Acórdão nº 50120136220208210008 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 01-03-2023

Data de Julgamento01 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50120136220208210008
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003235190
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5012013-62.2020.8.21.0008/RS

TIPO DE AÇÃO: Reajuste contratual

RELATORA: Desembargadora LUSMARY FATIMA TURELLY DA SILVA

APELANTE: NIRALDO ARAUJO (AUTOR)

APELADO: CENTRAL NACIONAL UNIMED - COOPERATIVA CENTRAL (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por NIRALDO ARAUJO, nos autos desta ação revisional que move em face de CENTRAL NACIONAL UNIMED - COOPERATIVA CENTRAL, contra a sentença (evento 64, SENT1) que julgou improcedentes os pedidos.

Adoto o relatório da r. sentença, que bem narrou o presente caso:

Vistos.

NIRALDO ARAUJO ajuizou ação revisional de contrato em face de CENTRAL NACIONAL UNIMED - COOPERATIVA CENTRAL, ambos qualificados.

Aduziu, em suma, que aderiu ao plano de saúde coletivo empresarial da ré, informando que era beneficiário da manutenção do plano após seu desligamento por ter sido contribuinte do plano por ter contribuído por mais de 10 anos e ser aposentado. Asseverou, porém, que em maio de 2018 recebeu uma fatura com aumento abusivo. Discorreu sobre o direito adquirido e a abusividade dos reajustes. Teceu comentários sobre o princípio da dignidade da pessoa humana. Formulou pedido em sede de tutela de urgência para manter o reajuste apenas dos índices da ANS. Ao final, pugnou pela procedência da ação, confirmando-se a medida liminar pleiteada, e a devolução dos valores pagos a maior. Juntou documentos (Evento 1).

Deferida a GJ (Evento 5).

Citada, a parte ré ofereceu contestação. Explicou que após a alteração do instrumento contratual promovida pela empresa contratante, a forma de cobrança das mensalidades passou a observar a modalidade custo operacional, e por tal razão, a massa de beneficiários inativos passou a ter as mensalidades precificadas e cobradas de acordo com a faixa etária. Defendeu que pelo caráter coletivo da contratação, as negociações e reajustes são livremente pactuadas entre as partes contratantes. Apontou que não há qualquer vedação legal acerca da aplicabilidade das tabelas de faixa etária para formação do preço. Afirmou que realizou tão somente o enquadramento etário do requerente e seu grupo familiar, de acordo com o instrumento contratual e produtos contratados. Vindicou a validade dos reajustes praticados. Ao final, pugnou pela improcedência da ação. Juntou documentos (Evento 12).

Houve réplica (Evento 15).

Reconhecida a inversão do ônus da prova (Evento 27).

A parte ré anexou documentos (Evento 31).

Outros documentos aportaram no Evento 40.

Sobrevieram novas manifestações das partes (Eventos 55 e 61).

Vieram os autos conclusos para sentença.

E o dispositivo sentencial foi exarado nos seguintes termos:

DIANTE DO EXPOSTO, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por NIRALDO ARAUJO em face de CENTRAL NACIONAL UNIMED - COOPERATIVA CENTRAL.

Condeno a parte autora ao pagamento da totalidade das custas e despesas processuais, bem como no pagamento de honorários advocatícios, que arbitro em 10% do valor da causa atualizado, forte no disposto no artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil. Suspendo a exigibilidade em razão a gratuidade da Justiça.

Em suas razões recursais (evento 70, APELAÇÃO1), o autor aduz que estava aposentado à época do seu desligamento da empresa ex-empregadora. Diz que, em maio de 2018, recebeu uma fatura com aumento de 210% na mensalidade do plano de saúde. Defende que os reajustes não são os constantes no contrato e nem tampouco lhe foram explicitadas as regras adequadas e como se deu o reajuste. Refere que os reajustes não tiveram a sua anuência, bem como não obteve acesso aos cálculos e informações sobre o grupo de inativos. Sustenta a onerosidade excessiva dos reajustes aplicados. Sinala que, após a alteração para o grupo de inativos, não se tem ciência dos parâmetros para cálculo dos reajustes. Discorre sobre os critérios previstos para reajustes por mudança de faixa etária, nos termos do Tema 952 do e. STJ. Alude ao princípio da dignidade da pessoa humana. Assevera a desproporção no valor da mensalidade ao aposentado que contribuiu por mais de dez anos e, por isso, teve direito à manutenção do plano de saúde. Requer o provimento do recurso.

Sobrevieram contrarrazões (evento 73, CONTRAZAP1).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

Tendo em vista a adoção do sistema informatizado, os procedimentos previstos nos artigos 931, 932 e 934 do Código de Processo Civil foram simplificados, porém cumpridos na sua integralidade.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso da parte autora é de ser conhecido, porquanto preenchidos os pressupostos de sua admissibilidade, sendo tempestivo e dispensado o recolhimento do preparo em razão da gratuidade de justiça concedida (evento 5, DESPADEC1).

No mérito, em síntese, pretende o autor a revisão dos valores das mensalidades do seu plano de saúde coletivo, contratado pela empresa ex-empregadora. Asseverou que, após o desligamento da empresa, este assinou termo de ciência para manutenção do plano de saúde em razão de ter contribuído ao plano de saúde por mais de dez anos e estar aposentado. Referiu que, em maio de 2018, sofreu reajuste de 210%, que considera abusivo. Postulou seja declarada a abusividade do reajuste com a restituição dos valores pagos a maior.

Por seu turno, a operadora ré aduziu que, após a alteração do instrumento contratual pela empresa contratante, a forma de cobrança das mensalidades passou a observar a modalidade de custo operacional e por tal razão, a massa de beneficiários inativos passou a ter as mensalidades precificadas e cobradas de acordo com a faixa etária. Disse que, a partir de 01/05/2018, o autor foi incluído no novo instrumento pactuado, sendo enquadrado na última faixa etária prevista (59 anos ou mais). Defendeu, em suma, a legalidade dos valores cobrados. Pontuou que, tratando-se de plano coletivo, o indíce de reajuste anual decorre de livre negociação entre os contratantes, não estando adstrito aos índices da ANS. Asseverou que inexiste direito adquirido ao modelo de custeio do plano de saúde. Sinalou que ativos e inativos estão atrelados ao mesmo contrato, divergindo apenas quanto à forma de cobrança.

Sobreveio sentença de improcedência da ação, em face da qual o demandante interpôs recurso de apelação.

Adianto que assiste razão em parte aos autores.

Inicialmente, cumpre referir que não há mais dúvida quanto à aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de seguros e de planos de saúde1. Trata-se de entendimento sumulado pelo e. STJ que, em 2010, editou a Súmula n. 469, que assim dispõe: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde”. Observo que o entendimento foi mantido com a edição da Súmula n. 608 do e. STJ2, a qual cancelou a anterior, tendo a última apenas criado exceção para os casos dos planos de autogestão.

Dessa forma, tornou-se clara a identificação das seguradoras ou operadoras de planos de saúde como fornecedoras de serviço e do beneficiário (segurado) como destinatário final (consumidor), nos termos do que dispõem os artigos 2º, “caput”3, e 3º, §2º4, da legislação consumerista.

Com efeito, os contratos de seguro e planos de assistência à saúde devem se submeter às regras constantes na legislação consumerista, para evitar eventual desequilíbrio entre as partes, considerando a hipossuficiência do consumidor em relação ao fornecedor; bem como manter a base do negócio a fim de permitir a continuidade da relação no tempo.

Destarte, estando os contratos submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor, aplica-se, dentre outras, as seguintes regras: “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor” (art. 47 do CDC). E, considerar-se-ão abusivas, as que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada; sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor e as que se mostrem exageradas, como as excessivamente onerosas ao consumidor, as que restrinjam direitos ou ofendam princípios fundamentais do sistema (art. 51, incisos IV e XV e § 1º, incisos, I, II e III, do CDC).

Aliás, com relação à aplicação do CDC nos planos de saúde, a lição de Cláudia Lima Marques e Bruno Miragem5:

“O reconhecimento da aplicação do Código do Consumidor implica subordinar os contratos aos direitos básicos do consumidor, previsto no art. 6º do Código. Daí porque o STJ tenha superado as discussões dogmáticas sobre a natureza do contrato, como seguro ou plano, e tem decidido impor a este importante tipo contratual de consumo de massa uma boa-fé extremamente qualificada, exigindo de todos os fornecedores (operadoras, seguradoras e outros), o cumprimento do dever de informação, cooperação e cuidado. (…) se de um lado é certo que a necessidade de manter equilíbrio econômico-atuarial do contrato, em vista da previsão de riscos e probabilidades, e a respectiva sustentabilidade econômica que lhe assegure – tema que pertence à expertise do fornecedor - também é correto determinar a estes contratos uma interpretação conforme à boa-fé e sempre a favor do consumidor.”

No mesmo sentido, a jurisprudência desta colenda Câmara (com meus grifos):

APELAÇÃO CÍVEL. SEGUROS. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPETIÇÃO DE VALORES. APOSENTADORIA. RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. MANUTENÇÃO DO BENEFICIÁRIO NO PLANO. ARTIGO 31 DA LEI N.º 9.656/98. PLANO ESPECÍFICO PARA INATIVOS. POSSIBILIDADE. 1. Os contratos de planos de saúde estão submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, nos termos do artigo 35 da Lei 9.656/98, pois envolvem típica relação de consumo. Súmula 608 do STJ. Assim, incide, na espécie, o artigo 47 do CDC, que determina a interpretação das cláusulas contratuais de...

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