Acórdão nº 50112658720218210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Oitava Câmara Cível, 16-02-2023
Data de Julgamento | 16 Fevereiro 2023 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Classe processual | Apelação |
Número do processo | 50112658720218210010 |
Órgão | Décima Oitava Câmara Cível |
Tipo de documento | Acórdão |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20003268512
18ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Apelação Cível Nº 5011265-87.2021.8.21.0010/RS
TIPO DE AÇÃO: Práticas Abusivas
RELATOR: Desembargador JOAO MORENO POMAR
APELANTE: FEDERAL EXPRESS CORPORATION (RÉU)
APELADO: IPUBRAS INDUSTRIA DE POLIURETANOS LTDA - EPP (AUTOR)
RELATÓRIO
FEDERAL EXPRESS CORPORATION apela da sentença proferida nos autos da ação declaratória de inexigibilidade de débito c/c indenização por danos morais que lhe move IPUBRAS INDÚSTRIA DE POLIURETANOS LTDA - EPP, assim lavrada:
Vistos, etc.
IPUBRAS INDUSTRIA DE POLIURETANOS LTDA - EPP ajuizou ação ordinária contra FEDERAL EXPRESS CORPORATION. Narrou ter sido surpreendida por uma cobrança da ré, no valor de R$ 3.115,91 (três mil, cento e quinze reais e noventa e um centavos), representada pela fatura nº 3595469, a título de reembolso de imposto de importação relativo a transporte de livros impressos. Asseverou que a importação de livros impressos é isenta de impostos. Afirmou que a ré pagou indevidamente o imposto. Defendeu a inexigibilidade do débito. Comentou ter sido inscrita nos cadastros de proteção ao crédito. Declarou que a situação causou danos morais. Aduziu que as tratativas extrajudiciais foram insuficientes para a resolução do problema. Formulou pedido de tutela provisória de urgência para o cancelamento da inscrição negativa. Requereu, ao final, a procedência do pedido para a confirmação da liminar, a declaração de inexistência do débito e a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Juntou documentos (evento 1).
A tutela provisória de urgência foi indeferida (evento 4).
As custas foram pagas (evento 7).
A autora opôs embargos de declaração, os quais não foram recebidos (eventos 9 e 11).
Inconformada com o indeferimento da tutela provisória de urgência, a autora interpôs agravo de instrumento, ao qual foi negado provimento (evento 13).
Citada, a ré apresentou contestação. Alegou que a fatura comercial do transporte foi preenchida pela remetente Coronas Producciones Educativas, indicando como mercadoria um notebook, não contemplado pela isenção do imposto. Asseverou a culpa exclusiva da autora e da remetente pela exigência do imposto de importação. Aduziu a inexistência de conduta ilícita e danos morais indenizáveis. Requereu, ao final, a improcedência do pedido. Juntou documentos (evento 24).
Houve réplica (evento 28).
As partes foram instadas sobre a dilação probatória (evento 30).
Intimadas, as partes postularam o julgamento antecipado do processo (eventos 35 e 36).
Os autos vieram conclusos para sentença.
É o relato.
Decido.
O julgamento antecipado revela-se adequado, nos termos do art. 355, I, do Código de Processo Civil, uma vez que é desnecessária a produção de outras provas para o deslinde da demanda, bem como porque as partes nada requereram quando intimadas para tanto.
Na ausência de questões prejudiciais, passo, de imediato, ao exame do mérito.
Mérito.
O mérito diz com a declaração de inexistência de débito, com o cancelamento de inscrição negativa e com o pagamento de indenização por danos morais.
A autora narra ter sido surpreendida por uma cobrança da ré, no valor de R$ 3.115,91 (três mil, cento e quinze reais e noventa e um centavos), representada pela fatura nº 3595469, a título de reembolso de imposto de importação relativo a transporte de livros impressos. Assevera que a importação de livros impressos é isenta de impostos. Afirma que a ré pagou indevidamente o imposto. Defende a inexigibilidade do débito. Comenta ter sido inscrita nos cadastros de proteção ao crédito. Declara que a situação causou danos morais. Aduz que as tratativas extrajudiciais foram insuficientes para a resolução do problema. Postula a declaração de inexistência do débito, o cancelamento da inscrição negativa e a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
A ré, por sua vez, alega que a fatura comercial do transporte foi preenchida pela remetente Coronas Producciones Educativas, indicando como mercadoria um notebook, não contemplado pela isenção do imposto. Assevera a culpa exclusiva da autora e da remetente pela exigência do imposto de importação. Aduz a inexistência de conduta ilícita e danos morais indenizáveis. Postula a improcedência do pedido.
A cobrança, no valor de R$ 3.115,91 (três mil, cento e quinze reais e noventa e um centavos), representada pela fatura nº 3595469, a título de reembolso de imposto de importação relativo a transporte de livros impressos e a inclusão da autora nos cadastros de proteção ao crédito são incontroversas.
Controvertem as partes acerca da regularidade da cobrança e da negativação, bem como da existência de danos morais indenizáveis.
A relação é de consumo, pois, nos termos do disposto no art. 17 do CDC, para os efeitos de responsabilidade pelo fato do serviço, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
Assim, o pedido deve ser examinado à luz do diploma consumerista.
Do que se extrai dos autos, a autora adquiriu, de Coronas Producciones Educativas, alguns livros impressos.
Os livros foram remetidos pela vendedora Coronas Producciones Educativas à autora por meio do transporte expresso da ré, no entanto, como se um notebook fosse.
Evidentemente, no momento do desembaraço aduaneiro, foi exigido pela Receita Federal do Brasil o imposto de importação, adiantado pela transportadora para posterior reembolso pela destinatária da mercadoria.
Com efeito, de acordo com o disposto no art. 150, VI, alínea "d" da Constituição Federal, são isentos de impostos os livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
A isenção do imposto sobre a importação dos livros é decorrência lógica do disposto na Súmula Vinculante nº 57, que assim prevê: "A imunidade tributária constante do art. 150, VI, d, da CF/88 aplica-se à importação e comercialização, no mercado interno, do livro eletrônico (e-book) e dos suportes exclusivamente utilizados para fixá-los, como leitores de livros eletrônicos (e-readers), ainda que possuam funcionalidades acessórias."
Tratando-se de mercadoria isenta do imposto de importação, por certo, mostra-se descabido o reembolso pretendido pela ré.
Desse modo, há de ser declarada a inexistência do débito apontado contra a autora.
Consigno, por oportuno, que a declaração de inexistência do débito com relação à autora não prejudica o direito da ré de exigir da remetente, Coronas Producciones Educativas, contratante do serviço de transporte e possivelmente a responsável pelo preenchimento equivocado da fatura de transporte, ou, ainda, do Estado, o reembolso do imposto pago indevidamente.
Tendo em vista a inexistência do débito, descabida se mostra a inscrição negativa a ele correspondente.
Assim sendo, tem-se por imperioso o cancelamento da inscrição negativa aberta em nome da autora, por solicitação da ré, com fundamento na fatura nº 3595469, no valor de R$ 3.259,13 (três mil, duzentos e cinquenta e nove reais e treze centavos), datada de 10.09.2020.
Nos termos do art. 14, caput, do CDC, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
De acordo com o que prevê o § 3° do mesmo dispositivo, o fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste, ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
No caso concreto, não se pode ignorar que a autora comunicou formalmente a incorreção do documento à ré, consoante os documentos do evento 1, "Outros 9" e, mesmo assim, a ré manteve a cobrança e, o que é pior, inscreveu a autora nos cadastros de proteção ao crédito.
Nesse contexto, considerando que a ré tinha ciência da incorreção do documento e, por consequência, da inexigibilidade da quantia contra a autora, não há falar em inexistência de defeito no serviço, tampouco em culpa exclusiva da consumidora ou da remetente (terceiro).
Ora, é certo que as pessoas, vivendo em sociedade, devem zelar para que suas condutas e atos não causem dano a outrem, conforme basilar princípio do neninem laedere, oriundo do direito romano e de fundamental importância para que a vida em sociedade se torne possível.
Neminem laedere é um princípio que determina a necessidade de zelo quanto as demais pessoas e seus interesses legítimos, determinação essa que é a essência da responsabilidade e surge da constatação de que deve ser mantida íntegra a incolumidade das pessoas.
(...)
A preservação da necessidade de conciliação entre os interesses individuais e coletivos, bem como da promoção do bem-estar comum, sem lesar interesses alheios, está apoiado na máxima enunciada por Ulpiano e, posteriormente, reproduzida no Corpus iuris civillis, que prescreve: honeste vivere, neminem laedere, suun cuique tribuere ( viver honestamente, não lesar ninguém e dar a cada um o que é seu).1
Quando, porém, se cogita especificamente da responsabilidade civil, o que se tem em mira é a violação do dever geral de não lesar o patrimônio alheio, em seus aspectos econômicos e morais. Em Roma, falava-se no dever de não prejudicar, expressando-o na máxima do neminen laedere2.Como visto, o comportamento da pessoa, no trato social, exige que, na defesa ou na ação relacionada a seus interesses, deve sempre haver o cuidado no modo de proceder, especialmente, para preservar as demais pessoas, coisas e interesses, visando, em última análise, a uma convivência social justa e pacífica, com desenvolvimento harmonioso e coletivo.3
Segundo ensina Caio Mario da Silva Pereira “a responsabilidade civil consiste na...
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