Acórdão nº 50122386920218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 02-03-2023

Data de Julgamento02 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50122386920218210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003246401
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5012238-69.2021.8.21.0001/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5012238-69.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Capacidade

RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por VERIDIANA D. N., representada pela Defensoria Pública, nomeada curadora especial, em face da sentença que julgou procedente a ação de curatela ajuizada pelos genitores VILDE S. N. e AURORA D. N. (evento 110).

Em resumo, alega a requerida/apelante que (1) a curatela constitui medida extremamente excepcional, sendo imperiosa a adoção de todas as cautelas necessárias para amparar a decisão de privar alguém de sua capacidade civil; (2) a sentença somente deve julgar procedente o pedido de curatela, reconhecendo a incapacidade e nomeando curador, quando houver prova cabal e suficiente da falta de compreensão, total ou parcial, da pessoa, a ponto de impossibilitá-la de exprimir a sua vontade, bem como deve especificar a incapacidade, reconhecendo diferentes limitações e possibilidades, a depender dos elementos probatórios colhidos no procedimento, em especial na perícia e na entrevista pessoal com o curatelando; (3) de acordo com o laudo pericial, é parcialmente incapaz de gerir seus bens e sua vida civil, sendo capaz de tomar sozinha suas medicações e fazer suas necessidades básicas com mínimo auxílio; (4) o juízo a quo decretou sua interdição, sem especificar que deverá ser apenas "assistida" pela curadora nomeada; (5) é no momento decisório que deverá ser pensado e avaliado como se dará o exercício dos seus direitos de personalidade, para que a pessoa com deficiência possa participar das decisões na maior medida possível; (6) o magistrado deve determinar os limites da incapacidade relativa, nos termos do artigo 4º, inciso III, do Código Civil, com a assistência ou representação pelo curador; (7) é necessária a reforma da sentença, para que indique, especificadamente, no dispositivo, que os atos para os quais há necessidade de curatela necessitam de assistência pelo curador, o que não foi feito na decisão recorrida; (8) outrossim, a sentença é extra petita, na medida em que decretou a interdição, pedido que não constou da petição inicial, mas tão somente a nomeação de curador; (9) não há mais falar em decretar a interdição, em atenção à adequação legislativa provocada pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com DeficiênciaLei 13.146/2015; (10) o vocábulo interdição relaciona a curatela a um processo de supressão de direito patrimoniais e existenciais da pessoa, enquanto deveria ser uma promoção da autonomia da parte curatelada; e (11) a interdição é incompatível com os princípios da Lei 13.146/2015 e da Convenção de Nova York, de 30.03.2007, ratificada pelo Decreto 6.949/2009, cujas normas detém status de emenda constitucional, pois aprovada na forma do art. 5º, § 3º, da Constituição Federal. Pede a desconstituição parcial da sentença, a fim de serem especificados quais os atos em que há necessidade de curatela, estabelecendo a assistência pelo curador nomeado ou, subsidiariamente, a reforma do julgado, para suprimir do texto o decreto de interdição, mantendo-se tão somente a nomeação de curador (evento 119).

Contrarrazões no evento 126.

O Ministério Público opina pelo parcial provimento (evento 7 nesta instância).

É o relatório.

VOTO

De início, rejeito a preliminar de nulidade da sentença por extra petita.

A Defensoria Pública, nomeada curadora especial, se insurge contra a deliberação do Magistrado que, ao julgar procedente o pedido, decretou a interdição da demandada/apelante.

Assevera que a decisão é extra petita e pede a anulação parcial da sentença, referente ao capítulo que decretou a interdição da apelante, para que seja tão somente mantida a nomeação de curador(a).

Sabe-se que com a entrada em vigor da Lei nº 13.146/2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência - o Estatuto da Pessoa com Deficiência -, houve drástica alteração da legislação no que tange à capacidade civil. Em razão de o art. 6º do referido Estatuto preconizar que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa”, agora, somente os menores de 16 anos são considerados absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil (art. 3º do CC).

Em suma, as definições de capacidade civil foram reconstruídas para dissociar a deficiência da incapacidade.

O art. 84, caput, do referido Estatuto estabelece que a pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas”.

Somente quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida a curatela, conforme a lei, sendo esta medida excepcional, podendo afetar somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial (art. 85).

No caso, antecipo que alterei o meu entendimento pessoal quanto ao uso da expressão "interdição" na deliberação posta na sentença.

Assim, tenho que não vingam os argumentos da parte recorrente, dizendo que não cabe mais falar em decreto de interdição, em atenção aos preceitos do Estatuto da Pessoa com Deficiência, sendo vocábulo que relaciona a curatela a um processo de supressão de direito patrimoniais e existenciais da pessoa.

De notar que, em que pese o decreto de "interdição", a sentença explicitou os limites da curatela, ressalvando os direitos ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação e ao labor de forma geral, restringindo a prática daqueles em relação à própria saúde, patrimônio e negócios.

E não obstante o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência, segundo o qual as pessoas com alguma limitação ou deficiência mental/intelectiva deixaram de ser consideradas absolutamente incapazes, como dito, permanece vigente a normativa posta no Código de Processo Civil em secção nomeada como DA INTERDIÇÃO (art. 747 e seguintes).

No ponto, vale colacionar relevante lição de Pablo Stolze Gagliano (in https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/304255875/e-o-fim-da-interdicao-artigo-de-pablo-stolze-gagliano):

Na medida em que o Estatuto é expresso ao afirmar que a curatela é extraordinária e restrita a atos de conteúdo patrimonial ou econômico, desaparece a figura da"interdição completa"e do"curador todo-poderoso e com poderes indefinidos, gerais e ilimitados".

Mas, por óbvio, o procedimento de interdição (ou de curatela) continuará existindo, ainda que em uma nova perspectiva, limitada aos atos de conteúdo econômico ou patrimonial, como bem acentuou Rodrigo da Cunha Pereira.

É o fim, portanto, não do" procedimento de interdição”, mas sim, do standard tradicional da interdição, em virtude do fenômeno da “flexibilização da curatela”, anunciado por Célia Barbosa Abreu.

Vale dizer, a curatela estará mais “personalizada”, ajustada à efetiva necessidade daquele que se pretende...

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