Acórdão nº 50115032820208210015 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Quarta Câmara Cível, 23-06-2022

Data de Julgamento23 Junho 2022
ÓrgãoDécima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50115032820208210015
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002224833
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

14ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5011503-28.2020.8.21.0015/RS

TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

RELATOR: Desembargador MÁRIO CRESPO BRUM

APELANTE: RODRIGO ZANATTA LOURDES FERREIRA (AUTOR)

APELADO: BANCO PAN S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por RODRIGO ZANATTA LOURDES FERREIRA em face da sentença que, nos autos da ação de revisão de cláusulas contratuais ajuizada contra BANCO PAN S.A., julgou improcedentes os pedidos deduzidos pelo autor, decisão que contou com o seguinte dispositivo (Evento 56):

Isso posto, JULGO IMPROCEDENTE a ação revisional ajuizada por RODRIGO ZANATTA LOURDES FERREIRA contra BANCO PAN S.A., relativa ao(s) contrato(s) objeto(s) dos autos.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, que restam suspensas em tendo havido o deferimento da AJG.

Em suas razões (Evento 61), advoga a parte autora a limitação da taxa de juros remuneratórios à média de mercado. Pugna pelo afastamento da cobrança do seguro de proteção financeira, argumentando se tratar de hipótese de venda casada. Advoga a ilegalidade da cobrança da tarifa de cadastro, ou, subsidiariamente, a sua redução à média de mercado. Requer o afastamento da mora contratual e o deferimento dos pedidos de vedação à inscrição do seu nome em cadastros de inadimplentes e de manutenção da posse do bem financiado. Pede, assim, a reforma da sentença recorrida.

A parte apelada apresentou contrarrazões (Evento 65).

Vieram, então, os autos conclusos para julgamento.

Foram observadas as formalidades dos artigos 931 e seguintes do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado nesta Corte.

É o relatório.

VOTO

A discussão devolvida a esta Corte cinge-se aos seguintes tópicos: (a) juros remuneratórios; (b) tarifa de cadastro; (c) seguro de proteção financeira; (d) caracterização da mora contratual; (e) inscrição em cadastros de inadimplentes; (f) manutenção da posse do bem financiado; e (g) devolução de valores.

Passo à análise dos pontos controvertidos.

Inicialmente, consigno que os contratos de financiamento de veículo com cláusula de alienação fiduciária encontram-se sujeitos às disposições do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990), consoante orientação jurisprudencial consolidada e descrita na Súmula 297 do Egrégio STJ:

O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

De tal sorte, mostra-se possível a revisão das cláusulas abusivas, com consequente flexibilização do princípio pacta sunt servanda e do ato jurídico perfeito.

A respeito dos juros remuneratórios, o Superior Tribunal de Justiça, ao examinar o REsp n. 1.061.530/RS, submetido ao regime dos recursos repetitivos (Temas 24 a 27 do STJ), fixou sua orientação jurisprudencial nos seguintes termos:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES.

(..)

ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS

a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;

b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;

c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;

d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.

(...)

Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido, para declarar a legalidade da cobrança dos juros remuneratórios, como pactuados, e ainda decotar do julgamento as disposições de ofício.

Ônus sucumbenciais redistribuídos.

(REsp 1061530/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2008, DJe 10/03/2009)

Revisei o posicionamento até então adotado, a fim de admitir maior flexibilidade para os juros remuneratórios, quando comparados com a média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil para operações similares na data da contratação, consoante a orientação fixada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do aludido REsp n. 1.061.530/RS.

No caso concreto, os juros remuneratórios foram pactuados em 25,50% ao ano (Contrato 2 do Evento 11), patamar pouco superior à média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil à época da contratação (fevereiro/2019 –22,01% ao ano), não denotando abusividade. Note-se, no particular, que esta Câmara não considera abusiva a taxa pactuada em percentual até 50% superior à média de mercado, parâmetro observado na hipótese em tela.

Assim, impositiva a confirmação da sentença que determinou a manutenção da taxa de juros remuneratórios contratada.

No que diz respeito à cobrança de tarifas administrativas, ressalto que o Egrégio STJ, ao apreciar o REsp n. 1.251.331/RS, submetido ao regime dos recursos repetitivos, assim dispôs:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. DIVERGÊNCIA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/2001. RECURSOS REPETITIVOS. CPC, ART. 543-C. TARIFAS ADMINISTRATIVAS PARA ABERTURA DE CRÉDITO (TAC), E EMISSÃO DE CARNÊ (TEC). EXPRESSA PREVISÃO CONTRATUAL. COBRANÇA. LEGITIMIDADE. PRECEDENTES. MÚTUO ACESSÓRIO PARA PAGAMENTO PARCELADO DO IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES FINANCEIRAS (IOF). POSSIBILIDADE.

(...)

9. Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC:

- 1ª Tese: Nos contratos bancários celebrados até 30.4.2008 (fim da vigência da Resolução CMN 2.303/96) era válida a pactuação das tarifas de abertura de crédito (TAC) e de emissão de carnê (TEC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador, ressalvado o exame de abusividade em cada caso concreto.

- 2ª Tese: Com a vigência da Resolução CMN 3.518/2007, em 30.4.2008, a cobrança por serviços bancários prioritários para pessoas físicas ficou limitada às hipóteses taxativamente previstas em norma padronizadora expedida pela autoridade monetária. Desde então, não mais tem respaldo legal a contratação da Tarifa de Emissão de Carnê (TEC) e da Tarifa de Abertura de Crédito (TAC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador. Permanece válida a Tarifa de Cadastro expressamente tipificada em ato normativo padronizador da autoridade monetária, a qual somente pode ser cobrada no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira.

(...)

10. Recurso especial parcialmente provido.

(REsp 1251331/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28/08/2013, DJe 24/10/2013)

No caso concreto, o financiamento foi contratado em fevereiro de 2019, prevendo, expressamente, a cobrança da tarifa de cadastro (R$ 652,00), devendo, pois, ser mantida a sua exigência. No ponto, destaco que, embora superior, a tarifa pactuada não discrepa de maneira significativa da média de mercado apurada pelo BACEN à época da contratação (R$ 509,61), observando a margem de tolerância adotada por esta Câmara à aferição da abusividade de outros encargos (até 50% superior à referida média).

Destarte, impositiva, também no particular, a manutenção do avençado.

Quanto à validade da estipulação de seguro, em contratos bancários, o Egrégio STJ, ao apreciar o REsp n. 1.639.320/SP, submetido ao regime dos recursos repetitivos, assim dispôs:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. TEMA 972/STJ. DIREITO BANCÁRIO. DESPESA DE PRÉ-GRAVAME. VALIDADE NOS CONTRATOS CELEBRADOS ATÉ 25/02/2011. SEGURO DE PROTEÇÃO FINANCEIRA. VENDA CASADA. RESTRIÇÃO À ESCOLHA DA SEGURADORA. ANALOGIA COM O ENTENDIMENTO DA ...

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