Acórdão nº 50120548120218210141 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 09-12-2022

Data de Julgamento09 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50120548120218210141
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001977326
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5012054-81.2021.8.21.0141/RS

TIPO DE AÇÃO: Usucapião Ordinária

RELATORA: Desembargadora MYLENE MARIA MICHEL

APELANTE: LEONILDA DA SILVA MARTINS (AUTOR)

APELADO: RIBAS EXTINTORES LTDA (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por LEONILDA DA SILVA MARTINS contra sentença que indeferiu a petição inicial e extinguiu sem julgamento de mérito a Ação de Usucapião que propôs em face de RIBAS EXTINTORES LTDA.

Transcrevo o dispositivo sentencial (Evento 9 da origem):

Ante o exposto, INDEFIRO a petição inicial e JULGO EXTINTO o feito, com fundamento no artigo 485, incisos I e IV, do CPC.

Custas pela parte autora, cuja exigência fica suspensa, em razão da AJG que defiro, com base nos documentos apresentados - EV.07,DOC.05.

Intime-se.

Nas razões recursais (Evento 12 da origem), a apelante afirma ter sido intimada para emendar a petição inicial e apresentar planta, memorial descritivo ou croqui, matrícula completa e atualizada do imóvel litigioso, bem como indicar os confinantes e arrolar as testemunhas. Ainda, afirmou que o juízo a quo exigiu a apresentação de informações relativas ao cadastro imobiliário ou comprovantes de pagamento do IPTU relativo ao período em que afirmou exercer posse sobre o imóvel. Alega ter apresentado matrícula atualizada e mapa, bem como indicado os confrontantes, que deverão ser ouvidos como testemunhas. Esclareceu a impossibilidade de apresentar os comprovantes de pagamento IPTU. Assevera, porém, que o juízo a quo exigiu a apresentação de novos documentos sem que fosse previamente intimada para aditar a exordial, sobrevindo o indeferimento da petição inicial. Sustenta que, apesar na apresentação dos documentos necessários ao ajuizamento da ação, não é possível o indeferimento de plano da petição inicial, cabendo ao magistrado oportunizar a sua emenda. Requer o provimento do recurso para que a sentença seja desconstituída e determinado o regular prosseguimento do feito.

Remetidos os autos a esta Egrégia Corte, o recurso foi distribuído por sorteio.

O Ministério Público opinou pelo conhecimento e provimento do recurso (evento 22).

Convertido o julgamento em diligência para determinar a citação da demanda para, querendo, apresentar contrarrazões (evento 24).

A apelada foi regularmente citada e quedou inerte (eventos 26 e 27 da origem).

Subiram novamente os autos a esta Egrégia Corte.

Vieram conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso, porquanto preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.

Cuida-se de Ação de Usucapião proposta por LEONILDA DA SILVA MARTINS, ora apelante, em face de RIBAS EXTINTORES LTDA, ora apelada, visando à declaração da propriedade sobre o imóvel localizado na Travessa São Pedro, nº 1195, bairro Santa Luzia, Capão da Canoa/RS, registrado sob a matrícula nº 107.726 do Registro de Imóveis daquela Comarca.

Conforme relatório supra, o processo foi extinto sem resolução de mérito em razão do descumprimento de ordem de emenda à petição inicial.

Sem preliminares a apreciar, passo diretamente ao exame do mérito recursal.

1. Indeferimento da Petição Inicial:

Os requisitos da petição inicial estão previstos no art. 319 do CPC.

De acordo com o art. 320, "A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação".

Sobre o art. 320 do CPC, transcrevo comentários de Nelson Nery Junior1:

4. Documentos indispensáveis. O autor pode juntar à petição inicial documentos que entende sejam importantes para demonstrar a existência dos fatos constitutivos de seu pedido (CPC 373 I). Há documentos, entretanto, que são indispensáveis à propositura da ação, isto é, sem os quais o pedido não pode ser apreciado pelo mérito. A indispensabilidade da juntada do documento com a petição inicial é aferível diante do caso concreto, isto é, depende do tipo da pretensão deduzida em juízo. Normalmente são indispensáveis, nas ações de estado, os que comprovam o estado e a capacidade das pessoas, sobre os quais a lei exige a certidão do cartório de registro civil como única prova (prova legal) dessa situação. A procuração ad judicia é indispensável em toda e qualquer ação judicial, devendo acompanhar a petição inicial.

6. Documentos indispensáveis e indeferimento da petição inicial. A indispensabilidade de que trata a norma sob comentário refere-se à admissibilidade, isto é, ao deferimento da petição inicial. Caso esteja ausente um desses documentos, o juiz deverá mandar juntá-lo (CPC 321 caput), sob pena de indeferimento da petição inicial (CPC 321 par.ún.). A norma não trata de outros documentos, necessários ao deslinde da causa (mérito), mas não à admissibilidade da petição inicial, como, por exemplo, os que dizem respeito à prova dos fatos alegados pelo autor (v.g., recibo, se o autor alega que a dívida foi paga). Neste caso, trata-se de questão de mérito, isto é, de fato não provado com documento que poderia ter sido juntado à inicial, o que poderá acarretar a improcedência do pedido. Não se pode tolher a dedução da pretensão do autor, porque ele não “provou” o seu direito já na petição inicial. O raciocínio restritivo pode ser válido para o mandado de segurança, porque a CF 5.º LXIX exige a prova, pré-constituída e juntada com a petição inicial, do direito líquido e certo do impetrante, mas não para as ações em geral. Na ação comum do processo civil tradicional, é suficiente para o juiz mandar citar o réu a juntada dos documentos indispensáveis à admissibilidade (juízo de probabilidade) da ação. Em sentido contrário, entendendo que a indispensabilidade tratada pela norma atinge esses outros documentos comprobatórios das alegações do autor: Marcato-Scarpinella. CPC Interpretado, coment. 1 CPC/1973 283, p. 869.

Conforme ensinamento de Humberto Theodoro Júnior2, os documentos indispensáveis à propositura da ação asão os necessário à aferição dos pressupostos processuais, sem os quais a relação processual não se constitui, tampouco se desenvolve, de forma válida:

Em síntese, o entendimento dominante é o de que “a rigor somente os documentos havidos como pressupostos da ação é que, obrigatoriamente, deverão ser produzidos com a petição inaugural e com a resposta. Tratando-se de documentos não reputados indispensáveis à propositura da ação, conquanto a lei deseje o seu oferecimento com a inicial ou a resposta, não há inconveniente em que sejam exibidos em outra fase do processo”.

Com efeito, conforme ensinamento de Daniel Amorim Assumpção Neves3, os documentos indispensáveis à propositura da ação não se confundem com os documentos necessários à procedência do pedido:

Documentos indispensáveis à propositura da demanda são aqueles cuja ausência impede o julgamento de mérito da demanda, não confundindo com documentos indispensáveis à vitória do autor, ou seja, ao julgamento de procedência de seu pedido. Esses são considerados documentos úteis ao autor no objetivo do acolhimento de sua pretensão, mas, não sendo indispensáveis à propositura da demanda, não impedem a continuidade da demanda, tampouco a extinção com resolução de mérito.

Dessa forma, constata-se que somente os documentos indispensáveis à propositura da ação ação autorizam a ordem de emenda à petição inicial e o respectivo indeferimento, caso descumprida a determinação, como deflui da interpretração conjunta dos arts. 321 e 330, IV, do CPC:

Art. 321. O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado.
Parágrafo único. Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial.

Art. 330. A petição inicial será indeferida quando:
I - for inepta;
II - a parte for manifestamente ilegítima;
III - o autor carecer de interesse processual;
IV - não atendidas as prescrições dos arts. 106 e 321 .

Sobre essa temática, ensina Fredie Didier Jr.4:

Se a petição inicial estiver irregular, por lhe faltar algum dos seus requisitos, deve o magistrado intimar o autor para corrigi-la, emendando-a ou completando-a. É o que prescreve o art. 322 do CPC, que autoriza o magistrado a determinar a emenda da petição inicial, no prazo de quinze dias, intimando-se o autor. O juiz indicará com precisão o que deve ser corrigido ou completado.(...)
Não cumprindo o autor a diligência que lhe fora ordenada, a petição inicial será indeferida (art.
321, parágrafo único, CPC).

Em ação de usucapião, consideram-se indispensáveis à propositura da ação os documentos necessários à perfeita individualização do imóvel usucapiendo e à verificação do proprietário registral, conforme ensinamento de Luiz Guilherme Marinoni5:

Devem acompanhar a inicial os documentos indispensáveis à propositura da demanda, tradicionalmente apontados como sendo a planta do imóvel usucapiento e a certidão do Registro de Imóveis referente ao bem.

Por óbvio, sem esses documentos não é possível indentificar o imóvel litigiosos, tampouco o proprietário registral do bem, que necessariamente haverá de integrar o polo passivo da ação.

É dizer, sequer é possível aferir quem deve integrar o polo passivo da ação, tampouco a legitimidade passiva ad causam, razão pela qual se trata de documento indispensável à propositura da ação.

Por óbvio, nos casos em que o imóvel não estiver registrado no álbum imobiliário, deve ser dispensada a apresentação de certidão da matrícula do imóvel, devendo, por outro lado, ser apresentada a respectiva certidão negativa de registro.

A corroborar esse entendimento:

APELAÇÃO...

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