Acórdão nº 50119595720208210021 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50119595720208210021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002231684
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5011959-57.2020.8.21.0021/RS

TIPO DE AÇÃO: Cartão de Crédito

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: JOSE CARLOS FERST (AUTOR)

APELADO: ITAU UNIBANCO S.A. (RÉU)

APELADO: MAGAZINE LUIZA S/A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por JOSE CARLOS FERST em face da sentença prolatada nos autos da ação declaratória de inexistência de débito com pedidos de restituição em dobro e indenização por danos morais em que contende com MAGAZINE LUIZA S.A e BANCO ITAÚ UNIBANCO S.A. Constou na sentença apelada (Evento 58):

“[...]. Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido deduzido por JOSE CARLOS FERST em face de MAGAZINE LUIZA S.A E BANCO ITAÚ UNIBANCO S.A, condenando a parte autora a pagar as custas processuais na íntegra e pagar os honorários aos advogados dos réus, que estabeleço em R$ 1.000,00 para os advogados de cada uma das partes. Suspensa a exigibilidade em razão da AJG deferida.

Publique-se.

Intimem-se

Em suas razões recursais, a parte apelante postula a reforma da sentença, ao argumento de que, em setembro de 2020, ao realizar a compra de uma máquina de lavar roupas constatou a duplicidade da despesa na fatura com vencimento no mês de outubro. Salienta terem sido indevidamente lançadas duas parcelas na fatura do seu plástico, no valor de R$ 152,90 cada. Destaca ter contatado a parte ré para sanar o problema administrativamente, oportunidade na qual afirma ter sido informado de que o próprio sistema cancelaria as compras duplicadas. Refere que, em novembro de 2020, embora tenha sido estornado o valor atinente a uma das máquinas, a quantia de R$ 1529,00, também foi descontada mais uma parcela indevida na quantia de R$ 152,90. Pondera que, quando do ajuizamento da ação, em 06/11/2020, havia sido estornado o valor integral de apenas uma das mercadorias. Defende que o dano se caracteriza pelo fato de que teve de arcar com o pagamento de três prestações indevidas. Postula a repetição em dobro dos valores indevidamente descontados da sua fatura, inobstante tenham sido restituídos na forma simples. Requer seja declarada a inexistência de débito atinente ao valor de uma máquina adquirida de forma incorreta. Pugna pela redistribuição dos ônus sucumbenciais. Pede provimento.

Foram apresentadas contrarrazões nos Eventos 72 e 73. Nessa ocasião (Evento 73), os apelados Itaú Unibanco S.A. e Luizacred S.A. arguiram, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, dado que atuaram no negócio jurídico como mero meio de pagamento, não fazendo parte da cadeira de consumo.

É o relatório.

VOTO

A presente apelação interposta no Evento 67 é tempestiva, pois o prazo para recorrer da sentença iniciou em 25/01/2022 e findou em 14/02/2022 (Evento 60), sendo que o recurso foi interposto no dia 14/02/2022 (Evento 67). Além disso, a parte apelante é beneficiária da justiça gratuita, sendo dispensada do recolhimento do preparo (Evento 3). Dessa forma, considerando que é própria, tempestiva e dispensa preparo, recebo a apelação, a qual passo a examinar.

1. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO. INOCORRÊNCIA.

A parte apelada, nas razões de apelo, defende, preliminarmente, a ilegitimidade passiva da administradora do cartão de crédito, referindo que atua como mero meio de pagamento.

Sem razão, entretanto.

Tratando-se de relação de consumo, todos os que integram a cadeia de fornecedores do serviço de cartão de crédito respondem solidariamente em caso de fato ou vício do serviço. Desse modo, a administradora do cartão de crédito, o banco emissor e os estabelecimentos comerciais caracterizam-se como fornecedores, respondendo objetivamente, nos termos do art. 14 do CDC, porquanto todos fazem parte da cadeia de consumo.

Trata-se de risco da operação.

Desse modo, tratando-se de relação de consumo, todos os que fazem parte da cadeia respondem solidária e objetivamente pelos danos causados aos consumidores na prestação dos serviços, nos termos do que estabelece o parágrafo único do artigo 7º do Código de Defesa do Consumidor1.

Nesse sentido, destaco jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL.
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA.
'BANDEIRA'/MARCA DO CARTÃO DE CRÉDITO.
EMPRESA ADMINISTRADORA DO CARTÃO DE CRÉDITO E INSTITUIÇÃO BANCÁRIA.

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA.
LEGITIMIDADE PASSIVA. OCORRÊNCIA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. É assente a jurisprudência do STJ reconhecendo a responsabilidade solidária entre a instituição financeira e a empresa detentora da bandeira/marca do cartão de crédito pelos danos advindos da cadeia de serviços prestados.
Precedentes.
2. Agravo interno não provido.
(AgInt no REsp 1663305/MG, Rel.
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 03/08/2017, DJe 09/08/2017) (grifei)

Na mesma linha, é o entendimento desta Câmara, conforme os seguintes arestos:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. CONTRATOS DE CARTÃO DE CRÉDITO. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA. TRATANDO-SE DE RELAÇÃO CONSUMERISTA, TODOS OS QUE INTEGRAM A CADEIA DE FORNECEDORES DO SERVIÇO DE CARTÃO DE CRÉDITO RESPONDEM SOLIDARIAMENTE PELA REPARAÇÃO DOS DANOS PREVISTOS NAS NORMAS DE CONSUMO. AFASTADA A ILEGITIMIDADE PASSIVA DO HIPERCARD BANCO MÚLTIPLO S/A E BANCO ITAÚ S/A, RECONHECIDA NA SENTENÇA. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. TRATA-SE, IN CASU, DE RESPONSABILIDADE CONTRATUAL OBJETIVA, NOS TERMOS DO ART. 14 DO CDC, RESPONDENDO A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA INDEPENDENTEMENTE DE CULPA, PELA REPARAÇÃO DOS DANOS CAUSADOS A SEUS CLIENTES POR DEFEITOS/FALHAS DECORRENTES DOS SERVIÇOS QUE LHES PRESTA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. POSSIBILIDADE.EM RESPEITO AO PRINCÍPIO QUE VEDA O ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA, É CABÍVEL A REPETIÇÃO DO INDÉBITO, EM DOBRO, NOS TERMOS DO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. RECENTEMENTE, NO JULGAMENTO DO EARESP 676.608 – RECURSO PARADIGMA – O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA FIRMOU TESE NO SENTIDO DE NÃO SER MAIS NECESSÁRIA A CONFIGURAÇÃO DE MÁ-FÉ PARA QUE SEJA APLICADA A DEVOLUÇÃO DE VALORES EM DOBRO, BASTANDO APENAS A CONFIGURAÇÃO DE CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA, POSIÇÃO DA QUAL PASSO A ADOTAR. ENTRETANTO, NO CASO EM TELA, RESTOU DEMONSTRADA A MÁ-FÉ EM VIRTUDE DAS DIVERSAS COBRANÇAS INDEVIDAS APÓS (E POR MUITO TEMPO) O CANCELAMENTO DO SERVIÇO. ASSIM, ANTE A OBSERVÂNCIA DE MÁ-FÉ NA CONDUTA PRATICADA PELO BANCO RÉU, NA FORMA DO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, OS VALORES INDEVIDAMENTE COBRADOS NO CARTÃO DE CRÉDITO DO AUTOR DEVERÃO SER RESTITUÍDOS EM DOBRO. RECURSO DESPROVIDO NO PONTO. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. EM SENDO CONSTATADO PAGAMENTO A MAIOR, TENDO EM VISTA DA SOLUÇÃO DA LIDE, É CABÍVEL A REPETIÇÃO DO INDEVIDO, DE FORMA SIMPLES. O VALOR DEVIDO DEVE SER CORRIGIDO PELO IGP-M, A CONTAR DO PAGAMENTO A MAIOR, E ACRESCIDO DE JUROS MORATÓRIOS DE 1% AO MÊS A PARTIR DA CITAÇÃO. APELO DESPROVIDO NO PONTO. APELAÇÃO CÍVEL DESPROVIDA, À UNANIMIDADE.(Apelação Cível, Nº 50013948620158210028, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Altair de Lemos Junior, Julgado em: 18-08-2021) (grifei).

APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATOS DE CARTÃO DE CRÉDITO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. LEGITIMIDADE PASSIVA. A administradora do cartão de crédito (Banco Itaucard S/A) tem legitimidade passiva para responder aos termos da demanda, pois faz parte da cadeia de consumo e, portanto, responde solidariamente pela eventual falha no serviço. EXISTÊNCIA DE CONTRATAÇÃO. PLANO ODONTOLÓGICO. Prova documental evidenciando a contratação de plano odontológico, com débito autorizado em cartão de crédito, demonstrando que inexiste abusividade na respectiva cobrança. Assim, não há falar em indenização por danos materiais e morais. PRELIMINAR ACOLHIDA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.(Apelação Cível, Nº 70083216440, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Vescia Corssac, Julgado em: 27-11-2019) (grifei).

É a administradora de cartão de crédito corré, portanto, parceiro da transação comercial realizada pela parte autora, de modo que responde solidariamente pela falha do serviço.

Assim, merece ser desacolhida a preliminar suscitada.

2. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. OCORRÊNCIA.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 3º, § 2º, incluiu expressamente a atividade de natureza bancária, financeira e de crédito no conceito de serviço.

Note-se:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista – grifei.

Nesse contexto, o entendimento atual, tanto na doutrina como na jurisprudência dos Tribunais pátrios, é tranquilo acerca da aplicação do CDC nas operações bancárias, o que restou sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive:

Súmula nº 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

No que diz respeito ao contrato de cartão de crédito, da mesma forma, resta induvidoso que as empresas de cartão de crédito são prestadoras de serviços.

A respeito da normatização dos contratos de cartão de crédito, Sergio Cavalieri...

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