Acórdão nº 50114734420218210019 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 13-04-2022

Data de Julgamento13 Abril 2022
ÓrgãoVigésima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50114734420218210019
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002000589
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5011473-44.2021.8.21.0019/RS

TIPO DE AÇÃO: Dever de Informação

RELATOR: Desembargador DILSO DOMINGOS PEREIRA

APELANTE: DENISE SENGER (AUTOR)

APELADO: BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por DENISE SENGER contra sentença que, nos autos da medida cautelar de exibição de documentos ajuizada em desfavor de BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A., julgou extinto o feito nos seguintes termos (Evento 53):

DISPOSITIVO

Com essas breves considerações, forte no inciso VI do artigo 485 do Código de Processo Civil de 2015, julgo extinto o processo pela ausência de interesse processual da parte autora.

Condeno a parte autora a arcar com as despesas processuais em sentido estrito, ressalvada, apenas a taxa única, arbitrados os honorários dos patronos da parte ré em 15% do valor atribuído à causa, tendo em vista o tempo de tramitação, o grau de complexidade da causa e a boa qualidade do trabalho desenvolvido pelos profissionais, tudo de acordo com o disposto no § 2º do artigo 85 do Código de Processo Civil de 2015.

O valor dos honorários deverá ser corrigido, pelo IGP-M (admitida a deflação, preservando-se, porém, o valor nominal), desde o ajuizamento da ação, e acrescido de juros de mora, no patamar de 1% ao mês, a contar do trânsito em julgado da presente decisão, nos termos do artigo 85, § 16, do Código de Processo Civil de 2015, vedada a capitalização.

Litigando a parte sucumbente sob o manto da gratuidade da justiça, suspendo a exigibilidade das despesas processuais em sentido amplo, sem prejuízo do disposto na parte final do § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil de 2015.

Em suas razões (Evento 60), a apelante sustenta que restou comprovada a relação jurídica havida entre as partes. Pontua haver nos autos prova da existência das contas poupança, cabendo a parte ré, comprovar que tal conta foi encerrada em período anterior, ou aberta em período posterior ao Plano Econômico, no qual a parte autora busca o valor do saldo existente. Afirma que tais documentos são comuns às partes, não se admitindo a recusa de exibição conforme dispõe o art. 399, III, do CPC. Pugna pela reforma da sentença a fim de que seja julgada procedente a ação.

Com contrarrazões (Evento 65), vieram os autos conclusos para apreciação.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

De plano, antecipo que não merece guarida a irresignação.

Explico.

O interesse de agir é constituído pelo binômio necessidade-adequação. Sobre o tema, discorre em sede doutrinária Marcos Vinícius Rios Gonçalves (in Novo Curso de Direito Processual Civil, Vol. I. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 92):

(...) A propositura da ação será necessária quando indispensável para que o sujeito obtenha o bem desejado. Se o puder sem recorrer ao Poder Judiciário, não terá interesse de agir. É o caso daquele que propõe ação de despejo, embora o inquilino proceda à desocupação voluntária do imóvel, ou do que cobra dívida que nem sequer estava vencida.

A adequação refere-se à escolha do meio processual pertinente, que produza um resultado útil. Por exemplo, o portador de título executivo não tem interesse em um processo de conhecimento. A escolha inadequada da via processual torna inútil o provimento e enseja a extinção do processo sem resolução do mérito. (...)

Do entendimento de que a ausência de interesse processual por inexistência de comprovação do pedido extrajudicial à compreensão de que o interesse do autor estaria configurado, ainda que ausente a juntada do comprovante de realização do pedido administrativo, houve muita discussão a respeito entre os operadores do Direito.

Em 2014, porém, o STJ colocou uma pá de cal nessa discussão, ao apreciar o Resp nº 1.349.453/MS, processado e julgado na forma do art. 543-C do CPC/1973:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS EM CADERNETA DE POUPANÇA. EXIBIÇÃO DE EXTRATOS BANCÁRIOS. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. INTERESSE DE AGIR. PEDIDO PRÉVIO À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA E PAGAMENTO DO CUSTO DO SERVIÇO. NECESSIDADE.

1. Para efeitos do art. 543-C do CPC, firma-se a seguinte tese:

A propositura de ação cautelar de exibição de documentos bancários (cópias e segunda via de documentos) é cabível como medida preparatória a fim de instruir a ação principal, bastando a demonstração da existência de relação jurídica entre as partes, a comprovação de prévio pedido à instituição financeira não atendido em prazo razoável, e o pagamento do custo do serviço conforme previsão contratual e normatização da autoridade monetária.

2. No caso concreto, recurso especial provido. (REsp 1349453/MS - RECURSO ESPECIAL 2012/0218955-5, Ministro Relator Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 10/12/2014)

No que tange aos motivos que conduziram à substancial alteração de posicionamento em tela, é esclarecedor o voto-vista da Ministra Maria Isabel Gallotti. Dele permito-me reproduzir elucidativa passagem, assim vazada:

(...) Também inspiram essa reflexão as ponderações que fiz em voto proferido por ocasião do julgamento do REsp 1.231.027/PR, em que examinado o crescente número de ações de prestação de contas, fenômeno caracterizador do surgimento de "indústria de processos" quanto àquela matéria, o que parece se repetir com o presente tema, e que talvez esteja implícito na gênese do equivocado entedimento do Tribunal de origem limitador da ação autônoma de exibição de documentos:

Transportando esses fundamentos para as ações cautelares de exibição de documento, em que apenas se pretende a segunda via de contratos ou extratos bancários, anoto ser inconteste que os bancos já enviam periodicamente extratos, sendo franqueado igualmente o acesso gratuito aos lançamentos em conta bancária por meio da internet. Se não houver a iniciativa de seu cliente de pedir na agência de relacionamento, pelos canis adequados, a emissão de segunda via dos documentos já fornecidos, não há com se considerar configurada a resistência do banco e, portanto, do interesse de agir que justifique a movimentação do Poder Judiciário para a solicitação dos documentos comuns.

Não pairam dúvidas de que a relação entre os bancos e seus correntistas é regida pelo Código de Defesa do Consumidor. Igualmente, é indisputável que o contrato e os extratos são documentos comuns e que o banco tem o dever de fornecê-los ao cliente, quantas vezes for solicitado. Mas o banco não pode adivinhar que determinado cliente deseja a segunda, a terceira ou a quarta via de tal ou qual documento. Não é razoável que o pedido seja feito diretamente perante o Judiciário, sem que tenha sido solicitado extrajudicialmente ao banco. Assim, é pressuposto para configurar o interesse de agir a demonstração de que o banco, ciente da pretensão, não se dispôs a fornecer os documentos em tempo hábil. Tal demonstração pode decorrer de negativa explícita ou da mera omissão em fornecer os documentos que lhe tenham sido requeridos, pelos canais de relacionamento adequados, nos termos contratuais e da regulamentação da autoridade monetária.

Penso, portanto, que o interesse de agir é condição da ação cautelar de exibição de documentos e ele estará evidenciado se o autor demonstra a recusa ou a inércia da instituição financeira em fornecer, em tempo hábil, os documentos comuns, após cientificada da pretensão. (...)

O entendimento em questão já vinha sendo adotado por este Tribunal:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. Verificado o interesse de agir da autora na propositura da ação cautelar de exibição de documentos. Pedido não atendido na esfera extrajudicial. Exibição da documentação objetivada somente em juízo. Procedência da demanda mantida. A imposição de multa cominatória é descabida em ação cautelar de exibição. Precedentes do STJ. Súmula nº 372 do STJ. Ônus sucumbenciais mantidos. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA (Apelação Cível Nº 70054250139, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Roberto Imperatore de Assis Brasil, Julgado em 26/06/2013)

Ação cautelar de exibição de documento. Contrato de financiamento bancário. Ausência de solicitação extrajudicial. Não demonstrado o interesse para agir, a autoridade judiciária pode e deve coibir ação cautelar desnecessária. (Apelação Cível Nº 70055318992, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Cini...

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