Decisão Monocrática nº 50116982120228210022 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 15-02-2023

Data de Julgamento15 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50116982120228210022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003201798
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5011698-21.2022.8.21.0022/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador JORGE MARASCHIN DOS SANTOS

APELANTE: JUSSARA RODRIGUES DUARTE (AUTOR)

APELADO: BANCO CETELEM S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por JUSSARA RODRIGUES DUARTE, nos autos da ação de reparação por perdas e danos, que promove em desfavor de BANCO CETELEM S.A., em face da sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos, com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação para declarar a nulidade do contrato de cartão de crédito consignado firmado entre as partes, devendo os valores descontados do benefício previdenciário da autora serem utilizados para amortização do débito. Eventual saldo favorável à autora deve ser restituído de forma simples. Ante a sucumbência recíproca, os honorários dos procuradores das partes serão arbitrados em R$ 1.500,00, atendidos os critérios legais disponíveis. Suspendo a execução das verbas da sucumbência, relativamente a autora, ante o benefício da gratuidade processual.

Registre-se. Publique-se. Intimem-se.

(Dr. PAULO IVAN ALVES MEDEIROS, Juiz de Direito do 1º Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Pelotas/RS)

Em suas razões, a autora, ora apelante, argumentou que a caracterização do dano moral no caso é presumido. Defendeu a necessidade da devolução em dobro dos valores cobrados em decorrência da contratação. Postulou, desta forma, a condenação da parte demandada ao pagamento de indenização por danos morais, bem como à repetição em dobro dos valores descontados de seu benefício.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 25).

Cumpridas as formalidades dos artigos 931 e 935 do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015).

É o relatório.

VOTO

ADMISSIBILIDADE.

O prazo para interposição de recurso de apelação pela parte autora encerrou em 04/10/2022 (evento 18), sendo o recurso de apelação interposto em 12/09/2022 (evento 20), sem preparo em razão da gratuidade judiciária concedida na origem.

Assim, o recurso foi interposto dentro do prazo recursal previsto no artigo 1003, § 5º, do Código de Processo Civil, qual seja, de 15 dias.

DANO MORAL. NÃO CONFIGURADO.

Para que se configure o dever de indenizar, devem concorrer, em regra, três requisitos: ação ou omissão culposa, dano e nexo de causalidade entre os primeiros. Nas hipóteses de responsabilidade objetiva, como a presente, dispensa-se prova da culpa, bastando que o prejuízo esteja materialmente ligado à conduta do ofensor.

No caso, a pretensão indenizatória encontra óbice no segundo requisito, pois não há indicativo de que a autora tenha sofrido dano indenizável.

A bem da verdade, a pretensão indenizatória se funda, essencialmente, no fato de a apelada ter induzido a contratação de cartão de crédito e reservado margem de crédito consignável ao apelante, sem sua autorização. No entanto, como restou demonstrado, não há dúvidas de que houve a contratação dos serviços pela autora, o que afasta a possibilidade de condenação da parte demandada em danos morais.

Assim, conquanto possa ter ocorrido falha na prestação do serviço, entendo que não há falar em dano moral, quanto muito mero incômodo ou dissabor, não passível de indenização. Isso, porque não existem violações outras ao direito de personalidade da parte autora, como a inscrição nos cadastros de inadimplentes ou a própria perpetração da conduta antijurídica no tempo, os danos morais não se revelam in re ipsa, demandando demonstração segura de sua ocorrência pela parte interessada, a teor do disposto no art. 373, inc. I, do CPC.

Ora, o incômodo decorrente da situação relatada nos autos é inegável, visto que obriga o consumidor a contatar com a instituição financeira para solução do impasse e, em determinadas situações, até mesmo ajuizar ação judicial para ver sua solicitação atendida.

Entretanto, as pequenas contrariedades da vida, os dissabores, aborrecimentos, não podem ser tidos como causa de indenização econômica, sob pena de se levar à banalização do instituto com a constante reparação de pequenos desentendimentos do cotidiano.

Assim, tenho que o fato não passa de mero dissabor, que não se revela suficiente à configuração do dano moral, pois deve o direito reservar-se à tutela de fatos graves, que atinjam bens jurídicos relevantes.

Sobre o tema, cabe reproduzir lição de Sergio Cavalieri Filho, (in Programa de Responsabilidade Civil, 5ª edição, 2ª tiragem, p. 98):

[...] só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo [...].

Na lição de Yussef Said Cahali, in “Dano Moral”, 2ª ed. 3 tir., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 20, temos que:

“Na realidade, multifacetário o ser anímico, tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido, no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade, no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão e no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral.”

Assim, não há falar em violação de sua dignidade e boa-fé, e, consequentemente, a configuração do dano moral.

Nesse sentido, precedentes desta Câmara:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. De início, cumpre salientar que restou reconhecida na sentença recorrida, a falha na prestação do serviço da instituição financeira, uma vez que o autor aderiu a um cartão de crédito consignado, quando acreditava estar contratando empréstimo consignado, sendo determinado o cancelamento dos descontos, a título de reserva de margem consignável e condenada a parte demandada à restituição dos valores descontados indevidamente. Interposto recurso de apelação apenas pela parte autora. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. Cinge-se a controvérsia pela ocorrência ou não de danos morais, em razão da contratação do cartão de crédito consignado. Assim, no caso, conquanto possa ter ocorrido falha na prestação do serviço, entendo que não há falar em dano moral passível de indenização, senão mero incômodo ou dissabor. Não havendo notícia de que o autor tenha sofrido violação à sua honra objetiva ou que tenha atuado efetiva e infrutiferamente na esfera extrajudicial para resolver o litígio, a condenação em danos morais não merece prosperar. RECURSO DESPROVIDO.(Apelação Cível, Nº 70082802042, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Maraschin dos Santos, Julgado em: 30-10-2019) – grifei.

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DECLARATÓRIA CUMULADA COM REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. Trata-se responsabilidade civil pelo fato do serviço fundada na teoria do risco do empreendimento. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO ADEQUADA – NULIDADE DA CONTRATAÇÃO. Comprovada a abusividade na sistemática de cobrança realizada pela instituição financeira ré que efetua descontos mensais nos proventos de aposentadoria da demandante, sem definição de termo final, relativos aos valores do pagamento mínimo da fatura, tornando a dívida eterna, gerando, com isso, lucros exorbitantes ao banco e, principalmente, desvantagem exagerada ao consumidor, o que é vedado expressa e categoricamente pelo Código de Defesa do Consumidor, nos termos do seu art. 51, IV. Reconhecimento da nulidade da cláusula contratual, que implica no acolhimento do pedido de conversão do cartão de crédito consignado para empréstimo pessoal consignado. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. No caso em tela, tenho que o dano moral não é presumido e, assim, dependia de prova que não foi produzida pela apelante. APELAÇÃO CÍVEL PARCIALMENTE PROVIDA.(Apelação Cível, Nº 70082736018, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Altair de Lemos Junior, Julgado em: 30-10-2019) – grifei.

APELAÇÕES CÍVEIS. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. I - APELO DO BANCO - NULIDADE DA CONTRATAÇÃO - AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO ADEQUADA. Comprovada a abusividade na sistemática de cobrança realizada pela instituição financeira ré que efetua descontos mensais nos proventos de aposentadoria da demandante, sem definição de termo final, relativos aos valores do pagamento mínimo da fatura, tornando a dívida eterna, gerando, com isso, lucros exorbitantes ao banco e, principalmente, desvantagem exagerada ao consumidor, o que é vedado expressa e categoricamente pelo Código de Defesa do Consumidor, nos termos do seu art. 51, IV. Reconhecimento da nulidade da cláusula contratual, que implica...

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