Acórdão nº 50120701120198210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, 29-06-2022
Data de Julgamento | 29 Junho 2022 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Classe processual | Apelação |
Número do processo | 50120701120198210010 |
Tipo de documento | Acórdão |
Órgão | Sétima Câmara Cível |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20002339126
7ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Apelação Cível Nº 5012070-11.2019.8.21.0010/RS
TIPO DE AÇÃO: Reconhecimento/Dissolução
RELATORA: Desembargadora SANDRA BRISOLARA MEDEIROS
RELATÓRIO
Trata-se de recursos de apelação interpostos por FABIANA F. e por FELIPE E. F., MARIA LUIZA K. e VERA MARIA F. contra sentença que, apreciando ação declaratória de união estável post mortem ajuizada por HENRIQUETA PAULINA P., julgou procedente o pedido para reconhecer a união estável havida entre a autora e o de cujus, Leunir Pedro F., pelo período compreendido entre meados de 2008 até 25/06/2019 (Evento 112, SENT1 - originário).
Fabiana, em suas razões recursais, sustenta que Julita, companheira do Leunir por 32 anos, faleceu em 28/08/2008, o que afasta a possibilidade de reconhecimento da união estável com Henriqueta a contar de agosto de 2008. Afirma que a escritura pública de doação de imóvel à apelada, com reserva de usufruto, atesta que os endereços de Henriqueta e Leunir Pedro não são os mesmos. Com relação às fotos apresentadas pela apelada, assinala que não há contextualização das pessoas retratadas, os locais, os momentos e as datas. Assevera que a declaração de imposto de renda de 2017 não demonstra relação entre a recorrida e o de cujus. Giza que as irmãs de Leunir Pedro se irresignaram na ação de interdição contra a mudança abrupta e repentina de Porto Alegre para Caxias do Sul. Sustenta, como argumentos para afastar a pretensão da autora, que a apelada é pensionista do pai de seus cinco filhos, o recebimento de valores, a título de aluguéis, a doação recebida pela recorrida, com encargo, e o fato de que a pessoa que assinou o contrato com o Hospital Pompéia não ser a apelada. Afirma que Vera, irmã do falecido, é a única que possuía conta conjunta com o irmão, o que afasta a condição de companheira de Henriqueta. Discorre sobre a prova testemunhal em que foram ouvidos moradores de Porto Alegre, referindo a convivência pública, contínua e duradoura de relacionamento em cidade diversa. Refere que o falecido deixou um imóvel, localizado na cidade de Caxias do Sul, para a apelada, como forma de recompensá-la pelos cuidados prestados. Nesses termos, postula o provimento do recurso para que seja revogada a gratuidade da justiça concedida à apelada e seja julgada improcedente a ação ( Evento 134, APELAÇÃO1 - originário).
Felipe, Maria Luíza e Vera Maria, por sua vez, em seu apelo, sustentam que o de cujus formalizou contrato de doação com a apelada, incluindo condições específicas de cumprimento futuro, a fim de que fosse cuidado por Henriqueta, desde que cumpridas as condições expressas no contrato, com fulcro no art. 553 do Código Civil, o que não faria se fossem companheiros. Apontam a falta de provas acerca da alegada união estável e a fragilidade da prova testemunhal. Tecem considerações sobre os requisitos para a constituição da união estável. Pedem o provimento do recurso para que seja julgada improcedente a ação (Evento 135, APELAÇÃO1 - originário).
A apelada apresentou contrarrazões, arguindo a intempestividade da apelação interposta por Vera Maria e outros (Evento 139, CONTRAZ1 - originário).
Nesta instância recursal, o Ministério Público exarou parecer, opinando pelo desprovimento de ambos os recurso (Evento 7 - PARECER1).
Vieram os autos conclusos para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Eminentes Colegas.
Inicialmente, rejeito a preliminar de intempestividade da apelação interposta por Vera Maria, Felipe e Maria Luiza, uma vez que a data inicial da contagem do prazo se deu 19/10/2021, encerrando-se em 10/11/2021 (Evento 129 na origem). O recurso de apelação, por sua vez, foi interposto no último dia do prazo, ou seja, em 10/11/2021 (Evento 135 na origem).
No mérito, cuida-se de examinar recursos interpostos contra sentença que, apreciando a pretensão de Henriqueta, reconheceu a relação estável mantida com o falecido Leunir Pedro, no período compreendido entre meados de 2008 até 25/06/2019.
A inconformidade advém das irmãs e sobrinhos do de cujus, que defendem a inexistência da união estável, tendo Henriqueta trazido Leunir para residir em Caxias do Sul/RS com o único intuito de obter vantagens patrimoniais.
Buscam os apelantes (1) a revogação da gratuidade de justiça concedida à autora/apelada e (2) a improcedência da ação.
Não prospera a impugnação ao benefício da gratuidade de justica concedido à autora.
Nos termos do art. 100 do CPC, o ônus de provar a existência de condições financeiras do beneficiário recai sobre quem pretende sua revogação. No caso dos autos, os impugnantes/apelantes não lograram êxito em comprovar que a beneficiária possui condições econômicas para arcar com as despesas do processo.
Dos autos se extrai que Henriqueta aufere renda inferior a 05 (cinco) salários mínimos (Evento 28, OUT2, fl. 01 e Evento 28, EXTR3 - originário), parâmetro adotado por este Tribunal de Justiça para a concessão da benesse.
Portanto, fica mantida a gratuidade de justiça concedida à apelada.
Quanto ao mérito, consabido que, nos termos da legislação civil vigente, para que seja reconhecida a união estável, àquele que propuser o seu reconhecimento incumbirá a prova de que a relação havida entre o casal foi pública, contínua, duradoura e destinada à constituição de um núcleo familiar, a teor do disposto no art. 1.723 do Código Civil.
Ademais, segundo se depreende do art. 1.566 do Código Civil, a affectio maritalis se trata de princípio norteador do casamento civil que engloba os conceitos de fidelidade recíproca, vida em comum, mútua assistência, além do sustento e guarda de eventual prole, os quais também se estendem à união estável.
Cumpre anotar que o conceito de vida em comum não é sinônimo de convivência do casal sob o mesmo teto, hodiernamente, e, portanto, a divisão de um domicílio não se trata de requisito absoluto para a identificação da existência, ou não, de união estável.
Há considerar a complexidade estrutural atual da vida em sociedade que, muitas vezes, pode exigir o afastamento físico dos entes familiares entre si, em razão da necessidade de trabalho, por exemplo, sem, contudo, descaracterizar o núcleo familiar. E esse conceito se estende às uniões estáveis.
Outrossim, também importante observar que, tratando-se a união estável de uma relação havida entre um casal, esses requisitos devem estar comprovados de forma cumulativa e paralela, ou seja, na conduta de ambas as partes.
In casu, Henriqueta ajuizou ação de reconhecimento de união estável post mortem contra Vera Maria, Maria Luiza, Fabina, Felipe, irmãs e sobrinhos de Leunir Pedro, falecido em 25/06/2019, afirmando ter convivido com o de cujus no período compreendido entre o ano de 2008 até sua morte. Assinalou que o relacionamento do casal já havia sido comprovado quando da propositura da ação de interdição de Leunir, na qual foi nomeada curadora (proc. nº 010/1.17.0013471-0). Afirmou que a relação possuía status público, notório e com a intenção de constituir família.
Contestada a demanda e instruído o feito, foi proferida sentença de procedência.
Ora, a matéria trazida a exame é eminentemente fática, passando pela análise da prova produzida pela autora, já que era seu encargo a comprovação da existência da união estável até o decesso do ex-companheiro.
No sistema processual vigente não basta alegar, cumprindo àquele que se diz detentor de um direito prová-lo. Significa dizer que aquele que afirma um direito é responsável – tem, portanto, o ônus – pela produção de provas suficientes a sustentar suas argumentações.
Trata-se, o ônus da prova, de um encargo atribuído por lei a cada uma das partes, mas não se confunde com obrigação probatória. Não há obrigatoriedade, pelo sistema processual, de produção de prova, mas quem não a produzir, quando necessária, assume o risco da própria omissão.
Nelson Nery Junior1 refere que “o não atendimento do ônus de provar coloca a parte em desvantajosa posição para a obtenção do ganho...
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