Acórdão nº 50118829220228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 07-04-2022

Data de Julgamento07 Abril 2022
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualCorreição Parcial
Número do processo50118829220228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001751011
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Correição Parcial Nº 5011882-92.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATOR: Desembargador JULIO CESAR FINGER

CORRIGENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

CORRIGIDO: JUÍZO DA 4ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE CAXIAS DO SUL

RELATÓRIO

Trata-se de correição parcial interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, contra decisão proferida pela Juíza de Direito da 4ª Vara Criminal do Foro da Comarca de Caxias do Sul, que deferiu pedido defensivo de juntada extemporânea de rol de testemunhas.

Sustenta que o momento processual para apresentação do rol testemunhal pela defesa é na resposta à acusação, sob pena de preclusão. Assevera que a Magistrada Singular incorreu em error in procedendo e causou inversão tumultuária dos atos e termos legais. Aduz que a Defesa Pública não pode usar em prol do réu a própria desídia, incumbindo à Defensoria Pública buscar o assistido onde se encontre, tal como é exigido do advogado privado. Discorre sobre a ampliação de prazo promovida pela Lei 11.719/08 para a apresentação de resposta à acusação, justamente para possibilitar a ampla defesa. Refere que a instituição da Defensoria Pública possui orçamento próprio, acesso às Consultas Integradas, material e pessoal para cumprir seu ministério. Refere ser o processo dialético, inexistindo espaço para tratar de forma diferente as partes, sob pena de ferir o princípio da isonomia. Sendo assim, postula a cassação da decisão que deferiu o pedido de apresentação extemporânea do rol de testemunhas e provocou inversão tumultuária dos atos e termos legais (evento 1, INIC1).

As informações foram dispensadas.

A Procuradoria de Justiça lançou parecer, opinando pelo indeferimento da correição (evento 8, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

O recurso preencheu os requisitos para a admissibilidade, pelo que vai conhecido.

Em síntese, pretende o postulante que seja cassada a decisão da origem que deferiu a apresentação de testemunhas pela Defensoria Pública fora do prazo legal, entendendo a ocorrência de preclusão. Com razão.

O Ministério Público ofereceu denúncia contra Ademir Marques da Silva, dando-o como incurso nas sanções do artigo 16, § 1º, IV, da Lei nº 10.826/03.

A denúncia foi recebida em 13/10/2021.

O acusado foi citado em 22/10/2021, oportunidade em que declarou possuir defensor constituído, o qual, contudo, não veio ao processo, de modo que foi nomeada a Defensoria Pública para atuar em favor do réu (evento 23, DESPADEC1).

Em 29/11/2021, sobreveio resposta à acusação, ocasião em que a defesa protestou pela juntada posterior do rol de testemunhas, requerendo "a produção de todos os meios de prova em direito admitidas, em especial a oitiva das testemunhas, em atenção ao princípio da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, com a possibilidade de arrolar as testemunhas posteriormente".

Em 25/01/2022, foi mantido o recebimento da denúncia e deferido à defesa a apresentação extemporânea do rol de testemunhas, como segue:

"Vistos.

Trata-se de resposta à acusação apresentada pela Defensoria Pública em favor do acusado ADEMIR MARQUES DA SILVA. Na peça defensiva, requereu-se rejeitada da denúncia, com base no art. 395, do CPP, e, alternativamente, a absolvição sumária, com base no art. 397, do CPP. Também foi questionado acerca do oferecimento do ANPP.

O MP manifestou-se justificando o não oferecimento do aludido acordo.

Com isso, passo à análise da defesa apresentada.

Ocorre que não há na resposta oferecida, qualquer elemento capaz de sobrestar o andamento da presente ação penal.

Não merece prosperar a alegação de ausência de justa causa para recebimento da ação penal, pois, ao menos por hora, existem indícios suficientes de autoria e materialidade para o prosseguimento da presente ação.

Outrossim, somente é admissível a rejeição da denúncia nos casos em que a inviabilidade da ação penal resulta percebível de plano, de tal forma que impeça o exercício da ampla defesa, o que não ocorre na presente situação.

A absolvição sumária é medida excepcional e tem lugar somente quando houver prova segura, incontroversa, límpida, cumpridamente demonstrada e escoimada de qualquer dúvida. Sem juízo de/certeza e com resquício de dúvida quanto a prática dos delitos, não há falar em absolvição sumária.

Assim, dou por válido o processo para prosseguir.

Defiro o pedido da defesa para apresentar o rol de testemunhas em momento imediatamente posterior ao primeiro contato pessoal do Defensor Público com o réu assistido (inclusive em audiência), em homenagem ao princípio da mais ampla defesa, sob pena de preclusão, limitado ao número de oito testemunhas, eis que já arroladas as testemunhas do Ministério Público como suas.

Por fim, considerando a recente entrada da Juíza Titular nesta Vara, bem como a grande quantidade de processos que já estavam aguardando-a para designação de audiência de instrução e julgamento, a fim de respeitar a ordem de espera dos feitos, permaneçam os autos em cartório até que haja pauta para aprazar tal ato.

Dil. Legais."

A decisão comporta reforma.

Segundo dispõe o art. 396-A, do CPP, o momento para o arrolamento das testemunhas, por parte da defesa, é na resposta à acusação. Segundo refere o STF, “não há vinculação temporal à propositura da prova, mas sim associação a um momento processual. Daí que a aludida atuação sujeita-se, na realidade, à preclusão consumativa.” (STF, HC 131158/RS, Rel. Ministro Edson Fachin, Primeira Turma, Julgamento em 26/04/2016).

Em julgado mais recente, o posicionamento foi reafirmado pela Primeira Turma:

EMENTA: Penal e processual penal. Agravo regimental em habeas corpus. Violência doméstica. Lesão corporal grave. Rol de testemunhas da defesa. intempestividade. Jurisprudência do Supremo tribunal federal. 1. Não há ilegalidade flagrante ou abuso de poder no acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, pois está alinhado com o entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que cabe à defesa arrolar, na resposta à acusação, as testemunhas que pretende ouvir, surgindo inoportuno fazê-lo em momento posterior – artigo 396-A do Código de Processo Penal. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(HC 199537 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 17/08/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-168 DIVULG 23-08-2021 PUBLIC 24-08-2021)

A posição é pacífica também no STJ:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS COUS. ROUBO SIMPLES. CERCEAMENTO DE DEFESA PELO INDEFERIMENTO DO PEDIDO EXTEMPORÂNEO DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA. ILEGALIDADE NÃO VERIFICADA. PRECLUSÃO. PRESCINDIBILIDADE DA TESTEMUNHA ATESTADA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. REEEXAME DE FATOS. INVIABILIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que o rol de testemunhas deve ser apresentado pela defesa na resposta à acusação, sob pena de preclusão, nos termos do art. 396-A do Código de Processo Penal. Assim, não se verifica cerceamento de defesa em virtude do indeferimento do pedido extemporâneo de testemunha, apresentado após a defesa prévia. Precedentes.
2. Se as instâncias ordinárias asseveram a prescindibilidade da testemunha para o processo, em nada alterando a condenação do réu pelo crime de roubo, para uma melhor aferição acerca da concreta indispensabilidade da prova requerida seria necessário uma profunda incursão em todo o acervo fático-probatório dos autos, providência incompatível com a via eleita. Precedente.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC 631.196/MS, Rel.
Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 10/08/2021, DJe 17/08/2021)(sem grifos no original).

Registro, por oportuno, que seria possível a apresentação extemporânea, desde que demonstrada situação excepcional que justificasse a flexibilização da norma1, o que não se verifica nos autos.

Por ocasião da resposta à acusação, a Defensoria Pública sequer justificou a necessidade de apresentação do rol posterior, apenas efetuando pedido genérico nesse sentido, como antes transcrito.

Na hipótese, o réu responde solto ao processo, possui endereço conhecido, tanto que pessoalmente citado, e a Defensoria Pública apresentou a resposta à acusação antes mesmo de ter início o prazo de 20 dias, sem qualquer notícia de tentativa de contatar o assistido ou seus familiares.

Não tendo sido demonstrado, assim, motivo excepcional a levar ao deferimento extemporâneo de apresentação do rol de testemunhas, senão pelo fato de ser o réu assistido pela Defensoria Pública, a decisão causou inversão tumultuária do processo.

Pelo exposto, voto por julgar procedente a correição parcial, ao fim de revogar parcialmente a decisão impugnada, apenas no que se refere ao deferimento de prazo adicional para recebimento do rol de testemunhas da defesa, de forma extemporânea.



Documento assinado eletronicamente por JULIO CESAR FINGER, Desembargador Relator, em 14/4/2022, às 13:22:19, conforme art. 1º, III, "b", da Lei 11.419/2006. A autenticidade do documento pode ser conferida no site https://eproc2g.tjrs.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, informando o código verificador 20001751011v5 e o código CRC bdaf53ce.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): JULIO CESAR FINGER
Data e Hora: 14/4/2022, às 13:22:19


1. CORREIÇÃO PARCIAL. ROL DE TESTEMUNHAS. APRESENTAÇÃO EXTEMPORÂNEA DO ROL.INVERSÃO TUMULTUÁRIA. Apesar da possibilidade de juntada de rol...

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