Acórdão nº 50124085420218210029 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Terceira Câmara Cível, 30-08-2022

Data de Julgamento30 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50124085420218210029
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002627190
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

23ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5012408-54.2021.8.21.0029/RS

TIPO DE AÇÃO: Práticas Abusivas

RELATOR: Desembargador BAYARD NEY DE FREITAS BARCELLOS

APELANTE: MARINA DE FATIMA ANTUNES MACIEL DO NASCIMENTO (AUTOR)

APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por MARINA DE FÁTIMA ANTUNES MACIEL DO NASCIMENTO em face da sentença que julgou improcedente o pedido formulado nos autos da demanda ajuizada contra BANCO BMG S.A.

A parte apelante sustenta a nulidade da contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC). Aduz ter sido induzida em erro, pois na verdade trata-se de empréstimo consignado com pagamento do valor mínimo da fatura, renovando-se a dívida de forma indeterminada, com encargos excessivos. Advoga pela caracterização do dano moral. Por fim, requer o provimento do recurso, com a condenação da ré à restituição dos valores descontados de forma indevida. Destaca que os descontos não devem ultrapassar 30% dos vencimentos. Postula o provimento do recurso.

Sem as contrarrazões, vieram os autos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Extrai-se da petição inicial que a parte autora pretende seja declarada nula a contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) em seu benefício previdenciário, e, com isso, seja o réu compelido a se abster de efetuar descontos em sua folha de pagamento sob essa rubrica, bem como a restituir os valores descontados e ao pagamento de indenização por danos morais.

Em sua defesa, o banco réu sustenta que não há qualquer ilegalidade na contratação, tendo em vista que a parte demandante aderiu voluntariamente a contrato de cartão de crédito, o qual prevê o pagamento mediante reserva de margem consignável em folha de pagamento.

A Lei nº 10.820/2003, que dispõe sobre autorizações de descontos em folha de pagamento, prevê em seu artigo 6º e respectivo parágrafo 5º, com a redação dada pela Lei nº 13.172/2015:

Art. 6o Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1o e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS.
(...)
§ 5o Os descontos e as retenções mencionados no caput não poderão ultrapassar o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor dos benefícios, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para:
I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou;
II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.

Por seu turno, no âmbito infralegal, a cláusula que prevê a reserva de margem consignável para operações com cartão de crédito em benefícios previdenciários está prevista na Resolução nº 1.305/2009 do Conselho Nacional de Previdência Social, art. 1º, que assim dispõe:

RESOLUÇÃO Nº 1.305, DE 10 DE MARÇO DE 2009.
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL, no uso da atribuição que lhe confere o inciso V do art. 21 do Regimento Interno, aprovado pela Resolução nº 1.212, de 10 de abril de 2002, torna público que o Plenário, em sua 151ª Reunião Ordinária, realizada em 10 de março de 2009, resolveu:
Art. 1º Recomendar ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS que, relativamente aos empréstimos consignados, e respeitado o limite de margem consignável de 30% (trinta por cento) do valor do benefício, torne facultativo aos titulares dos benefícios previdenciários a constituição de Reserva de Margem Consignável – RMC de 10% (dez por cento) do valor mensal do benefício para ser utilizada exclusivamente para operações realizadas por meio de cartão de crédito.

Não obstante, a constituição de Reserva de Margem Consignável (RMC) exige expressa autorização do consumidor aposentado, seja por escrito ou via eletrônica, conforme prevê expressamente o art. 3º, III, da Instrução Normativa do INSS nº 28/2008, alterada pela Instrução Normativa do INSS nº 39/2009, conforme segue:

Artigo 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que:
(...)
III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência.

Assim, nos termos da lei de regência, os aposentados e pensionistas do INSS, além do percentual relativo a empréstimos consignados, podem comprometer, mediante autorização expressa, 5% de seu benefício para pagamento de despesas com cartão de crédito ou para saques por meio cartão de crédito.

Por consequência, os descontos em folha de pagamento sobre a reserva de margem consignável (RMC) somente são válidos e regulares se (1) o consumidor autorizar a operação de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico, (2) haja efetiva utilização do cartão de crédito para despesas em geral ou saques em dinheiro até o limite previsto em lei (5% do benefício previdenciário).

Ainda, considerando que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras, conforme teor da Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça, a interpretação a ser dada ao art. 6º, parágrafo 5º, inciso II, da Lei 10.820/2003, com a redação dada pela Lei 13.172/2015, mais favorável ao consumidor em contrato de adesão, é no sentido de que os descontos devem corresponder a saques efetivamente realizados até o limite da margem consignável.

Nesse aspecto, revela-se abusiva a conduta da instituição financeira que efetua descontos sobre a reserva de margem consignável (RMC), ainda que autorizados, sem a respectiva contraprestação, vinculados ao pagamento mínimo da fatura do cartão de crédito, para o saque de valores em dinheiro.

Isso porque, com o pagamento mínimo da fatura, o consumidor compulsoriamente adere ao crédito rotativo do cartão de crédito, modalidade que não se encontra prevista na Lei 10.820/2003, havendo a possibilidade de não ser quitado o contrato mediante os descontos sobre a RMC, pois mensalmente é refinanciado o saldo devedor, com juros acrescidos ao saldo em aberto da fatura do mês anterior, que por sua vez, capitaliza os juros vencidos mês a mês.

Explico. O percentual de 5% abatido do benefício, referente à reserva de margem consignável, quase não é suficiente para amortizar o principal, tendo em vista que corresponde ao valor dos encargos mensais incidentes diante do pagamento mínimo da fatura. Assim, sempre haverá saldo devedor a ser pago na próxima fatura, o que impõe a necessidade de refinanciamento do débito a cada novo período. Tal fato acarreta o prolongamento indevido do débito, com endividamento progressivo e impossibilita a quitação, em detrimento do consumidor.

Portanto, a despeito da possibilidade de contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável ter sido estendida aos beneficiários do INSS pela Lei nº 13.172/2015, a vinculação da RMC ao pagamento mínimo da fatura representa inegável vantagem excessiva às instituições financeiras, tendo em vista que essa forma de pagamento gera endividamento progressivo praticamente impagável, sendo portanto nula essa cláusula, nos termos do art. 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor.

Conclui-se, então, que a reserva de margem consignável vinculada ao pagamento mínimo da fatura do cartão de crédito constitui verdadeiro desvirtuamento da modalidade prevista em lei, induzindo o consumidor em erro, sendo cabível a conversão do negócio para empréstimo consignado, com parcelas calculadas com base na taxa média de juros remuneratórios divulgada pelo BACEN, efetuadas as devidas compensações, ou o cancelamento dos descontos e a restituição dos valores, caso evidenciada a quitação do débito sob essa modalidade ou a ausência de utilização do cartão de crédito.

No caso concreto, o banco demandado comprovou a adesão da parte autora ao cartão de crédito consignado e a autorização para reserva da margem consignável e para os descontos do valor do pagamento mínimo da fatura na folha de pagamento do INSS.

Nesse contexto, autorizados os descontos e realizados os créditos em dinheiro, vinculado ao pagamento mínimo da fatura, constata-se que houve o desvirtuamento da modalidade contratual de cartão de crédito.

Diferente do que afirma a sentença, no caso concreto, o cartão de crédito não foi utilizado para compras, tendo havido apenas depósito de valores.

A situação evidenciada nos autos, assim, autoriza a conversão do saque por meio do cartão de crédito com reserva de margem consignável em empréstimo consignado, com aplicação da taxa média apurada pelo BACEN para tal modalidade na data da contratação, para efeito de cálculo das parcelas fixas no valor reservado, com manutenção desse canal, e do prazo para...

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