Acórdão nº 50117586320198210033 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Cível, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Número do processo50117586320198210033
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001713495
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5011758-63.2019.8.21.0033/RS

TIPO DE AÇÃO: Consulta

RELATOR: Desembargador JOAO BARCELOS DE SOUZA JUNIOR

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de remessa necessária e recurso de apelação interposto contra sentença de procedência dos pedidos apresentados pelo Ministério Público, em favor de Victor Gabriel Martins da Rosa, nos autos da ação civil pública ajuizada contra o Estado do Rio Grande do Sul e o Município de São Leopoldo. O dispositivo da sentença restou assim redigido (evento nº 03 dos autos de origem - PROCJUDIC5 - fls. 14-18):

[...]

Isso posto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados para confirmar a liminar que determinou ao Município de São Leopoldo e ao Estado do Rio Grande do Sul que procedessem a transferência de Victor Gabriel Martins da Rosa para Hospital de referência de Porto Alegre, preferencialmente no Hospital de Clínicas, onde já recebia atendimentos, para que fosse avaliado por médico neurocirurgião pediátrico e realizado o tratamento por ele indicado, incluindo cirurgias, exames, medicamentos e avaliações por outros especialistas, sob pena de bloqueio.

Sem custas, forte no §2º do artigo 141 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Deixo de fixar honorários sucumbenciais por ter sido a ação ajuizada pelo Ministério Público.

[....]

Em suas razões de recorrer (evento nº 03 dos autos de origem - PROCJUDIC5 - fls. 21-23) a parte apelante sustentou, resumidamente, que deve ser anulada a sentença, vez que constou condenação incerta e genérica. Disse que tal tipo de decisão judicial impossibilita o exercício do contraditório. Citou jurisprudência. Concluiu requerendo o provimento do apelo a fim de que seja anulada a sentença.

Com contrarrazões (evento nº 03 dos autos de origem - PROCJUDIC5 - fls. 25-29). O Ministério Público exarou parecer opinando no sentido de ser negado provimento ao recurso de apelação (evento nº 13).

Tempestivo (evento nº 03 dos autos de origem - PROCJUDIC5 - fls. 20-21), sem preparo em razão de isenção legal, vieram os autos conclusos.

Registro que foi observado o disposto nos arts. 931 e 934 do CPC, tendo em vista adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTO

Inicialmente verifico que Ministério Público ajuizou em 26/06/2019, em favor de Victor Gabriel Martins da Rosa, ação civil pública contra o Estado do Rio Grande do Sul e o Município de São Leopoldo a fim de compelir os réus a efetuarem a transferência do representado para hospital de referência para tratamento da doenças que este está acometido (evento nº 03 dos autos de origem - PROCJUDIC1 - fls. 01-08).

Em suas razões o Ministério Público sustentou que o menor Victor Gabriel Martins da Rosa está acometido de hidrocefalia, com derivação ventrículo-peritoneal, com quadro atual de broncopneumonia, asma, hipertensão arterial sistêmica, crises convulsivas, edema genital e de extremidades e provável nefrite do Shunt. Disse que o representado está internado na Polipediatria do Hospital Centenário, necessitando ser transferido com urgência para hospital de referência, fins de obter o tratamento necessários para tais enfermidades. Indicou que a transferência deve se dar, preferencialmente, para o Hospital de Clínicas, em razão de o referido menor já ter sido tratado naquele local. Defendeu ser obrigação dos réus fornecer o tratamento pleiteado, por força do disposto nos artigos 5º, §1º, 6º, 23, II e 196, da CF e art. 11 do ECA.

Pleiteou o Ministério Público a concessão de tutela de urgência no sentido de ser determinado aos réus que providenciem na imediata transferência do representado para hospital de referência, preferencialmente o Hospital de Clínicas, fins de lá seja avaliado por médico neurocirurgião pediátrico e seja realizado o tratamento por este indicado, que poderá incluir cirurgias, exames, medicamentos, avaliações com outros especialistas, sobe pena de bloqueio. Concluiu requerendo a procedência dos pedidos nos seguintes termos:

[...]

d) ao final, a procedência dos pedidos iniciais, ao efeito de condenar os demandados à obrigação de fazer, consistente em providenciar a transferência do menino para Hospital de referência da Capital, preferencialmente o Hospital de Clínicas (onde ele já recebe atendimentos), fins de que seja avaliado por médico neurocirurgião pediátrico e realizado o tratamento por ele indicado, que pode incluir exames, medicamentos, avaliações com outros especialistas, eventuais internações cirúrgicas e, neste caso, o tratamento pré e pós-operatório para o infante Victor Gabriel Martins da Rosa, até a plena recuperação de sua saúde.

[...]

O pedido de concessão de tutela de urgência foi deferido (evento nº 03 dos autos de origem - PROCJUDIC2 - 04-07).

Os réus apresentaram contestação (evento nº 03 dos autos de origem - PROCJUDIC2 - 14-28, PROCJUDIC3 - fls. 47-50 e PROCJUDIC4 - fls. 01-07).

Posteriormente, em 18/03/2021 foi exarada a decisão hostilizada (evento nº 03 dos autos de origem - PROCJUDIC5 - fls. 14-18).

Dito isto, observo que o médico pediatra que trata Gabriel no Hospital Centenário atestou que este é portador de hidrocefalia com derivação ventrículo-peritoneal, broncopneumonia, asma, hipertensão arterial sistêmica, crises convulsivas e provável nefrite do shunt. Disse que o quadro clínico do referido menor é complexo, necessitando ser transferido com urgência para hospital de referência em Porto Alegre (evento nº 03 dos autos de origem - PROCJUDIC1 - fl. 18).

Ainda foi juntado atestado médico indicando que o Hospital Centenário não dispõe de mais recursos para o tratamento de Gabriel (evento nº 03 dos autos de origem - PROCJUDIC1 - fl. 18).

Desnecessário se prolongar sobre a legitimidade passiva dos réus, vez que o Supremo Tribunal Federal, em julgamento de recurso que foi reconhecida repercussão geral, reafirmou seu entendimento no sentido de que a responsabilidade dos entes federados, nos casos envolvendo fornecimento de tratamento médico aos necessitados, é solidária (Tema nº 793):

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente.

(RE 855178 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 05/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-050 DIVULG 13-03-2015 PUBLIC 16-03-2015 )

[grifei]

Referido entendimento está em consonância com os artigos , 23, II, 196 e 203, IV, todos da Constituição Federal e artigo 241 da Constituição Estadual. Assim, argumentos como ausência de previsão orçamentária, necessidade de observância à forma de organização do SUS ou ausência do nome de fármacos em lista de medicamentos não prevalecem frente à ordem constitucionalmente estatuída de priorização da vida, saúde e dignidade.

Não se está aqui a contrariar os princípios da separação dos Poderes, da reserva do possível, da igualdade, da isonomia e da universalidade, vez que se está apenas reconhecendo direitos fundamentais constitucionalmente assegurados a todo cidadão, como é o caso do direito à vida, à saúde e à dignidade (artigos 1º, III, , caput e 6º, da Constituição Federal).

...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT