Acórdão nº 50115917920188210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 17-02-2023

Data de Julgamento17 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50115917920188210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002720391
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5011591-79.2018.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Estupro de vulnerável CP art. 217-A

RELATOR: Desembargador LEANDRO FIGUEIRA MARTINS

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra C. G. B. L., afirmando estar incurso nas sanções do artigo 217-A, combinado com os artigos 226, inciso II, e 61, inciso II, alínea "f", todos do Código Penal (CP), pela prática do seguinte fato descrito na peça inicial (processo 5011591-79.2018.8.21.0001/RS, evento 2, DENUNCIA1):

"Em dias e horários não especificados nos autos, entre 02 de julho de 2011 e 1º de julho de 2012, na Rua XXXX XXXXXXX, n.º XXXX, Bairro São José, nesta cidade, o denunciado C. G. B. L., em ocasiões diversas, praticou atos libidinosos diversos da conjunção carnal com a vítima J. C. S., então com 11 anos de idade (nascida em 02/07/2000, consoante certidão de nascimento na fl. 34 do inquérito policial).

O denunciado C. G. B. L., então padrasto da vítima (artigo 226, II, Código Penal), para satisfazer sua lascívia, utilizando-se do pretexto de cobrir ou massagear sua enteada, passava-lhe as mãos na vagina e nos seios, com fins libidinosos, por cima e por baixo das vestes.

Os fatos acima descritos foram perpetrados sob o prevalecimento de relações domésticas, no ambiente intrafamiliar, sendo que o denunciado se utilizava de tal acesso e proximidade a vítima para cometer as condutas delituosas (artigo 61, II, "f", Código Penal).

Em avaliação psíquica perante o DML, foram constatados em J. C. S., sintomas compatíveis com a ocorrência de abuso sexual (Laudo n.º 130208/2016 - fls. 11/14)" (adaptado).

Recebida a denúncia em 27/02/2019 (processo 5011591-79.2018.8.21.0001/RS, evento 2, OUT - INST PROC3, fl. 30) e produzida a prova, a pretensão, nos seguintes termos, foi julgada parcialmente procedente (processo 5011591-79.2018.8.21.0001/RS, evento 30, SENT1):

"Isto posto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva do Estado para condenar C. G. B. L. nas sanções do art. 217-A, majorado pelo art. 226, inciso II, na forma do art. 71, todos do Código Penal.

Da dosimetria da pena

Trata-se de réu com plena consciência da ilicitude do ato praticado e capaz de se guiar por tal entendimento. Não possui antecedentes criminais (Evento 11, CERTANTCRIM1). Conduta social abonada. Nada adveio aos autos quanto a sua personalidade. O motivo, satisfação da lascívia, é o comum ao tipo. As circunstâncias do crime foram normais à espécie. Consequências negativas, considerando a depressão e o prejuízo escolar ocasionados à ofendida, que abandonou a escola e necessitou de intenso tratamento psiquiátrico e psicológico. A vítima não deu causa ao evento. A culpabilidade do acusado, considerada como o grau de reprovação de sua conduta em face das peculiaridades do caso e de suas condições pessoais, vai aferida em grau acima mínimo.

Desse modo, fixo a pena-base em 09 (nove) anos.

Em sede de pena provisória, tendo em vista a ausência de circunstâncias agravantes ou atenuantes, mantenho a pena no patamar de 09 (nove) anos.

Na terceira fase da dosimetria penal, considerando a incidência da causa de aumento de pena descrita no artigo 226, II, do Código Penal, aumento a pena na razão de 1/2 (em metade), fixando a pena em 13 (treze) anos e 06 (seis) meses de reclusão.

Ainda, reconheço a continuidade delitiva. Com efeito, a prova dos autos não é capaz de precisar o número exato da ocorrência do delito, que ocorreu em pelo menos duas oportunidades. Considerando isso, exaspero a pena no quantum de um sexto, ou seja, em 02 (dois) e anos 03 (três) meses.

Sendo assim, fixo a pena definitiva em QUINZE ANOS E NOVE MESES DE RECLUSÃO.

Da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e da SURSIS.

Ausentes os requisitos do artigo 44, do Código Penal, pelo que deixo de substituir a pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos.

Da mesma forma, ausentes os requisitos do art. 77, do Código Penal, inviável oportunizar a suspensão condicional da pena.

[...]

Portanto, inviável a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos ou a suspensão condicional da pena no presente caso.

Do regime de cumprimento da pena

O regime inicial para o cumprimento da pena é o fechado, com base no art. 33, §2º, alínea “a”, do Código Penal.

Tendo o acusado respondido o feito integralmente solto, não há necessidade em sua segregação neste momento, uma vez que compareceu a todos os atos processuais e não há notícia acerca de eventual reiteração da conduta, não representando risco à ordem pública ou à aplicação da lei penal" (adaptado).

O réu ingressou com apelação (processo 5011591-79.2018.8.21.0001/RS, evento 39, APELAÇÃO1), alegando, em suma: (a) a necessidade de concessão do benefício da gratuidade judiciária; (b) a ocorrência de cerceamento de defesa diante do indeferimento da pretensão de apresentação extemporânea do rol de testemunhas; (c) ser hipótese de absolvição, com base em insuficiência probatória; (d) que deveria acontecer o redimensionamento da pena, inclusive com exclusão da continuidade delitiva. Pediu, assim, o acolhimento da preliminar, reconhecendo-se a nulidade da instrução. No mérito, pleiteou a absolvição e, subsidiariamente, a redução da penalidade, com modificação do regime.

O Ministério Público, em contrarrazões, postulou o desprovimento do recurso (processo 5011591-79.2018.8.21.0001/RS, evento 44, CONTRAZAP1).

Nesta instância recursal, a Procuradoria de Justiça lançou parecer (processo 5011591-79.2018.8.21.0001/TJRS, evento 6, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade (artigo 593, inciso I, do CPP), conheço do recurso do réu.

I. Preliminar de cerceamento de defesa

A preliminar suscitada pelo réu/recorrente não merece êxito, visto que o indeferimento da apresentação extemporânea do rol de testemunhas, por si só, não tem a capacidade de ensejar violação ao direito de defesa do acusado, notadamente existindo absoluta observância ao dever de fundamentação das decisões (artigo 93, inciso IX, da CF/88).

Nesta linha, o artigo 396-A do CPP preconiza que, na "resposta, o acusado poderá arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário" (grifou-se).

Deste modo, o momento processual adequado à apresentação do rol de testemunhas, pela defesa, é o da resposta à acusação, sob pena de preclusão, conforme orientação adotada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ):

"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. APRESENTAÇÃO INTEMPESTIVA DO ROL DE TESTEMUNHAS PELA DEFESA. IMPOSSIBILIDADE. PRECLUSÃO. EFETIVO PREJUÍZO NÃO CONFIGURADO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Como é de conhecimento, nos moldes do art. 396-A do Código de Processo Penal, o rol de testemunhas deve ser apresentado no momento processual adequado, ou seja, quando da apresentação da resposta preliminar, sob pena de preclusão. Em respeito à ordem dos atos processuais não configura cerceamento de defesa o indeferimento da apresentação extemporânea do rol de testemunhas.
2. A teor dos precedentes desta Corte, inexiste nulidade na desconsideração do rol de testemunhas quando apresentado fora da fase estabelecida no art. 396-A do CPP (REsp 1.828.483/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 3/12/2019, DJe de 6/12/2019).
3. Na hipótese, não há falar em manifesto prejuízo para a defesa do réu, em razão do indeferimento da apresentação do rol de testemunhas em momento posterior. Consoante a fundamentação apresentada pela Corte local, não obstante a defesa do acusado seja exercida pela Defensoria Pública, observa-se, no caso em exame, que houve pedido genérico para apresentação do rol de testemunhas de forma extemporânea, sem levar em consideração que a audiência de instrução foi designada para data distante, havendo, portanto, tempo disponível para que a defesa tenha acesso ao acusado, atualmente recolhido ao cárcere, mesmo com todas as dificuldades e limitações decorrentes da pandemia. Ademais, em sede de resposta à acusação, a Defensoria Pública não noticiou qualquer dificuldade para contato com o réu e seus familiares, tampouco para a identificação de testemunhas.
4. Agravo regimental a que se nega provimento" (AgRg no RHC n. 161.330/RS, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 5/4/2022, DJe de 8/4/2022 - grifou-se).

Neste quadro, destaca-se o registrado na sentença quanto ao ponto (processo 5011591-79.2018.8.21.0001/RS, evento 30, SENT1):

"Em seus memoriais, a parte ré, mediante defensor constituído, arguiu preliminar de cerceamento de defesa, requerendo o reconhecimento de nulidade da instrução processual.

Para tanto, sustentou que o indeferimento da apresentação posterior de rol de testemunhas, quando o réu estava sendo assistindo pela Defensoria Pública, acarretou prejuízos à Defesa, pois, não pode o réu trazer aos autos, na instrução, testemunhas que entende ser imprescindíveis à sua defesa”.

De início, pertinente ressaltar que, conquanto a alegação de cerceamento, não foi indicado, na fundamentação defensiva, nenhum prejuízo concreto ao pleno exercício dos direitos defensivos.

Inobstante isso, verifica-se que o advogado foi nomeado pelo réu logo após a apresentação de resposta à acusação pela Defensoria Pública (procuração ao Evento 2, OUT - INST PROC4, p. 09).

Desde então, o procurador foi intimado acerca dos atos processuais e compareceu em todas as audiências realizadas, inclusive na primeira, em 17/12/2019, acompanhado do acusado...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT