Acórdão nº 50112031120208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sétima Câmara Cível, 29-01-2021

Data de Julgamento29 Janeiro 2021
ÓrgãoDécima Sétima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50112031120208210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20000458693
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

17ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5011203-11.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador GELSON ROLIM STOCKER

APELANTE: FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

APELADO: JARDEL AZAMBUJA SILVA (AUTOR)

RELATÓRIO

FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO maneja recurso contra sentença que julgou procedentes os pedidos deduzidos nos autos da ação revisional, que JARDEL AZAMBUJA SILVA lhe promove em desfavor.

Adoto o relatório de sentença (evento 38), que transcrevo:

I - RELATÓRIO

JARDEL AZAMBUJA SILVA ajuizou ação revisional contra FACTA FINANCEIRA S/A - CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, alegando ter contraído empréstimo pessoal com a ré (nº 4888307), em julho de 2018, na modalidade consignado com recursos livres, para o financiamento do valor de R$ 2.870,10, com previsão de quitação em 72 parcelas de R$ 161,25. Acusou abusividade das taxas de juros remuneratórios contratadas, nos patamares de 5,34% ao mês e de 86,80% ao ano, muito acima da média de mercado. Referiu que, recalculando com base nas taxas médias de juros divulgadas pelo Sistema Gerenciador de Séries Temporais do Banco Central, as parcelas contratuais seriam de R$ 73,69 mensais. Afirmou ter pago 19 das 72 parcelas contratuais. Postulou, em sede de tutela provisória, o redimensionamento das parcelas descontadas em folha de pagamento para o valor mensal incontroverso. Pugnou, ao final, pela declaração de nulidade das cláusulas dos contratos no que se referem à taxa de juros e de custo efetivo total, mensal e anual, limitando-as à média da taxa de juros divulgada pelo Banco Central, quais sejam: 1,91% a.m. e 25,48% a.a, com a confirmação da tutela, readequando-se definitivamente o valor da parcela em R$ 73,69; pela condenação da ré a restituir os valores já adimplidos a mais nas parcelas vencidas e já descontadas, com juros e correção monetária. Pediu AJG. Juntou documentos (Evento 1).

Deferida a AJG e indeferida a tutela provisória (Evento 3), ensejando a interposição de agravo, ao qual foi dado provimento (Evento 22).

Citada (Evento 8), a ré contestou (Evento 12), alegando ausência de interesse processual. Defendeu a legalidade da contratação, invocando o princípio da autonomia da vontade. Discorreu sobre a legalidade na fixação dos juros, pugnando pela improcedência dos pedidos. Acostou documentos.

Sobreveio réplica (Evento 17).

Instadas as partes acerca da dilação probatória (Evento 23), nada mais foi requerido.

É O RELATO.

E a sentença assim decidiu em sua parte dispositiva:

III – DISPOSITIVO

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por JARDEL AZAMBUJA SILVA contra FACTA FINANCEIRA S/A - CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, para o fim de, confirmando a tutela deferida em sede recursal, determinando o redimensionamento das parcelas mensais do contrato nº 4888307 para R$ 73,69, determinar a revisão do contrato nº 4888307, reduzindo-se a taxa de juros para o patamar de 1,91% ao mês e de 25,48% ao ano, afastando a mora do autor, bem como para condenar a ré à repetição do indébito, na forma simples, corrigida monetariamente pelo IGP-M/FGV desde a data de cada desembolso e acrescido de juro de mora de 1% ao mês desde a data da citação.

Sucumbente, condeno a ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios ao procurador do autor, que fixo em 10% sobre o proveito econômico obtido (diferença de valores entre o valor cobrado e o efetivamente devido).

Oficie-se.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

A parte recorre no evento 44. Em suas razões, discorre sobre os juros remuneratórios; margem consignável não eletrônica; ordem de prioridade dos descontos; numeração sequencial dos canais; custo do canal de consignação no RS; detenção da folha de pagamento dos servidores pelo Banrisul; constituição da taxa média do Bacen para as consignatárias do RS; inadimplência, bem como a inadequação da utilização da taxa média do Bacen como referencial sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da livre concorrência e da igualdade material. Pede a reforma da sentença para manter os juros remuneratórios conforme o pactuado no contrato. Requer seja dado provimento ao recurso.

Preparo regular (evento 44, guiadep2 e comp3).

O recurso foi contra-arrazoado no evento 48. Em suas razões, argumenta que as taxas de juros remuneratórios pactuadas são superiores às informadas pelo Bacen. Pugna pela manutenção da sentença e pela majoração dos honorários advocatícios. Requer seja negado provimento ao recurso interposto pela parte ré.

Regularmente distribuídos, vieram-me os autos a esta Corte de Justiça para apreciação.

Registro que foi observado o disposto nos artigos 929 a 946, do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso interposto. Em não havendo preliminares arguidas, passo ao exame do mérito.

Estimados colegas.

Vejam bem eminentes pares, o que nos é apresentado, em apertada síntese, - e confesso que é a primeira oportunidade que constatei e estou enfrentando os novos argumentos-, a instituição financeira traz a lume os argumentos (e os comprova), que seu custo do dinheiro é maior e o seu risco pela inadimplência também o é, pois vários fatores, que exemplificativa os destaco: i) ausência de canal próprio de desconto junto ao órgão pagador do servidor público do Estado do Rio Grande do Sul, do que resulta a necessidade de contratar (e remunerar) terceiros que disponham desse canal (que é, na verdade, a autorização de realizar o desconto em folha de pagamento); ii) A perda da preferência ou da anterioridade na definição da margem consignável, pois a nossa Lei estadual privilegia o BANRISUL; iii) a ausência de captação de dinheiro através de depósitos bancários, de forma que não dispõe de valores depositados em suas contas por correntista, a quem os demais bancos remuneram com um valor bem menor do custo que cobram ao emprestar o dinheiro; e, al fim, certamente por estas distorções, apenas quatro instituições ainda continuam realizando empréstimos consignados aos servidores do Estado do Rio Grande do Sul, quais sejam BANRISUL, CEF, PORTOCRED e FACTA, a ora recorrente e, então, se fossemos aplicar a média das taxas praticadas, deveríamos adotar tão somente as taxas dessas quatros instituições para encontrarmos a média e definirmos o excesso ou não da taxa praticada.

Registro, inicialmente, que não há razão para levar em conta o fato de o BANRISUL deter canal direto para consignação, por exemplo, ou mesmo estipular um parâmetro diverso daquele do BACEN, no qual somente se considerassem, para a apuração da taxa média, as taxas de juros aplicadas pelas instituições financeiras que operam localmente.

Tais circunstâncias são, a toda evidência, uma imposição de mercado imposta pela realidade do Estado do RS e da instituição financeira, tendo esta plena liberdade de não praticar operações do tipo com os servidores locais, se tais condições lhe tragam, efetivamente, algum prejuízo econômico. E digo mais, certamente a seara de discussão e mudança desse cenário deveria se dar no âmbito do legislativo e do executivo e não no judiciário.

No entanto, parcialmente estou a adotar a tese defensiva, como se poderá constatar no enfrentamento a seguir da definição ou não da prática de juros remuneratórios abusivos e sua limitação.

Dos juros remuneratórios.

O Superior Tribunal de Justiça uniformizou sua jurisprudência, ao instaurar o incidente de processo repetitivo, na forma do art. 543-C, § 7º, do Código de Processo Civil de 1973, firmando o entendimento de que as taxas de juros remuneratórios aplicadas aos contratos bancários só serão consideradas abusivas caso ultrapassem a média praticada pelo mercado.

O referido julgamento (REsp n.º 1061530/RS), em sua ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS, assim determinou:

a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;

b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;

c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;

d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada, art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.

Da mesma forma é pacífico o entendimento, tanto no Superior Tribunal como nas cortes Estaduais, incluindo na nossa, de que para o exame da abusividade capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada, se deve adotar uma maleabilidade, ou seja, uma adoção de critérios um pouco acima ou um pouco a baixo da média matemática, de forma a que essa pequena taxa de discrepância ou margem de variação, não resulte, por si só, em abusividade capaz de revisar o contrato e a taxa firmados.

Neste sentido, colaciono entendimento do STJ a respeito do tema:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE AUTORA.
1. A jurisprudência deste STJ é assente no sentido de que os juros remuneratórios cobrados pelas instituições financeiras não sofrem a limitação imposta pelo Decreto nº 22.626/33 (Lei de Usura), a teor do disposto na Súmula 596/STF (cf. REsp n. 1.061.530 de 22.10.2008, julgado pela Segunda Seção segundo o rito dos recursos repetitivos).
Para que se
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