Acórdão nº 50124428720208210021 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Primeira Câmara Cível, 01-06-2022

Data de Julgamento01 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50124428720208210021
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Primeira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002170905
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

21ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5012442-87.2020.8.21.0021/RS

TIPO DE AÇÃO: Tutela de Urgência

RELATOR: Desembargador MARCELO BANDEIRA PEREIRA

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

APELADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

RELATÓRIO

O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL interpõe recurso de apelação da sentença que, nos autos da ação de rito ordinária ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, em favor de MARIA LUBIAN, julgou procedente o pedido de fornecimento do fármaco ESTILATO DE NINTEDANIBE (Ofev®) 150mg, na quantidade prescrita e pelo tempo que se fizer necessária, observada a Denominação Comum Brasileira (DCB). Ainda, deixou de condenar o ente estadual ao pagamento dos honorários, bem como isento-o do pagamento da Taxa Única (Evento 96 do originário).

Preliminarmente, sustenta a necessidade do direcionamento do cumprimento ao ente público que detém competência administrativa legalmente estabelecida, e, diante do presente caso, em que se postula medicamentos que não integra as listas do Sistema Único de Saúde (SUS), a responsabilidade é da União, e ela, por sua vez, deve integrar o polo passivo da demanda. Defende o dever do juiz efetivar o direcionamento da obrigação ao ente responsável pelo seu financiamento. Aduz que a competência absoluta é da Justiça Federal, em observância aos arts. 20 e 22 da LINDB e à Súmula 150 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). No mérito, defende a necessidade de cumprimento dos critérios fixados pelo STJ no Tema 106. Alega que devem ser observadas as teses fixadas pelos Tribunais Superiores, relativas à matéria de saúde, possuindo caráter vinculante perante as demais instâncias do Poder Judiciário, conforme arts. 927 e 988, I, II e IV, do CPC. Ressalta que compete à parte autora demonstrar a impossibilidade de uso das alternativas existentes no SUS, a adequação terapêutica do tratamento postulado e a imprescindibilidade da prestação de saúde não contemplada na rede pública, conforme art. 373, I, do CPC. Por fim, requer: "a) seja acolhida a seja acolhida a arguição tocante ao cumprimento do tema 793, STF, determinando-se a inclusão da União no feito e o devido declínio de competência à Justiça Federal, em observância à regra de repartição de competências estabelecida na Lei 8.080/90, bem como dos enunciados da Jornada de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça e, especialmente, ao julgamento do Tema 793 – STF, determinando o ressarcimento, nos próprios autos, pela UNIÃO de todos os valores suportados pelo Estado no presente caso, conforme determinação do art. 27 da LINDB1, e Tema 793-STF; b) julgar improcedente a pretensão de fornecimento gratuito do medicamento NINTEDANIBE (OFEV)." (Evento 102, APELAÇÃO2, do originário).

Observa-se que, em julgamento realizado por este Colegiado em 18/02/2021, diante do recurso da parte autora, foi proclamada a nulidade da sentença de improcedência, desconstituindo-se-a, haja vista o reconhecimento de cerceamento de defesa, para fins de, justificadamente, manifestar-se o médico da parte sobre a adequação do tratamento com o fármaco Nintedanibe, e/ou inadequação com o fármaco presente nas listas do SUS (Pirfenidona), referido justamente na Nota Técnica 21265 em que se embasou a sentença, na qual expressado: "Estudos recentes revelaram dois medicamentos capazes de retardar a progressão da doença,por sua ação anti fibrótica: Nintedanibe e Pirfenidona." (Evento 4, OUT 1, página 3 (Evento 11).

Lançada nova sentença, foi julgado procedente o pedido formulado na inicial (Evento 96 do originário), sentença da qual manifestado o recurso em questão.

O Ministério Público, nesta instância, opina pelo conhecimento e desprovimento do recurso (Evento 27).

É o relatório.

VOTO

De plano, destaca-se que a questão acerca da adequação do tratamento à parte autora encontra-se superada.

Rigorosamente, o ente público, ora apelante, não impugnou a necessidade expressada pela parte autora da demanda de lhe ver dispensado o tratamento perseguido. O que fez, tão-só, foi tentar afastar de si a atribuição da responsabilidade de fornecimento da medicação ESTILATO DE NINTEDANIBE (Ofev®).

Nessas condições, nem se fazia necessário desenvolver maiores digressões para a positivação de que necessário o tratamento, sobre o que, bem se vê, não mais se controverte nesta dada quadra processual.

Vale, porém, a observação de que, de fato, conforme documentos firmados pelo médico prescritor do medicamento Flávio Henrique Cé (CRM/RS 7.683), que assiste à autora no Hospital de Clínicas de Passo Fundo, trata-se de portadora de "fibrose pulmonar grave (CID 10 J84.1), dispneia, anemia, anorexia, hipóxia e dificuldade para caminhar (...)" (Evento 1, LAUDO4).

Negada a dispensação almejada na via administrativa (1, Evento 1, OUT10, Página 1), foi ajuizada a ação, na qual a antecipação de tutela foi indeferida em 16/11/2020, amparado, o juízo, em Nota Técnica do NATJus (Evento 6).

Na sequência foi lançada sentença de improcedência, em 18/12/2020 (Evento 29), que, diante de recurso da parte autora, foi desconstituída por esta 21ª Câmara Cível, em 18/02/2021, com o reconhecimento de cerceamento de defesa (Evento 11 do recurso).

Assim foi apresentado novo laudo, em que noticiado também que a parte autora é portadora de outra patologia, Neoplasia de comportamento incerto ou desconhecido dos órgãos genitais femininos (CID D39) (Evento 72, LAUDO2, Página 1).

Não obstante tais considerações, não há como obscurecer a circunstância, bem ressaltada pelo ente público, de que em questão medicamento não contemplado nas listas do Sistema Único de Saúde (SUS), com o que a presença da União Federal no polo passivo, nesta dada quadra da evolução jurisprudencial sobre o assunto, é de rigor.

Rememorando, no ano de 2015, o Supremo Tribunal Federal, apreciando o Recurso Extraordinário 855.178/SE, em repercussão geral, assim ementou o acórdão:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.

O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente.

Em 16.04.2020, foi publicado o acórdão dos Embargos de Declaração do RE 855.178/SE, em que explicitada a tese que se viu consolidada no Tema 793 pelo Supremo Tribunal Federal:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. DESENVOLVIMENTO DO PROCEDENTE. POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE DE SOLIDÁRIA NAS DEMANDAS PRESTACIONAIS NA ÁREA DA SAÚDE. DESPROVIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.

1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente.

2. A fim de otimizar a compensação entre os entes federados, compete à autoridade judicial, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, direcionar, caso a caso, o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.

3. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União. Precedente específico: RE 657.718, Rel. Min. Alexandre de Moraes.

4. Embargos de declaração desprovidos.

(RE 855178 ED, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 23/05/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-090 DIVULG 15-04-2020 PUBLIC 16-04-2020)

Tese fixada de repercussão geral - Tema 793:

Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.”

Destaco, no que interessa ao exame do que agora se está a se definir, que o tratamento buscado na demanda não integra as listas do Sistema Único de Saúde (SUS), mais, de alto custo.

No trato da matéria, este órgão fracionário, no afã de se alinhar à orientação do egrégio Supremo Tribunal Federal, alterou mais de uma vez sua postura sobre a matéria, e isso a partir do julgamento dos Embargos de Declaração do RE 855.178/SE, em que explicitada a tese que se viu consolidar no Tema 793. É que esse órgão fracionário encontrou dificuldades para a correta compreensão do alcance efetivo desse julgado do Pretório Excelso, tendo em vista a dispersão de votos que nele se verificou. Como forma de se ajustar à jurisprudência nacional, a 21ª Câmara Cível vinha adotando a interpretação que o Colendo Superior Tribunal de Justiça conferiu ao acórdão do STF, segundo a qual, em situações que tais, de medicamentos e insumos não integrantes do rol dos dispensados pelo SUS, mas registrados na ANVISA, a hipótese era de solidariedade dos entes públicos, observado o figurino legal (Código Civil Brasileiro), com o que era dado à parte necessitada ingressar com demanda em face de qualquer deles, inexistindo, assim, litisconsórcio necessário.

Com efeito, a pontificação, pelo STJ, de que ausente o litisconsórcio necessário passivo da União Federal nos casos em que pleiteados medicamentos não...

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