Acórdão nº 50116639720228210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Terceira Câmara Cível, 28-02-2023

Data de Julgamento28 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50116639720228210010
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003049560
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

23ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5011663-97.2022.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Bancários

RELATORA: Desembargadora KATIA ELENISE OLIVEIRA DA SILVA

APELANTE: CELSO HENRIQUE ALMEIDA (AUTOR)

APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por CELSO HENRIQUE ALMEIDA em face da sentença de improcedência, proferida nos autos da ação em que litiga com BANCO BMG S.A, cujo relatório e dispositivo transcrevo abaixo:

CELSO HENRIQUE ALMEIDA propôs ação anulatória contra BANCO BMG S. A., narrando que é aposentado do INSS, procurando o réu para fazer empréstimo consignado. Percebeu desconto no benefício previdenciário de parcelas de renda mensal consignável (RMC) decorrente de cartão de crédito, no valor mensal de R$ 76,30, tratando-se de operação diversa da pretendida por ele. Requereu tutela de urgência para suspensão dos descontos no INSS. Pediu a procedência da ação para readequação do contrato para modalidade empréstimo consignado para aposentados do INSS, repetindo-se em dobro o indébito, e declaração de nulidade das taxas e encargos, inclusive de seguros e IOF, com condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais de R$ 15.000,00. Solicitou AJG. Deu à causa o valor de R$ 17.008,00. Acostou documentos. Foi deferida AJG e indeferida tutela de urgência. O réu contestou, arguindo, em preliminar, ausência de interesse de agir e inépcia da inicial. No mérito, alegou que o autor firmou contrato de cartão de crédito consignado, com autorização para desconto em folha de pagamento, o que originou averbação de reserva de margem consignável (RMC), inexistindo qualquer vício de consentimento na contratação. Foi realizado saque com o cartão de crédito, não havendo ilegalidade no contrato, nem violação ao dever de informação. Impugnou os pedidos de repetição de valores e de indenização por danos morais, defendendo a impossibilidade de conversão da operação para empréstimo consignado. Pediu a improcedência da ação. Juntou documentos. Houve réplica. Intimadas, as partes não requereram provas

[...]

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido e, ipso facto, condeno o autor ao pagamento das despesas processuais e dos honorários do advogado do réu, que, considerando a natureza e importância da demanda, bem como o grau de zelo e o trabalho realizado, fixo em 10% do valor atualizado da causa pelo IGP-M(FGV), com juros moratórios de 1% ao mês a contar do trânsito em julgado desta sentença, com base no artigo 85, §§ 2.º, 8.º e 16, do CPC, restando suspensa a exigibilidade em face da AJG (art. 98, § 3.º, do CPC). Transitada em julgado, e satisfeitas eventuais despesas processuais remanescentes, arquivem-se com baixa.

Em suas razões (evento 28, APELAÇÃO1), o autor defende a necessidade de reforma da sentença. Refere, em síntese, que jamais solicitou nenhum cartão de crédito objetivando, em verdade, a contratação de um empréstimo consignado. Salienta inexistir prova acerca da remessa e conseguinte recebimento do cartão, o que, entende, afigura-se imprescindível para a validação da cobrança. Tece considerações acerca dos descontos realizados, colaciona precedentes e, ao final, requer o provimento do recurso com o integral acolhimento de sua insurgência, a fim de que seja convertido o contrato para empréstimo consignado, repetidos em dobro os valores pagos indevidamente, reparado o dano moral que lhe foi ocasionado, no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), e redimensionados os ônus sucumbenciais.

Apresentadas contrarrazões (evento 31, CONTRAZ1), o processo veio concluso a este Tribunal de Justiça para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Inicialmente consigno, diante do entendimento majoritário desta 23ª Câmara Cível1, no sentido de que a suspensão determinada no IRDR 700846505892 somente atinge os processos que se encontram no primeiro grau, possível o julgamento do presente recurso. Dito isso, por estarem suficientemente preenchidos os requisitos legais, conheço da irresignação e passo a sua imediata apreciação.

Consoante se verifica da petição inicial dos autos de origem, a parte autora se insurge quanto ao desconto de valores a título de "RMC" em seu benefício previdenciário. Afirma que ao procurar a instituição financeira ré com o intuito de contratar um empréstimo consignado em folha de pagamento – com juros e taxas atrativas dada a garantia de pagamento de tal modalidade de negociação – restou induzida à adesão, em verdade, a serviço de cartão de crédito. Outrossim, jamais teve a intenção de obter qualquer cartão, tampouco fora informado de que essa seria a modalidade de operação que estava lhe sendo vendida.

A efetiva existência dos descontos impugnados, por sua vez, é fato incontroverso nos autos, tendo sido admitida pelo banco réu em sua defesa (evento 9, CONT1). Outrossim, a instituição financeira defende que o contrato foi realizado de forma livre e espontânea afirmando, ademais, que a cobrança em discussão neste feito decorre de sua adesão expressa ao serviço de cartão de crédito. A questão controvertida diz respeito, em suma, ao reconhecimento da existência, ou não, de vício de vontade e falha no dever de informação quando da contratação, pela parte aderente, de cartão de crédito com margem consignável. Nesse contexto, e sem que se olvide a argumentação deduzida pela parte ré, a existência de termo de adesão a cartão de crédito consignado com autorização para desconto em folha devidamente firmado (evento 9, CONTR2), tenho por comprovada a ocorrência de vício de consentimento e violação aos direitos básicos do consumidor idoso e hipossuficiente, hábeis a embasar o decreto de procedência do pedido inicial.

Digo isso, pois, a análise das faturas trazidas aos autos pela ré confere verossimilhança à alegação do autor no sentido de que sua intenção sempre foi a contração de um empréstimo consignado em folha de pagamento e não de um cartão de crédito. De referidos documentos (evento 9, FATURA9) claramente se percebe que, para além do saque fracionado do limite total de crédito disponibilizado ao consumidor, nenhuma outra movimentação ou compra fora realizada. Não podendo, ainda, desconsiderar o teor do áudio acostado (evento 9, ÁUDIO6), que evidencia que o consumidor - um idoso de 72 anos - não foi adequadamente informado acerca dos termos e condições de contratação. Na gravação, o demandante se limita a responder afirmativamente aos questionamentos da rápida fala da atendente não havendo como concluir, com base apenas nessa ligação, que ele poderia ter conhecimento pleno do que lhe estava sendo ofertado. Havendo, portanto, plausibilidade na tese inicial de que o autor realmente desconhecia a contratação de um cartão de crédito em seu nome.

Por outro lado, tenho por relevante ressaltar que nada veio aos autos que pudesse atestar a efetiva observância, pelo banco réu, do dever de informação, previsto pelo artigo 6º, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, quando da contratação. Inexistindo, portanto, como se afirmar que, anteriormente à assinatura do pacto, foram, adequada e suficientemente, informadas ao aderente todas as condições da negociação e viabilizada, por consequência, sua livre e orientada manifestação de vontade, requisito de validade imprescindível à formação de qualquer negócio jurídico. Ônus – que, a par das disposições da legislação consumerista incidentes à espécie e, em especial, da inversão do ônus da prova ora aplicável em razão da verossimilhança das alegações da parte hipossuficiente – não logrou êxito em se desincumbir.

Assim, a par de todas estas considerações, tenho por evidente que o autor foi induzido a erro e nele mantido, já que aderiu a um pacto de cartão de crédito quando acreditava estar contratando um empréstimo com o desconto de parcelas mensais em seu benefício previdenciário. Outrossim, dada a natureza da operação e o caráter excepcional dos juros aplicados, este pagamento mínimo acordado (RMC) jamais permitiria a quitação desse contrato. Justamente porque, mensalmente, o saldo devedor estava sendo refinanciado e acrescidos de encargos rotativos. O que, muito em breve – e acaso não ajuizada a ação – certamente levaria o demandante a se valer, novamente, dos serviços do réu.

A anulação da contratação objeto deste feito é, portanto, uma medida que se impõe. Relativamente às consequências da anulação do negócio jurídico em apreço, entendo possível seja aproveitado, mantida a essência inicialmente buscada pela parte consumidora (crédito pessoal consignado em folha de pagamento junto ao INSS). Dessa forma, viável a conversão da obrigação de cartão de crédito, ora em análise, para um contrato de crédito pessoal consignado cujo cômputo do valor final devido e das parcelas mensais a serem descontadas deverá observar a taxa média de mercado, divulgada pelo Banco Central do Brasil, no período das respectivas disponibilização de valores/saques (séries temporais 20746 e 25468 do BACEN). Com base em tais parâmetros, deverá ser procedido o recálculo do débito, cômputo que, registre-se, poderá ser realizado, de forma ágil e simplificada, pela própria parte interessada, através da ferramenta eletrônica disponibilizada3 pelo Banco Central do Brasil e em observância as diretrizes ora estabelecidas.

Relativamente à repetição de valores, necessário registrar que, muito embora, já tenha me manifestado pela aplicação na sua forma simples, melhor refletindo sobre o tema e a fim de me adequar a posição alcançada por esta 23ª Câmara Cível, passei a entender que deve se dar na forma dobrada, pois a comprovação de que o engano é justificável é ônus da instituição financeira, do qual não se desincumbiu. E, conforme o Código de Defesa do Consumidor, o consumidor...

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