Acórdão nº 50110779720168210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Criminal, 23-03-2022

Data de Julgamento23 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50110779720168210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001695104
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5011077-97.2016.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Estupro de vulnerável CP art. 217-A

RELATOR: Desembargador JOSE RICARDO COUTINHO SILVA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra D. dos S. B., com 34 anos de idade quando do início dos fatos, dando-o como incurso nas sanções do artigo 217-A, por diversas vezes, combinado com o artigo 226, inciso II e artigo 61, inciso II, alínea "f", todos do Código Penal, pela prática do seguinte fato delituoso:

''Em datas e horários diversos, não informados nos autos do inquérito, todavia no período compreendido entre 07 de dezembro de 2012 e o ano de 2014, na residência localizada na Rua Dois de Outubro, nº 148, Vila Conquista, nesta cidade, denunciado D. dos S. B praticou tos libidinosos diversos da conjunção carnal com a vítima N. R. V. L., sua enteada, (artigo 226, II, Código Penal), então com idade entre 08 (oito) e 10 (dez) anos (nascida em 07/12/2004 – conforme fl. 29).

O denunciado D. dos S. B., para satisfazer sua lascívia, aproveitando-se de ocasiões em que a genitora da vítima saía para exercer sua atividade laboral, colocava o pênis na vagina da menina sem introduzi-lo a ponto de causar ruptura himenal. Os fatos delituosos ocorreram por diversas vezes.

As condutas acima expostas foram perpetradas sob o prevalecimento de relações domésticas e de coabitação, sendo que o denunciado D. dos S. B. se utilizou de tal acesso e proximidade à vítima para cometer os atos libidinosos (artigo 61, II, “f”, Código Penal), no ambiente intrafamiliar.

Por oportuno referir que o denunciado confirmou a ocorrência dos fatos noticiados, consoante se verifica no termo de interrogatório acostado aos autos (fl. 36).

Em avaliação psíquica realizada perante o DML foi constatado em N. R. V. L. sintomatologia psíquica compatível com a hipótese de abuso sexual (Laudo n.º 71131/2016 – fls. 50/52).

Registre-se ainda que, há Procedimento Administrativo na esfera protetiva instaurado junto à 10ª Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude (PA. 01411.01443/2015 – Conforme fl. 07).''

A denúncia foi recebida em 15.09.2016 (Evento 2, doc. OUT -INST PROC2, fls. 75/76, dos autos originários).

Citado por edital (Evento 2, doc. OUT - INST PROC3, fl. 21, dos autos originários), compareceu o acusado apresentando resposta escrita, com pedido de instauração de incidente de insanidade mental, através de defensor constituído (Evento 2, doc. OUT - INST PROC3, fls. 29/33, dos autos originários), o qual restou indeferido (Evento 2, doc. OUT - INST PROC3, fls. 35/36, dos autos originários).

Durante a instrução, foi ouvida uma testemunha, oportunidade em que, acolhido o pleito defensivo e determinada a instauração de incidente de insanidade mental do acusado, suspendendo-se o feito em 03.08.2017 (Evento 2, doc. OUT INST PROC4, fl. 81, dos autos originários).

Sobreveio aos autos o laudo psiquiátrico atestando a imputabilidade do acusado (Evento 3, doc. OUT - APENSO4, fls. 15/27, dos autos originários), sendo, em 03.06.2019, revogada a suspensão processual (Evento 3, doc. OUT - APENSO4, fl. 33, dos autos originários).

Em audiência, foram ouvidas a vítima, as testemunhas e interrogado o réu (Evento 2, doc. OUT - INST PROC5, fls. 35 e 70, dos autos originários).

Convertido o debate oral em memoriais, foram esses apresentados às fls. 03/11 e 24/28, doc. MEMORIAIS6, dos autos originários.

Sobreveio sentença, considerada publicada em 21.07.2021 (Evento 06 dos autos originários), julgando procedente a ação penal para condenar o réu como incurso nas sanções do artigo 217-A, caput, combinado com o artigo 226, inciso II, por diversas vezes, na forma do artigo 71, todos do Código Penal, à pena de 20 anos e 03 meses de reclusão, em regime inicial fechado. Fixada indenização mínima em favor da vítima à título de danos morais, no valor de R$ 3.000,00 (Evento 6 dos autos originários)

Irresignada, a defesa interpôs apelação, postulando, preliminarmente, a nulidade do feito por cerceamento de defesa, alegando a inépcia da denúncia, ante a ausência de indicação do lapso temporal, eis que não foram descritos dias, horários e local dos fatos narrados. No mérito, aduziu que o réu negou a conduta a ele imputada, ressaltando, que a vítima afirmou a ocorrência de abusos sexuais com penetração vaginal, o que, entretanto, não foi constatado pela perícia realizada. Alegou que, se o delito realmente houvesse acontecido, não estariam a ofendida e sua genitora convivendo com o apelante até o presente. Sustentou que a referida confissão do acusado mencionada na denúncia não aconteceu, eis que o acusado possui transtornos psiquiátricos, o que foi corroborado pelo laudo de fl. 162. Asseverou que a conduta do apelante foi abonada pelas testemunhas de defesa, inclusive, avó materna da vítima, motivos pelos quais requereu sua absolvição. Quanto à pena, pediu, genericamente, a diminuição em quantidade compatível e o afastamento da continuidade delitiva, eis que, na denúncia, há, apenas, o apontamento de, apenas, uma data (Evento 23 dos autos originários).

O Ministério Público apresentou contrarrazões (Evento 28 dos autos originários).

Em parecer, a Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso da defesa (Evento 7 destes autos).

Esta Câmara adotou o procedimento informatizado e foi observado o artigo 613, inciso I, do Código de Processo Penal.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Quanto à preliminar de inépcia da denúncia alegada, a exordial acusatória descreveu suficientemente o início dos fatos em 07.12.12 até o ano de 2014, e, embora não tenha especificado dias e horários exatos, delimitou o período em que ocorreram os delitos de estupro de vulnerável em continuidade delitiva, com a presença das circunstâncias elementares do tipo penal imputado (art. 217-A, caput, do Código Penal), o local do fatos e a conduta do acusado, atendendo aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, permitindo o exercício da defesa.

Ademais, a presença dos requisitos legais e de justa causa para a ação penal já foi reconhecida quando do recebimento da denúncia, sendo que, após a sentença condenatória, a oportunidade de alegação de inépcia da denúncia se encontra preclusa, na esteira do entendimento já pacificado, tanto no Superior Tribunal de Justiça, quanto no Supremo Tribunal Federal:

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. IMPUGNAÇÃO A TODOS ELES. INEXISTÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. TESES NÃO DEVOLVIDAS NO AGRAVO SUBSEQUENTE. PRECLUSÃO. PREQUESTIONAMENTO. MANIFESTA ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. INCOMPREENSÃO DA CONTROVÉRSIA. TEMAS DECIDIDOS EM SEDE DE HABEAS CORPUS. PREJUDICIALIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. INDIVIDUALIZAÇÃO SUFICIENTE. SUPERAÇÃO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Deixando a parte agravante de impugnar especificamente todos os fundamentos da decisão recorrida, não merece ser conhecido o agravo regimental. 2. As teses apresentadas em sede de recurso especial que não são devolvidas no agravo contra a decisão que o inadmite encontram-se abraçadas pela preclusão, deduzindo-se da omissão da parte recorrente que houve conformismo com o entendimento adotado no juízo negativo de admissibilidade. 3. Não havendo abordagem, pelas instâncias ordinárias, das teses apresentadas no recurso especial, deve ser aplicada a Súmula 282, do STF, segundo a qual "é inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada", por analogia, bem como a Súmula 211, deste Tribunal, sendo "inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo". 4. A ausência de prequestionamento não pode ser suprida pela alegação da parte de fazer jus a habeas corpus de ofício, sobretudo quando o conteúdo da sua argumentação é genérico, não se verificando nenhuma ilegalidade manifesta na decisão impugnada. 5. Na forma do Enunciado da Súmula 284/STF, aplicável por analogia, o Recurso Especial também é inadmissível quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia. 6. Fica prejudicada a parte do recurso especial que argui matérias que já foram decididas em sede de habeas corpus, situação que ocorre especialmente quando se verifica que a decisão colegiada enfrentou o mérito e se encontra em consonância com a jurisprudência dominante. 7. Não é inepta a denúncia que descreve o fato delituoso, apontando todas as circunstâncias que envolvem a prática do crime, individualizando e tipificando a conduta do imputado de forma a encaixá-la no tipo penal respectivo. 8. Nos termos da orientação desta Corte Superior, a superveniência de sentença condenatória torna a pretensão de reconhecimento de inépcia da denúncia superada. 9. Agravo regimental parcialmente conhecido e desprovido. (AgRg no AREsp 1584225/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 19/10/2021, DJe 27/10/2021). Grifei.

EMENTA: PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ALEGAÇÃO DE VÍCIO NO INQUÉRITO POLICIAL E DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA CONFIRMADA. 1. A orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que se mostra “inviável a anulação do processo penal em razão das irregularidades detectadas no inquérito, pois as nulidades processuais concernem, tão-somente, aos defeitos de ordem jurídica que afetam os atos praticados ao longo da ação penal condenatória”(RHC...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT