Acórdão nº 50118746320228210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50118746320228210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002194081
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5011874-63.2022.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador ALTAIR DE LEMOS JÚNIOR

APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU)

APELADO: IZABEL COSTA FIALHO (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por BANCO BMG S.A da sentença que julgou procedente a ação de obrigação de fazer com pedido de antecipação de tutela movida por IZABEL COSTA FIALHO

Eis o relatório da sentença (Evento 19):

IZABEL COSTA FIALHO ajuizou a presente Ação de Obrigação de Fazer em face de BANCO BMG S.A., alegando, em suma, que contratou com o réu um empréstimo consignado, todavia, descobriu que o empréstimo vinha descontado sob a rubrica Empréstimo sobre a RMC. Sustentou que os juros praticados na modalidade de RMC (cartão) são superiores aos juros praticados no empréstimo consignado normal, o que gera maior lucro ao réu. Referiu que jamais recebeu, desbloqueou e/ou utilizou o suposto cartão de crédito, o que afasta por completo qualquer possibilidade de eventual alegação de contratação e uso do mesmo. Postulou, em tutela provisória de urgência, que o réu se abstenha de efetuar descontos sobre a rubrica de empréstimo sobre a RMC, sob pena de multa diária. Requereu a procedência com: a) a readequação/conversão do “empréstimo” via cartão de crédito consignado (RMC) para empréstimo consignado, sendo os valores já pagos a título de RMC utilizados para amortizar o saldo devedor; b) a condenação do réu a repetição, em dobro, dos valores pagos a maior, corrigidos, a ser apurado em fase de liquidação de sentença. Acostou documentos.

Deferida a tutela provisória de urgência (Evento 3).

Citada a parte demandada apresentou contestação (Evento 13 - Contestação 1), arguiu a prescrição quinquenal. No mais, disse que a autora firmou junto ao Banco Réu (i) cartão de crédito nº 5259 XXXX XXXX 7011, vinculado à (ii) matrícula 1617758571. Ainda, referido negócio possui o código de adesão (ADE) nº 53921743, que originou o (iv) código de reserva de margem (RMC) nº 14612430, junto ao benefício previdenciário nº 1617758571. Afirmou que o cartão de crédito pode ser cancelado por mera comunicação ao banco ou através do portal consumidor.gov, não estando tal ato condicionado ao pagamento do saldo devedor em aberto, vez que não se confunde com a liquidação plena da dívida. Insurgiu-se contra o pedido de repetição do indébito. Discorreu acerca da ausência de dano moral. Requereu o reconhecimento da prescrição ou a improcedência. Juntou documentos.

Houve réplica (Evento 16).

Vieram os autos conclusos para sentença.

É O RELATO.

Assim constou no dispositivo:

Isso posto, nos termos do art. 487, I do CPC, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados nos autos da Ação de Obrigação de Fazer ajuizada por IZABEL COSTA FIALHO em desfavor de BANCO BMG S.A. para o fim de:

a) determinar que os valores contratados a título de empréstimo pela modalidade de cartão de crédito consignado (RMC) pela autora (Evento 13 Contrato 2) sejam convertidos para empréstimo pessoal consignado para aposentados e pensionistas do INSS.

b) determinar o recálculo de todo valor já pago/descontado em decorrência da inserção do valor do empréstimo, como utilização do cartão, seja compensado do valor que ela ainda deve, inclusive, descontando os juros cobrados em razão do pagamento de fatura mínima devem ser excluídos. Ainda, o valor a ser pago mensalmente deverá ser calculado respeitando a margem de empréstimo consignável que a demandante disponha.

c) determinar a apuração dos valores devidos, devendo a compensação ser feita através dos pagamentos já efetuados caso exista saldo devedor, bem como deve ocorrer a repetição do indébito, em dobro, dos valores cobrados a título de reserva de margem consignável (RMC), pois não caracterizado engano justificável para a ocorrência dessa cobrança indevida (art. 42, parágrafo único, in fine, do CDC). Sobre o saldo a ser restituído, deverão incidir correção monetária pelo IGP-M a partir do vencimento da parcela paga e juros legais desde a citação.

Condeno o réu ao pagamento das custas e honorários advocatícios ao procurador da parte autora os quais fixo em R$ 1.800,00 (art. 85, § 8º do CPC).

Em suas razões recursais, em síntese, a parte ré apontou, preliminarmente, configuração de ações predatórias pelos patronos do autor, postulando pela condenação por litigância de má-fé, bem como pela extinção do feito sem resolução de mérito. Relatou prescrição trienal, pugnando pela extinção do feito com resolução de mérito. No mérito, sustentou a legalidade da contratação, requerendo a manutenção do pacto. Alegou impossibilidade de conversão de modalidade contratual. Subsidiariamente, postulou pela repetição simples de indébito. Pugnou pela inversão dos honorários sucumbenciais (Evento 26).

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 30).

Cumpridas as formalidades do artigo 931 e 934 do CPC.

É o relatório.

VOTO

ADMISSIBILIDADE

Apresentada dentro do prazo recursal previsto no artigo 1.003, § 5°, do CPC, bem como comprovado o seu preparo (Evento 26 - Anexo 3), presentes, portanto, os pressupostos de admissibilidade, recebo a apelação no duplo efeito.

PRELIMINARES

ADVOCACIA PREDATÓRIA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. NÃO CONFIGURADO.

A ocorrência de ajuizamento de diversas ações de obrigações de fazer supostamente descabidas, por si só, não é capaz de configurar a advocacia predatória e tampouco a condenação ao pagamento de multa por litigância de má-fé, uma vez não preenchidas as hipóteses previstas no artigo 80 do CPC.

Desse modo, vai rejeitada a preliminar suscitada.

PRESCRIÇÃO TRIENAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO.

Anteriormente, o entendimento desta Câmara - e também manifestado nos processos de minha Relatoria - era no sentido de reconhecer a nulidade e converter o negócio jurídico firmado entre as partes em empréstimo pessoal consignado, atraindo, assim, a aplicação das disposições do artigo 206, §3º, inc. IV, do Código Civil.

No entanto, com a evolução jurisprudencial e revisto o entendimento mencionado, passou-se a entender pela nulidade absoluta do ato, ante a existência de erro, com o retorno das partes ao status quo ante.

Nesse norte, ante a nulidade do ato por vício do negócio jurídico, impositiva a observância do disposto no artigo 169 do Código Civil que consagrou o princípio da imprescritibilidade dos negócios jurídicos nulos ao prever que: "O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo".

Logo, a ação para reconhecer a nulidade de um ato é imprescritível, notadamente quando se está, como na hipótese dos autos, no plano da eficácia do negócio jurídico não se sujeitando, portanto, à prescrição.

Nesse sentido, o entendimento do STJ:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL DE ASCENDENTE A DESCENDENTE POR INTEOSTA PESSOA. SIMULAÇÃO. REEXAME DE PROVAS. NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. DECADÊNCIA. INEXISTÊNCIA. ATO NULO INSUSCETÍVEL DE CONVALIDAÇÃO PELO DECURSO DO TEMPO. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.

1. O Tribunal de origem, com fundamento na prova documental trazida aos autos, concluiu pela existência de simulação de negócio jurídico relativo ao contrato de compra e venda de imóvel de ascendente a descendente por interposta pessoa. A modificação do entendimento lançado no v. acórdão recorrido demandaria o revolvimento de suporte fático-probatório dos autos, o que é inviável em sede de recurso especial, a teor do que dispõe a Súmula 7 deste Pretório.

2. O negócio jurídico nulo por simulação não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo e, portanto, não se submete aos prazos prescricionais, nos termos dos arts. 167 e 169 do Código Civil de 2002.

3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1702805/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 03/03/2020, DJe 25/03/2020)

Sob outra ótica, considerando que o contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) em questão prevê o pagamento consignado de prestações mensais de trato sucessivo permanente, de curso infinito, tanto que sequer explicita o número de parcelas do contrato ou limite de saques, sequer poder-se-ia cogitar de termo inicial da fluência do prazo prescricional posto que a situação se prolonga no tempo, o que também afastaria o reconhecimento da prescrição.

A jurisprudência desta Corte, inclusive, assim tem decidido:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DESCONTOS SOBRE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO A TÍTULO DE “RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL – RMS”, DECORRENTES DA CONTRATAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. ALEGAÇÃO DE DESCONHECIMENTO DA ADESÃO AO PRODUTO. PEDIDO SUBSIDIÁRIO DE CONVERSÃO DA AVENÇA EM CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO “COMUM”. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. Prescrição da pretensão autoral não operada. Descontos mensais e sucessivos a títuto de “RMC” incidentes ao tempo de propositura da demanda. Precedente jurisprudencial. A prova documental inserta nos autos (contrato, autorização para consignação dos descontos em folha de pagamento, cédula de crédito vinculada à avença) confirma de maneira inequívoca a adesão ao cartão de crédito consignado. Contudo, ausente prova nos autos da entrega do cartão à consumidora e de sua efetiva utilização pela mesma, cumpre descaracterizar a avença na forma como originalmente estabelecida. Possibilidade, entretanto, à luz do art. 170, do Código Civil, que a avença subsista como um contrato de empréstimo consignado “comum” ou “padrão”, devendo ser o pacto readequado para esta espécie de operação financeira, com apuração do saldo devedor em sede de liquidação de sentença. Dano moral...

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