Acórdão nº 50115004720228210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 24-11-2022

Data de Julgamento24 Novembro 2022
ÓrgãoSexta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50115004720228210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002941647
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5011500-47.2022.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Direito de imagem

RELATOR: Desembargador NIWTON CAES DA SILVA

APELANTE: BRUNO ANGELINO FALCÃO ROCHA (AUTOR)

APELANTE: TELEVISAO GUAIBA LTDA (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

BRUNO ANGELINO FALCÃO ROCHA ajuizou a presente ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos morais em face de TELEVISÃO GUAIBA LTDA, narrando, em síntese, que em março de 2021 foi baleado ao sair de um mercado na cidade de Sapucaia do Sul. Afirmou que teve de ser levado ao Hospital São Camilo, na cidade de Esteio/RS. Arguiu que no mesmo dia ocorreu um latrocínio na cidade de Gravataí, que culminou com a morte do soldado da Brigada Militar Cristian da Rosa Oliveira. Asseverou, contudo, que após os incidente, a rede de televisão demandada, através do Programa Balanço Geral, passou a veicular matéria sensacionalista, ligando a imagem do autor como suspeito de cometer o crime. Alegou que, após a publicação das imagens no programa, passou a receber diversas visitas de pessoas ligada à polícia, a fim de averiguar o ocorrido. Sustentou que a imagem foi veiculada pelo jornal da Record por cerca de 01 mês. Discorreu acerca dos danos morais sofridos. Requereu, liminarmente, que a parte ré exclua as publicações contendo a imagem do autor, sob pena de multa diária. Postulou a procedência da demanda para que, mantida a liminar, seja a parte ré condenada ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 300.000,00(...)

Sobreveio sentença que julgou parcialmente procedente o pedido deduzido na presente ação indenizatória, para determinar que a parte ré exclua as publicações vinculadas à imagem do requerente, bem como condeno a demandada ao pagamento de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), a título de indenização por danos morais sofridos, corrigidos pelo IPCA-E (que é o indexador com caráter mais oficial e usado pelas Cortes Superiores), a contar desta data, incidindo juros de mora de 12% ao ano, desde o evento danoso. Pela sucumbência mínima do autor, condenou a parte ré ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte autora, que restaram fixadas em 10% sobre o valor da condenação.

A parte ré apelou aduzindo que da análise de qualquer dos vídeos juntados (Ev. 1, video7, ou Eventos 11 e 12) aos autos permite apontar sem margem para dúvidas, que a decisão está errada, pois o que é visualizado no vídeo7, juntado no Ev. 1., é um vídeo fruto de uma gravação com um celular de imagens exibidas na tela de um televisor, é possível observar que inicia exibindo a imagem do apresentador do Balanço Geral RS, Samuel Vettori. Na sequência, aparecem imagens gravadas por uma câmera direcionada para a via pública, onde aparecem dois automóveis, um branco e um vermelho, e na sequência a imagem de um homem, que o Apelado afirma ser sua. Em ato contínuo aparece imagem da carteira funcional da vítima e após imagens do local onde ocorreu o crime segue exibindo a imagem dos policiais que atenderam a ocorrência. No tempo acima referido, o apresentador inicia informando que na noite anterior foi morto o soldado Cristian da Rosa Oliveira, com 36 anos e que trabalhava no Batalhão da BM de Cachoeirinha. Prossegue afirmando que a suspeita inicial da Polícia Civil é que ele teria sido vítima de latrocínio. Na sequência o apresentador explica o que é latrocínio e informa que o soldado não estava em serviço e seu corpo foi encontrado dentro do veículo, sem a arma. Informa ainda, que há suspeita de que a vítima teria conseguido ferir um dos assassinos, diante da reação à abordagem sofrida. O vídeo prossegue exibindo imagens de policiais e informando que o trabalho é incessante na localização dos assassinos do Policial Militar. A partir do primeiro minuto e doze segundos começam a ser reexibidas as imagens dos carros (branco e vermelho), da suposta vítima e da carteira funcional. Em momento algum, no vídeo, é feita a associação ou a indicação de que a imagem da pessoa que aparece no vídeo é de um dos suspeitos do crime. Aliás, a única associação possível da imagem é com a vítima, e não com a dos suspeitos, pois estes não existiam ainda. Asseverou inexistir qualquer ato ilícito, bem como não há qualquer comprovação do alegado dano. Colacionou julgados. Requereu, assim, o provimento do recurso com a improcedência da ação.

A parte autora apelou aduzindo, exclusivamente, a necessidade de majoração do quantum indenizatório arbitrado na origem para o montante de R$300.000,00(...).

As partes apresentaram contrarrazões.

Os autos vieram conclusos em 24/10/2022.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas. Trata-se, consoante sumário relatório de ação indenizatória, na qual o autor alega que teve sua imagem indevidamente veiculada em programa de televisão da demandada, sendo tratado como suspeito de latrocínio que ocorreu na cidade de Gravataí/RS o que lhe gerou abalo moral, julgada parcialmente procedente na origem.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos.

1) Dever de indenizar

De início, destaca-se que o artigo 5º, inc. XIV, da Carta Magna, estipula que é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional, in verbis:

Artigo 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XIV - e assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

Por sua vez, o artigo 220 da Carta Magna prevê o direito à liberdade de imprensa, verbis:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º. Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no artigo 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

Por pertinente, transcrevo os comentários de Gilmar Ferreira Mendes a respeito do referido dispositivo legal (Colisão dos Direitos Fundamentais: Liberdade de Expressão e Comunicação e Direitos à Honra e à Imagem. Informativo Consulex, Brasília, ano VII, nº 43, out. 1993, p. 1.550), in verbis:

Não é verdade que o Constituinte concebeu a liberdade de expressão como direito absoluto, insuscetível de restrição, seja pelo Judiciário, seja pelo Legislativo. Já a fórmula constante no art. 220 da Constituição explicita que a manifestação de pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

É fácil ver, pois, que o texto constitucional não excluiu a possibilidade de que se introduzissem à liberdade de expressão e de comunicação, estabelecendo, expressamente, que o exercício dessas liberdades haveria de se fazer com observância do disposto na Constituição. Não poderia ser outra a orientação do constituinte, pois, do contrário, outros valores, igualmente relevantes, quedariam esvaziados diante de um avassalador, absoluto e insuscetível de restrição.

Mais expressiva, ainda, parece ser, no que tange à liberdade de informação jornalística, a cláusula contida no art. 220, § 1º, segundo o qual nenhuma lei conterá dispositivo que possa contribuir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. Como se vê, a formulação aparentemente negativa contém, em verdade, uma autorização para o legislador disciplinar o exercício da liberdade de imprensa, tendo em vista sobretudo a proibição do anonimato, a outorga do direito de resposta e a inviolabilidade da intimidade privada, da honra e da imagem das pessoas. Do contrário, não haveria razão para que se mencionassem expressamente esses princípios como limites para o exercício da liberdade de imprensa. Tem-se, pois, aqui expressa a reserva legal qualificada, que autoriza o estabelecimento de restrição à liberdade de imprensa com vistas a preservar outros direitos individuais, não menos significativos como os direitos de personalidade em geral.

Dessa feita, diante da existência de colisão entre o direito à privacidade e o direito de informar é imprescindível que se analise a questão fática a fim de verificar se houve alteração dos fatos ou apenas referência à realidade, constituindo ato ilícito a reportagem veiculada mediante o abuso de direito, com o ânimo de injuriar, difamar ou caluniar, bem como a notícia mentirosa e sensacionalista, respondendo civilmente o responsável pela veiculação, pois o direito à liberdade de expressão e de pensamento não é absoluto, sofrendo limitações.

A respeito valho-me da doutrina de Marco Aurélio Rodrigues da Cunha e Cruz (CRUZ, Marco Aurélio Rodrigues da Cunha e. A liberdade de expressão e o direito à informação na jurisprudência do STF: comentários de três casos emblemáticos. Revista de Direito das Comunicações. São Paulo, v.1, n.1, p. 99-154, jan./jun. 2010, p. 110 e 118.), ipsis litteris:

(...) a liberdade de informação, por se referir a fatos, conta com o limite interno de veracidade e tem mais reduzida sua elasticidade. Para se informar, há de se recorrer ao específico dever de diligência que recai sobre o informador, a quem lhe impinge o dever de transmitir os fatos com estofo em um prévio contraste com dados objetivos. Não pode subtrair o informador a garantia...

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