecimento do dever de reparação. Ao final, postulou pela improcedência dos pedidos, com a condenação do autor nos consectários de lei.

Houve réplica (EV09).

Foi realizada audiência de conciliação, que restou infrutífera (EV38).

No curso da instrução, foram colhidos três depoimentos (EVs 56 e 58).

As partes apresentaram memoriais finais escritos (EVs 62 e 63).

A sentença apresentou o seguinte dispositivo:

PELO EXPOSTO, forte no art. 487, inc. I, do CPC, julgo improcedentes os pedidos.

Por consequência, condeno a parte autora no pagamento das custas e das despesas processuais, bem como em honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da causa, atento que estou aos parâmetros do art. 85, §§, do CPC. No entanto, suspendo a exigibilidade de tais encargos, porque amparada pelo benefício da gratuidade da justiça.

Sentença registrada e publicada eletronicamente. Intimem-se.

Interposto recurso de apelação, dê-se vista ao adverso, para contrarrazões. Após, subam os autos ao eTJRS para regular processamento do recurso.

Com o trânsito em julgado, não havendo custas pendentes, arquivem-se, obviando-se que eventual cumprimento de sentença deverá ser realizado em processo próprio.

O autor apelou, evento 74, APELAÇÃO1, refutando a tese de legítima defesa e reiterando a indevida e injustificada agressão sofrida. Disse existir nexo causal entre a conduta do réu e as lesões sofridas e requereu a reforma da sentença.

Foram apresentadas contrarrazões, evento 77, CONTRAZ1.

Registro, por fim, que tendo em vista a adoção do sistema informatizado, os procedimentos para observância dos ditames dos arts. 931 e 934, do Código de Processo Civil/2015 foram simplificados, mas observados na sua integralidade.

É o Relatório.

VOTO

Estou em negar provimento ao apelo.

No caso em tela, o autor ajuizou a presente ação indenizatória alegando que foi agredito pelo réu com utilização de uma faca e que isso lhe acarretou diminuição da capacidade laborativa e lesões, surgindo o dever de indenizar. Já o réu, em sua tese defensiva, disse que agiu em legítima defesa para repelir injusta agressão do autor e que referida excludente de ilicitude impede o reconhecimento do dever de reparação. O pedido foi julgado improcedente, sobrevindo apelo do autor, que passo a examinar.

Após analisar os autos de forma detida, tenho que não merece reforma a sentença. O conjunto probatório dos autos apenas denota a existência de desavenças entre as partes. Contudo, as provas colhidas são contraditórias, ora corroborando a alegação do autor, ora dando razão à parte ré. O fato narrado, sem sombra de dúvida, é daqueles que se insere no âmbito da responsabilidade subjetiva, incumbindo à parte demandante, que invocou ter sofrido dano material e moral, o ônus processual de comprová-lo, a teor do art. 373, I, do Código de Processo Civil, o que, no caso, não ocorreu.

Quanto ao debate de fundo, tenho que não merece reparo a sentença, pois a questão foi desatada com inegável acerto e adequação pelo Dr. JOSE FRANCISCO DIAS DA COSTA LYRA, quase nada havendo a acrescer aos fundamentos esposados, razão pela qual transcrevo abaixo trecho da decisão, incorporando-a ao presente voto:

Vale ressaltar que o caso em tela versa sobre obrigação de indenizar decorrente da prática de ato ilícito (agressões físicas), a qual é consubstanciada na responsabilidade subjetiva.

Dito isso, cumpre notar que cabe ao demandante a comprovação do fato constitutivo do seu direito, produzindo prova dos fatos alegados; ao demandado, por outro lado, além de confrontar o fato constitutivo, cumpre provar fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito daquele.

Sobre os pressupostos na responsabilidade subjetiva, leciona Sérgio Cavalieri Filho1:

Há primeiramente um elemento formal, que é a violação de um dever jurídico mediante conduta voluntária; um elemento subjetivo, que pode ser o dolo ou a culpa; e, ainda, um elemento causal-material, que é o dano e a respectiva relação de causalidade. (...) Portanto, a partir do momento em que alguém, mediante conduta culposa, viola direito de outrem e causa-lhe dano, está-se diante de um ato ilícito, e deste ato deflui o inexorável dever de indenizar consoante o art. 927 do Código Civil. Por violação de direito deve-se entender todo e qualquer direito subjetivo, não só os relativos, que se fazem mais presentes no campo da responsabilidade contratual, como também e principalmente os absolutos, reais e personalíssimos, nestes incluídos o direito à vida, à saúde, à liberdade, à honra, à intimidade, ao nome e à imagem.

Portanto, três elementos devem ser aferidos para que surja o dever de indenizar: a conduta (em que deve ser aferida a existência ou não de culpa/ilicitude), o resultado (dano) e o nexo causal entre ambos.

No caso dos autos, é incontroverso que o autor foi agredido pelo réu com golpe de faca no dia 19-09-2019, nas imediações do "Centro Social Urbano", na Avenida Sagrada Família, nesta cidade, o que constitui, efetivamente, ato ilícito.

Nesse particular, tem-se que o réu não nega a prática dos atos de agressão, mas alude ter agido sob o abrigo da excludente da legítima defesa.

Sob essa óptica, importa salientar que, de acordo com o art. 188, inc. I, do CC, não constituem atos ilícitos os praticados em legítima defesa. O conceito de tal instituto é extraído do art. 25 do Código Penal, segundo o qual “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.

Conforme ensinamento da Flávio Tartuce (Manual de Direito Civil: volume único. 11.ed. Rio de Janeiro, Forense: METODO, 2021, p. 953), "para a configuração da legítima defesa cabe análise caso a caso, sendo certo que o agente não pode atuar além do indispensável para afastar o dano ou a iminência de prejuízo material ou imaterial".

Dessa forma, a legítima defesa exclui a ilicitude do comportamento, todavia é necessário que o agente tenha agido para repelir injusta agressão, atual ou iminente a bem juídico seu ou de outrem. Da prova dos autos, entendo que assim procedeu o demandado.

Veja-se o que declarou a informante...

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