Acórdão nº 50124249320218210033 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Terceira Câmara Cível, 28-02-2023

Data de Julgamento28 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50124249320218210033
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003088158
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

23ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5012424-93.2021.8.21.0033/RS

TIPO DE AÇÃO: Cartão de Crédito

RELATOR: Desembargador BAYARD NEY DE FREITAS BARCELLOS

APELANTE: MARIA CLENI SOUZA DOS SANTOS (AUTOR)

APELADO: BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por MARIA CLENI SOUZA DOS SANTOS, em face da sentença que julgou improcedente a ação revisional ajuizada contra BANCO SANTANDER (BRASIL) S/A.

O apelante sustenta que contratou com o réu cartão de crédito com pactuação de juros e encargos excessivos. Menciona que a relação é de consumo, bem como sublinha a impossibilidade de capitalização de juros e cobrança de comissão de permanência. Aponta para a ilegalidade da cláusula de honorários no contrato. Salienta a impossibilidade de inserção do nome da parte junto aos cadastros de proteção ao crédito, postulando o deferimento dos depósitos judiciais. Salienta que os honorários de advogado devem ser cominados em favor da parte autora. Requer o provimento do apelo.

Com as contrarrazões, vieram os autos conclusos para julgamento.

VOTO

Da incidência do CDC e da revisão de contratos:

É cabível a revisão de contratos, sempre que alguma cláusula seja abusiva, iníqua ou ilícita, independente de fato imprevisível, conforme estabelece o CDC.

O Código de Defesa do Consumidor é incidente sobre os contratos bancários, como determina o art. 3º, parágrafo 2º do CDC, nestes termos:

“serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”

A respeito, o STJ editou a Súmula nº 297:

“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.”

Dos juros remuneratórios:

Os juros não estão limitados, regulando-se a atividade bancária pelo disposto na Lei nº 4.595/64, o que é aplicável às empresas administradoras de cartão de crédito..

A respeito a Súmula nº 283 do Superior Tribunal de Justiça:

“As empresas administradoras de cartão de crédito são instituições financeiras e, por isso, os juros remuneratórios por elas cobrados não sofrem as limitações da Lei de Usura.”

Nestes termos, ainda, a Súmula 382 do STJ:

"A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade."

Contudo, na esteira do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recursos repetitivos, é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante as peculiaridades do julgamento em concreto (REsp repetitivo 1.061.530-RS).

A taxa média divulgada pelo BACEN é o parâmetro pacificamente adotada pelo Superior Tribunal de Justiça para aferir a abusividade dos juros remuneratórios pactuados ou para o caso de ausência de pactuação.

Assim o teor da Súmula 530:

Nos contratos bancários, na impossibilidade de comprovar a taxa de juros efetivamente contratada - por ausência de pactuação ou pela falta de juntada do instrumento aos autos -, aplica-se a taxa média de mercado, divulgada pelo Bacen, praticada nas operações da mesma espécie, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o devedor.

Ainda, o precedente da Corte Superior:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATOS DE ABERTURA DE CRÉDITO ROTATIVO, EMPRÉSTIMO E CARTÃO DE CRÉDITO. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. INOVAÇÃO.
(...)
4. Nos contratos bancários não se aplica a limitação da taxa de juros remuneratórios em 12% ao ano, não se podendo aferir a exorbitância da taxa de juros apenas com base na estabilidade econômica do país, sendo necessária a demonstração, no caso concreto, de que a referida taxa diverge da média de mercado.
(...)
(AgInt no AREsp 343.616/RJ, Rel.
Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 01/06/2020, DJe 05/06/2020)

Esclareço, ainda, que o entendimento desta Câmara é no sentido de não admitir margem de tolerância sobre a taxa média do mercado apurada pelo BACEN, para aferir a abusividade dos juros remuneratórios.

Nesse sentido, cito precedentes:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATOS DE CARTÃO DE CRÉDITO. INEXISTÊNCIA DAS HIPÓTESES DO ART 1.022 DO CPC. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. Diante da inexistência de quaisquer das hipóteses previstas no artigo 1.022 do CPC, descabe o acolhimento dos embargos de declaração. Conforme já referido no acórdão embargado, os juros remuneratórios praticados no contrato de cartão de crédito extrapolam a taxa média de mercado divulgada pelo BACEN e o entendimento majoritário desta Câmara é no sentido de inadmitir margem de tolerância entre os parâmetros. A via estreita dos embargos de declaração não se presta para a reforma do julgado. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DESACOLHIDOS.(Embargos de Declaração Cível, Nº 70084521814, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Afif Jorge Simões Neto, Julgado em: 16-12-2020). (grifei)

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATOS E CARTÃO DE CRÉDITO. CONFIGURAÇÃO DE DAS HIPÓTESES DO ART. 1022 DO CPC. OMISSÃO. OBSCURIDADE. 1. O recurso de embargos de declaração constitui-se em eficaz instrumento para o controle de qualidade do trabalho judicante, facultando ao julgador a correção de eventuais omissões, contradições ou obscuridades que comprometam o entendimento ou a completude da sua decisão. Por isso mesmo preconiza Pontes de Miranda que “os juízes e tribunais devem atender, com largueza, aos pedidos de declaração”, complementando o STF, com destaque, que estes “consubstanciam verdadeira contribuição da parte em prol do devido processo legal.” 2. Constatada a existência de omissão relativa a análise dos juros remuneratórios no cotejo com as taxas do Bacen, bem como obscuridade sobre as taxas de CET serem mais vantajosas para o embargante, mister o acolhimento dos presentes embargos. 3. Ressalta-se que a tese adotada por esse Colegiado é pela inadmissibilidade de margem de tolerância entre o patamar da taxa média de juros remuneratórios divulgada pelo BACEN e os juros efetivamente contratados. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS EM PARTE, COM EFEITOS INFRINGENTES.(Embargos de Declaração Cível, Nº 70084575596, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Paula Dalbosco, Julgado em: 16-12-2020).

No caso, trata-se de revisão de crédito rotativo em contrato de cartão de crédito. À vista da fatura juntadas aos autos, observa-se a cobrança em dissonância com a média a taxa média de juros para a modalidade contratual no período (Série 25477 - Taxa média mensal de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Cartão de crédito rotativo1).

A fatura acostada à resposta indica a cobrança de juros de 9,99% a.m, quando a média foi de 7,89% a.m (Evento 19, comprovantes 3).

Nesse contexto, tendo como parâmetro a taxa média do mercado, revelam-se abusivas as taxas de juros pactuadas no caso concreto, o que permite a revisão do encargo, limitando-se os juros remuneratórios do contrato à taxa média do mercado divulgada pelo BACEN para a data da cada fatura.

Da capitalização.

O Superior Tribunal Superior, por meio do julgamento do Recurso Especial 1.388.972/SC, submetido ao regime dos recursos repetitivos, fixou a tese de que é admissível a incidência da capitalização dos juros apenas quando houver previsão contratual expressa.

Neste sentido, transcreve-se a ementa do referido julgado:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA - ARTIGO 1036 E SEGUINTES DO CPC/2015 - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATOS BANCÁRIOS - PROCEDÊNCIA DA DEMANDA ANTE A ABUSIVIDADE DE COBRANÇA DE ENCARGOS - INSURGÊNCIA DA CASA BANCÁRIA VOLTADA À PRETENSÃO DE COBRANÇA DA CAPITALIZAÇÃO DE JUROS 1. Para fins dos arts. 1036 e seguintes do CPC/2015. 1.1 A cobrança de juros capitalizados nos contratos de mútuo é permitida quando houver expressa pactuação. 2. Caso concreto: 2.1 Quanto aos contratos exibidos, a inversão da premissa firmada no acórdão atacado acerca da ausência de pactuação do encargo capitalização de juros em qualquer periodicidade demandaria a reanálise de matéria fática e dos termos dos contratos, providências vedadas nesta esfera recursal extraordinária, em virtude dos óbices contidos nos Enunciados 5 e 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. 2.2 Relativamente aos pactos não exibidos, verifica-se ter o Tribunal a quo determinado a sua apresentação, tendo o banco-réu, ora insurgente, deixado de colacionar aos autos os contratos, motivo pelo qual lhe foi aplicada a penalidade constante do artigo 359 do CPC/73 (atual 400 do NCPC), sendo tido como verdadeiros os fatos que a autora pretendia provar com a referida documentação, qual seja, não pactuação dos encargos cobrados. 2.3 Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é possível tanto a compensação de créditos quanto a devolução da quantia paga indevidamente, independentemente de comprovação de erro no pagamento, em obediência ao princípio que veda o enriquecimento ilícito. Inteligência da Súmula 322/STJ. (...). (Número Registro: 2013/0176026-2 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.388.972 / SC Números Origem: 20110851504 436019620128240000 PAUTA: 08/02/2017 JULGADO: 08/02/2017 Relator Exmo. Sr. Ministro MARCO BUZZI) (grifei)

Logo, o julgamento mais recente acabou por afastar o entendimento até então utilizado, que admitia a contratação implícita da capitalização mensal de juros (taxa de juros anual superior ao duodécuplo da taxa mensal - 973827/RS), passando a...

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