Acórdão nº 50115862520218210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50115862520218210010
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002266658
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5011586-25.2021.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Tratamento médico-hospitalar

RELATORA: Desembargadora LUSMARY FATIMA TURELLY DA SILVA

APELANTE: ADELIA LINDORCE DE SOUZA (AUTOR)

APELADO: UNIMED NORDESTE RS SOCIEDADE COOP DE SERV MEDICOS LTDA (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação cível interposto por ADELIA LINDORCE DE SOUZA, nos autos desta ação de obrigação de fazer que move em face de UNIMED NORDESTE RS SOCIEDADE COOP DE SERV MEDICOS LTDA, contra a sentença referente ao Evento 50 do processo originário, que julgou improcedente o pedido.

Adoto o relatório da r. sentença, que bem narrou o presente caso:

Vistos etc.

ADELIA LINDORCE DE SOUZA, qualificada no processo, por sua procuradora, ajuizou ação de obrigação de fazer contra UNIMED NORDESTE SOCIEDADE COOPERATIVA DE SERVIÇOS MÉDICO LTDA., também qualificada no processo.

A autora é segurada em plano de saúde oferecido pela ré. Disse que foi diagnosticada, pelo médico Dr. Lisandro Pavan (CREMERS 23.291), como portadora de dor crônica CLS com estenose de canal lombar, osteodiscartrose e artrose facetaria em 4 níveis (08 facetas) - CID 10 M 54.4., sendo encaminhada para a realização de bloqueio neurolítico peridural ou subaracnoídeo, com anestesia local e internação no Hospital Pompéia. Ocorre que a ré negou a cobertura contratual do tratamento sob a justificativa de que o contrato não é regulamentado à Lei 9656/98 e que o atendimento solicitado não possuiria cobertura de acordo com o capítulo quinto, item 1, letra “H”, que trata de aplicações medicamentosas em nível ambulatorial. Disse que diante da gravidade da moléstia e as dores insuportáveis, se viu obrigada a custear o tratamento cirúrgico na esfera particular na data de 05/01/2021, realizando o tratamento cirúrgico na Associação Cultura e Científica Virvi Ramos, arcando com os custos de R$ 600,00, correspondente aos honorários médicos pagos Dr. Lisandro Pavan antecipadamente ao procedimento cirúrgico (22/12/2020); mais R$ 400,00, corresponde ao tratamento cirúrgico. Sustentou qua a negativa de cobertura do procedimento é indevida e abusiva, pois a justificativa fornecida pela ré não merece guarida em razão de que a ré não ofertou a adaptação e/ou migração contratual nos termos exigidos pela Resolução Normativa nº 64/03 e pela Resolução Normativa nº 254/11, ambas da ANS, bem como o contrato do plano de saúde vigente possui a devida previsão contratual para a cobertura de procedimentos em ambiente ambulatorial, ao contrário do que alegou a ré na justificativa apresentada no Comprovante de Negativa. Discorreu sobre o direito aplicável. Postulou a tramitação preferencial, por ser pessoa idosa, e a concessão do benefício da AJG. Requereu que a ré seja condenada a restituir a quantia de R$600,00, correspondente ao recibo fornecido pelo médico assistente, pagos pelo tratamento cirúrgico realizado na esfera particular, com a devida correção monetária; mais R$400,00 corresponde a nota fiscal série 34987/S, pagos pelo tratamento cirúrgico realizado na esfera particular, com a devida correção monetária; além dos ônus sucumbenciais. Deu à causa o valor de R$10.525,00. Juntou procuração e documentos (Evento 1).

Foi deferida a AJG (Evento 3).

Citada, a ré juntou atos constitutivos e contestou (Eventos 7-8). Esclareceu que a autora é beneficiária de contrato de assistência à saúde, na modalidade individual familiar, firmado junto à requerida, anteriormente à vigência da Lei nº 9.656/98. Disse que se trata de plano de saúde não regulamentado, pelo que não sujeito ao disposto nessa legislação e na sua regulamentação, por parte da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) pautando-se pelas cláusulas dispostas na própria minuta. Alegou que o contrato não prevê a cobertura para os procedimentos realizados, sendo a cobrança baseada nas cláusulas presentes no instrumento. Ressaltou que, em 19-8-2014, a autora solicitou a proposta de adaptação do plano de saúde, entretanto, não retirou a proposta na Unimed, e por não haver o aceite da parte, as coberturas se limitam as disposições contratuais em seus próprios termos. Afastou a aplicabilidade da Lei 9.656/98, pois se trata de plano não regulamentado. Disse ter ofertado a possibilidade de adaptação do contrato da parte autora, de forma que a sua minuta fosse atualizada às disposições da nova legislação, nos termos do art. 35 da LPS. Afastou a existência de ato ilegal praticado. Impugnou a pretensão de restituição de valores. Pediu a improcedência da ação, com a condenação da autora ao pagamento das custas processuais e honorários sucumbenciais. Juntou documentos.

Apresentada réplica (Evento 11).

Remetidos os autos ao CEJUCS, não houve acordo (Evento 35 e 45).

Relatei. Decido.

E o dispositivo sentencial foi exarado nos seguintes termos:

Isso posto, JULGO IMPROCEDENTE a presente ação, condenando a parte autora ao pagamento da taxa única/despesas processuais e honorários advocatícios em favor do patrono da parte adversa, ora fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa. Exegese do artigo 85, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil.

A exigibilidade da sucumbência fica suspensa em relação à parte embargante, na forma do art.98, §3º, do NCPC, em razão de estar litigando sob o manto da gratuidade da justiça.

Em suas razões recursais (Evento 54 do processo originário), a parte autora refere que não lhe foi oferecida a adaptação do plano de saúde aos ditames da Lei 9.656/98. Defende que se trata de contrato de trato sucessivo, renovando-se ano a ano. Aduz que o procedimento realizado em âmbito ambulatorial possui cobertura contratual. Defende a aplicabilidade do CDC ao caso em tela. Argumenta que a cláusula limitativa de direitos deveria ter sido redigida em destaque, o que alega não ter sido feito. Menciona entendimento do e. STJ acerca da abusividade de preceito excludente do custeio dos meios e materiais necessários ao melhor desempenho do tratamento clínico. Sinala que as cláusulas contratual devem ser interpretadas da maneira mais favorável ao consumidor. Pontua que a demandada não comprovou que teria ofertado outro tratamento equivalente. Pede o prequestionamento dos dispositivos suscitados. Requer o provimento do recurso.

Sobrevieram contrarrazões (Evento 59 do processo originário).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

Tendo em vista a adoção do sistema informatizado, os procedimentos previstos nos artigos 931, 932 e 934 do Código de Processo Civil foram simplificados, porém cumpridos na sua integralidade.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso da parte autora é de ser conhecido, porquanto preenchidos os pressupostos de sua admissibilidade, sendo tempestivo e estando e dispensado o preparo, em virtude do benefício da gratuidade de justiça (Evento 3 do processo originário).

Adianto que assiste razão à parte autora, devendo ser reformada a sentença de improcedência, conforme passarei a expor.

Inicialmente, cumpre referir que não há mais dúvida quanto à aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de seguros e de planos de saúde1. Trata-se de entendimento sumulado pelo e. STJ que, em 2010, editou a Súmula n. 469, que assim dispõe: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde”. Observo que o entendimento foi mantido com a edição da Súmula n. 608 do e. STJ2, a qual cancelou a anterior, tendo a última apenas criado exceção para os casos dos planos de autogestão.

Dessa forma, tornou-se clara a identificação das seguradoras ou operadoras de planos de saúde como fornecedoras de serviço e do beneficiário (segurado) como destinatário final (consumidor), nos termos do que dispõem os artigos 2º, “caput”3, e 3º, §2º4, da legislação consumerista.

Com efeito, os contratos de seguro e planos de assistência à saúde devem se submeter às regras constantes na legislação consumerista, para evitar eventual desequilíbrio entre as partes, considerando a hipossuficiência do consumidor em relação ao fornecedor; bem como manter a base do negócio a fim de permitir a continuidade da relação no tempo.

Destarte, estando os contratos submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor, aplica-se, dentre outras, as seguintes regras: “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor” (art. 47 do CDC). E, considerar-se-ão abusivas, as que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada; sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor e as que se mostrem exageradas, como as excessivamente onerosas ao consumidor, as que restrinjam direitos ou ofendam princípios fundamentais do sistema (art. 51, incisos IV e XV e § 1º, incisos, I, II e III, do CDC).

Aliás, com relação à aplicação do CDC nos planos de saúde, a lição de Cláudia Lima Marques e Bruno Miragem5:

“O reconhecimento da aplicação do Código do Consumidor implica subordinar os contratos aos direitos básicos do consumidor, previsto no art. 6º do Código. Daí porque o STJ tenha superado as discussões dogmáticas sobre a natureza do contrato, como seguro ou plano, e tem decidido impor a este importante tipo contratual de consumo de massa uma boa-fé extremamente qualificada, exigindo de todos os fornecedores (operadoras, seguradoras e outros), o cumprimento do dever de informação, cooperação e cuidado. (…) se de um lado é certo que a necessidade de manter equilíbrio econômico-atuarial do contrato, em vista da previsão de riscos e probabilidades, e a respectiva sustentabilidade econômica que lhe assegure – tema que pertence à expertise do fornecedor - também é correto determinar a estes contratos uma interpretação conforme à boa-fé e sempre a...

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