Acórdão nº 50117262320208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sexta Câmara Cível, 05-05-2022

Data de Julgamento05 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50117262320208210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Sexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002104374
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

16ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5011726-23.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATORA: Desembargadora VIVIAN CRISTINA ANGONESE SPENGLER

APELANTE: FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

APELANTE: COOPERATIVA DE ECONOMIA E CREDITO MUTUO DOS PROFESSORES ESTADUAIS DA REGIAO METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE (RÉU)

APELADO: ELENIR DE FATIMA BORELLA DE OLIVEIRA SILVA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação interposta por FACTA FINANCEIRA S.A. CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU) e COOPERATIVA DE ECONOMIA E CRÉDITO MÚTUO DOS PROFESSORES ESTADUAIS DA REGIÃO METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE (RÉU) contra sentneça que julgou parcialmente procedentes os pedidos fomrulados nos autos da Ação Revisional movid apor ELENIR DE FATIMA BORELLA DE OLIVEIRA SILVA (AUTORA), nos seguintes termos (evento 95, SENT1):

FACE AO EXPOSTO, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação ordinária movida por ELENIR DE FATIMA BORELLA DE OLIVEIRA SILVA contra FACTA FINANCEIRA S.A. CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO e COOPERATIVA DE ECONOMIA E CRÉDITO MÚTUO DOS PROFESSORES ESTADUAIS DA REGIÃO METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE - EDUCREDI para a) revisar os contratos indicados na inicial, limitando os juros moratórios à taxa média do mercado de 27,57% ao ano (contrato nº 4735099 - CONTR4)), de 23,76% ao ano (contrato nº 4833202 - CONTR5), de 22,32% ao ano (contrato nº 5095420 - CONTR6), de 21,48% ao ano (contrato nº 5261242 - CONTR7), de 20,79% ao ano (contrato nº 5346368 - CONTR8), de 18,81% ao ano (contrato nº 5457676 - CONTR9), de18,81% ao ano (contrato nº 5463282 - CONTR10) e de 22,11% ao ano (contrato nº 13849349 - CONTR11) para a data e tipo de crédito contratado com o consequente recálculo do valor mensal devido pela autora; b) descaracterizar a mora; e, c) condenar a ré Facta a restituir os valores eventualmente pagos a maior, de forma simples, operação que deverá ser apurada em sede de liquidação de sentença, acrescida de correção monetária pelo IGP-M/FGV desde a data de cada desconto e de juros de mora de 12% ao ano a partir da data da citação.

Sucumbente em parte, deverão as rés arcar com 80% das custas pro rata e honorários do patrono da parte autora, os quais fixo, de forma conjunta, em 10% do valor dado à causa, montante a ser atualizado pelo IGP-M a partir do ajuizamento da ação até o efetivo pagamento, resultado a ser acrescido de juros de mora de 12% ao ano, a contar do trânsito em julgado, considerando a natureza da causa e o trabalho desenvolvido, forte no artigo 85, § 2º do CPC.

Já a parte autora deverá suportar com 20% das custas processuais e honorários do patrono das rés que fixo, de forma conjunta, em 2,5% da mesma base de cálculo acima mencionada, montante a ser acrescido de correção monetária e juros de mora pelos índices e marcos declinados no parágrafo anterior, atento a mesma diretriz de fato e de direito, com aplicação do art.85, § 2º e § 8º, ambos do CPC, ponderado, apenas, o grau de decaimento sofrido.

Litigando a demandante sob o manto do benefício da AJG, suspendo a condenação acima lhe imposta a título de encargos sucumbenciais, salvo comprovada modificação da sua condição de fortuna na forma e no prazo contidos no art.98, § 3º, do CPC.

Publique-se. Registre-se.Intimem-se.

Em suas razões de apelo (evento 101, APELAÇÃO1), as recorrentes alegam preliminar de ilegitimidade passiva da EDUCREDI para compor a lide. Disse que a cooperativa atua na defesa dos interesses dos servidores públicos e um dos serviços que disponibiliza é a intermediação de contratos de empréstimo pessoal com instituições financeiras conveniadas, incumbindo à EDUCREDI unicamente a efetivação do desconto em folha de pagamento do servidor e repasse à instituição financeira contratada. No mérito, afirma que as instituições financeiras podem pactuar as taxas de juros livremente desde que observadas as peculiaridades de cada caso. Argumenta que a taxa média do Bacen não contempla situações específicas das instituições financeiras, sobretudo as relacionadas a empréstimo consignado para servidores públicos estaduais. Discorre acerca da ordem de prioridade dos descontos, numeração sequencial dos canais de consignação, e detenção da folha de pagamento dos servidores pelo Banrisul. Disserta sobre as taxas do Bacen como parâmetro para aferição de eventual abusividade, aduzindo que sua aplicação ofende os princípios constitucionais da livre concorrência e da igualdade material. Pugna pelo provimento do recurso, ao efeito de julgar improcedentes os pedidos iniciais, ou, como pleito subsidiário, sejam os juros fixados com uma margem de uma vez e meia. Ainda, requer que a condenação ao pagamento de honorários advocatícios recaia sobre o proveito econômico.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 107, CONTRAZ1).

Subiram os autos a esta Corte para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Recebo o recurso porque presentes os requisitos de admissibilidade.

Cuida-se de ação revisional na qual a autora narrou ter firmado contratos de empréstimos pessoais com a parte ré e que os encargos contratuais são abusivos. Postulou a limitação das taxas de juros, a descaracterização da mora, e a restituição do indébito na forma dobrada.

Sobreveio sentença de parcial procedência.

Inconformadas, as partes demandadas apelam.

Passo a análise do recurso.

Da preliminar de ilegitimidade passiva da ré EDUCREDI

Pretendem as recorrentes, em preliminar de apelo, o reconhecimento da ilegitimidade passiva da ré EDUCREDI, que adianto, vai rejeitada.

A cooperativa ou associação que opera como intermediadora da relação contratual celebrada entre o consumidor/associado e a instituição financeira é parte legítima para figurar no polo passivo da ação revisional que visa, além da redução dos encargos no período de normalidade, a limitação dos descontos em folha de pagamento, como é o caso dos autos.

Logo, tenho por afastar a prefacial de ilegitimidade.

Da possibilidade de revisão contratual

De início, consigno que não há óbice à revisão das cláusulas pactuadas em contratos bancários, sendo possível a relativização do princípio do pacta sunt servanda, quando constatada abusividade.

Inclusive, esse é o entendimento da Suprema Corte mesmo em casos de contratos já extintos.

Nesse sentido:

RECURSO ESPECIAL. REVISÃO DE CONTRATOS DE MÚTUOS BANCÁRIOS CONSOLIDADOS EM ESCRITURA DE CONFISSÃO DE DÍVIDA E DAÇÃO EM PAGAMENTO. POSSIBILIDADE. SÚMULA 286/STJ. OMISSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO LEGAL VIOLADO. SÚMULA 284/STF. AUDIÊNCIA PARA OITIVA DE PERITO. NÃO REALIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE DÚVIDAS A ESCLARECER. INUTILIDADE NA HIPÓTESE. DETERMINAÇÃO DE NOVA PERÍCIA. AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICABILIDADE. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. SÚMULA 7/STJ. UTILIZAÇÃO DA TAXA REFERENCIAL - TR. POSSIBILIDADE. SÚMULA 295/STJ. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

(...)

6. No pertinente à revisão das cláusulas contratuais, a legislação consumerista, aplicável à espécie, permite a manifestação acerca da existência de eventuais cláusulas abusivas, o que acaba por relativizar o princípio do pacta sunt servanda. Assim, reiterada a jurisprudência desta Corte quanto à possibilidade de revisão dos contratos firmados com a instituição financeira desde a origem, de modo que a renegociação de mútuo bancário ou a confissão de dívida não seria óbice à discussão acerca de eventuais ilegalidades, nos termos da Súmula nº 286 deste Superior Tribunal de Justiça.

(...)

9. Recurso especial parcialmente provido.

(REsp 1114049/PE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 07/04/2011, DJe 29/04/2011)

Portanto, a pretensão revisional de contrato bancário, quando se busca o reconhecimento de abusividades em suas cláusulas, não ofende o princípio da boa-fé objetiva.

Dos juros remuneratórios

É sabido que não há óbice à fixação de juros superiores a 12% ao ano. Afinal, trata-se de pactuação envolvendo instituição financeira, a qual se submete à Lei nº 4.595/64 e não ao Decreto nº 22.626/33 . Ademais, “a estipulação de taxa de juros superior a 12% ao ano, por si só, não indica a abusividade” (Súmula nº 382/STJ).

A revisão das taxas de juros remuneratórios é cabível apenas excepcionalmente, “desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto”. (REsp 1.061.530/RS, julgado pelo rito dos recursos repetitivos).

A constatação de eventual abusividade dos juros remuneratórios apenas ocorre, conforme orientação do Superior Tribunal de Justiça, em caso de fixação em percentual que exceda de forma substancial a taxa média de mercado, conforme tabela divulgada pelo Banco Central. Ressalto que a taxa média de mercado, portanto, serve de parâmetro para se avaliar se há ou não abusividade, o que dependerá da análise do caso concreto.

Nesse sentido:

“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. PETIÇÃO DE RECONVENÇÃO. POSSIBILIDADE. JUROS REMUNERATÓRIOS. AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE. VALORES DEVIDOS. RESTITUIÇÃO INDEVIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. É cabível a apresentação de reconvenção à ação de busca e apreensão decorrente de alienação fiduciária, com a finalidade de se pleitear a revisão do contrato, bem como a devolução de quantias pagas a maior. Precedente. 2. Quanto aos juros remuneratórios, as instituições financeiras não se sujeitam aos limites impostos pela Lei de Usura (Decreto 22.626/1933), em consonância com a Súmula 596/STF, sendo inaplicáveis, também, os arts. 406 e 591 do CC/2002. Além disso, a simples...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT