Acórdão nº 50124857220218210026 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Segunda Câmara Cível, 15-06-2023

Data de Julgamento15 Junho 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50124857220218210026
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Segunda Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003678601
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

22ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5012485-72.2021.8.21.0026/RS

TIPO DE AÇÃO: ITCD - Imposto de Transmissão Causa Mortis

RELATORA: Desembargadora MARILENE BONZANINI

APELANTE: CARMEN TRIGO ALVAREZ (AUTOR)

APELADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

RELATÓRIO

Adoto o relatório do evento 7, PARECER1:

"Trata-se de recurso de apelação interposto por CARMEN TRIGO ALVAREZ, contra sentença proferida pelo Juízo da Primeira Vara Cível da Comarca de Santa Cruz do Sul, que julgou improcedente ação anulatória de lançamento fiscal ajuizada pela recorrente contra o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.

Nas razões de apelação, sustenta que deve ser afastada a cobrança do Imposto de Transmissão Causa Mortis – ITCD, incidente sobre a baixa de usufruto, na modalidade de “reversão ou por direito de acrescer”, ante a ocorrência de decadência. Aduz que recebeu, através de doação dos seus pais, os imóveis matriculados sob os números 54.238 à 54.244 e 19.477. Aduz que sua genitora, Sra. Marga Hildebrand Alvarez, faleceu em 2007, razão pela qual operada a decadência acerca da cobrança do referido tributo. Salienta que o fato gerador do ITCD, incidente sobre a extinção do usufruto de reversão, nasce a partir do falecimento de um dos usufrutuários, o que, no caso dos autos, ocorreu em 14/10/2007, referente à sua mãe (Sra. Marga). Menciona que, segundo o artigo 173 do Código Tributário Nacional, o direito da Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado. Salienta que o lançamento também compete ao fisco, coforme prevê o artigo 149 do Código Tributário Nacional. Colaciona jurisprudência. Afirma, ainda, que a cobrança de ITCD, pelo Estado, viola frontalmente o Princípio da Anterioridade, esculpido no artigo 150, III, “b” e “c”, da Constituição Federal, razão pela qual deve ser reconhecida a inaplicabilidade da Lei Estadual nº 12.741/2007. Pugna pelo provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 46)."

O Ministério Público opinou pelo conhecimento e desprovimento do apelo.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Por muito tempo comunguei do entendimento de que a hipótese de incidência do ITCD, em caso de transmissão por doação com reserva de usufruto, seria a data do óbito do último usufrutuário, fato jurídico determinante da consolidação da propriedade na pessoa do nu-proprietário. E, concretizada a hipótese de incidência morte do usufrutuário), o fisco possuiria o prazo de cinco anos para constituir o crédito tributário, por meio do lançamento, conforme determina o art. 173, I, do CTN, sob pena de decadência.

No entanto, sem ignorar o dissenso jurisprudencial sobre o tema neste Egrégio Tribunal de Justiça, suscitei Incidente de assunção de competência perante a Colenda 1ª Turma Cível na Apelação nº 70069999944, o qual fora acolhido para prover o apelo do Estado do Rio Grande do Sul, no sentido de que o prazo decadencial para a Fazenda Pública constituir o crédito tributário de ITCD conta-se a partir do primeiro dia do exercício seguinte ao registro do cancelamento do usufruto no Ofício Imobiliário, conforme a seguinte ementa:

INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA. APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO DECLARATÓRIA. TRIBUTÁRIO. ITCMD. DOAÇÃO COM RESERVA DE USUFRUTO VITALÍCIO. DECADÊNCIA. FATO GERADOR. LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO. O usufruto é direito real na coisa alheia, temporário. O fato gerador da obrigação tributária é a situação definida em lei como necessária e suficientes à sua ocorrência (art. 114 do CTN). O art. 2º da Lei Estadual n. 8.821/1989 prevê que "o imposto (ITCD) tem como fato gerador a transmissão causa mortis e a doação a qualquer título". O usufruto extingue-se, cancelando-se o registro no Cartório de Registro Civil, visto tratar-se de direito real (art. 1.410 do Código Civil). No Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta lei, o registro e a averbação dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintivos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, inter vivos ou mortis causa, quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para sua disponibilidade (art. 172 da Lei 6.015/73). Ou seja, sem o registro da extinção do usufruto, não há direito a ser oposto contra terceiro, assim entendida a Fazenda Pública, não há validade na transmissão por morte, nem disponibilidade do direito para o nu-proprietário. O prazo para a Fazenda Pública constituir o crédito deve ser contado, nos termos do art. 173, I, do CTN, a partir do primeiro dia do exercício seguinte ao registro do cancelamento do usufruto no Ofício Imobiliário. INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA ACOLHIDO; APELO PROVIDO, POR MAIORIA. PREJUDICADA A REMESSA NECESSÁRIA. (Incidente de Assunção de Competência Nº 70071019244, Primeira Turma Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini, Redator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em 13/03/2017).

Considerando a normativa do §3º do art. 947 do CPC15, segundo o qual “o acórdão proferido em assunção de competência vinculará todos os juízes e órgãos fracionários, exceto se houver revisão de tese”, a questão encontra-se pacificada no âmbito desta Corte Estadual, porquanto inegável a eficácia vinculante do julgamento proferido nestes termos.

Nesse sentido, merece destaque a doutrina do reconhecido processualista Daniel Amorim Assumpção Neves1:

(...) O art. 947 do Novo CPV cria mais um incidente processual: o de assunção de competência. Trata-se, na realidade, de significativo aprimoramento da regra consagrada no art. 555, §1º, do CPC/73, em especial com a supressão da cisão do julgamento entre dois órgãos diferentes. No revogado incidente de uniformização de jurisprudência, o órgão pleno fixava a tese e o órgão fracionário julgava o recurso, reexame ou processo de competência originária aplicando-o. No incidente de assunção de competência, o próprio recurso, reexame ou processo de competência originária é encaminhado para o órgão pleno, que terá dupla missão: julgá-los e fixar a tese. Por outro lado, em razão do previsto no §3º do art. 947 do Novo CPC, resta indiscutível a eficácia vinculante do julgamento do incidente, tema que gerava polêmica doutrinária quanto ao julgamento do incidente de uniformização de jurisprudência, previsto no revogado art. 555 do CPC/73.

(...) E o §4º do artigo ora comentado especifica mais uma hipótese de cabimento do incidente ao prever a assunção de competência quanto ocorrer relevante questão de direito a respeito da qual seja conveniente a prevenção ou a composição de divergência entre câmaras ou turmas do tribunal.

A par disso, o objetivo do legislador parece claro: criar um incidente em processos únicos ou raros de alta relevância social, até porque, se houver a multiplicidade de processos com a mesma matéria jurídica, existirão outros instrumentos processuais para se atingir o objetivo do incidente de assunção de competência.

E o objetivo é deixado claro no §3º do dispositivo ora comentado ao prever que o acórdão proferido em assunção de competência vinculará todos os juízes e órgãos fracionários, exceto se houver revisão de tese, reforçando a eficácia vinculante do julgamento já consagrada no inciso III, do art. 927, do Novo CPC. A revisão da tese por meio da técnica conhecida por overruling (superação) só poderá ser realizada pelo próprio órgão que a fixou, sob pena de esvaziamento da eficácia vinculante.

Deste modo, adoto a fundamentação exposta pelo Em. Des. Marco Aurélio Heinz, prolator do voto vencedor, com os acréscimos dos votos proferidos pela Em. Desª. Denise Oliveira Cezar e pelo Des. Ricardo Torres Hermann na ocasião do julgamento do Incidente de Assunção de Competência nº 70071019244, e peço licença para transcrevê-los:

"(...) Des. Marco Aurélio Heinz (REDATOR)

Peço vênia para divergir da eminente Relatora.

Certo, já adotei o posicionamento referido, contudo, no voto divergente quando do julgamento da AC 70068806868, oriundo da 22ª Câmara Cível, modifiquei esse entendimento.

Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre a transmissão ‘causa mortis’ e doação, de quaisquer bens ou direitos (art. 155º, inciso I da CF).

O usufruto é direito real na coisa alheia, temporário. Sua função econômica é assegurar a certas pessoas uma situação patrimonial que lhes proporcione meios de subsistência.

O fato gerador da obrigação tributária é a situação definida em lei como necessária e suficientes à sua ocorrência (art. 114 do CTN).

Conforme explicitado na Constituição Federal e na Lei Estadual, o fato gerador não é a morte do usufrutuário mas a transmissão do bem em razão da morte.

Com clareza o disposto no art. 2º da Lei Estadual n. 8.821/1989, “ o imposto (ITCD) tem como fato gerador ‘a transmissão causa mortis’ e a doação’ a qualquer título”.

No mesmo sentido:

“O imposto de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e direitos a eles relativos tem como fato gerador: II. a ‘transmissão’, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia” (art. 35 do CTN).

Evidente, portanto, que a morte do usufrutuário consolida a propriedade na pessoa do nu-proprietário, mas tal como na constituição do usufruto, só se perfaz (é fato gerador do tributo) com o registro no Cartório de Imóveis, nos termos do art. 1391: “O usufruto de imóveis, quando não resulte de usucapião, constituir-se-á mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis”.

No mesmo sentido o disposto no art. 1.410 do Código Civil, o usufruto extingue-se, cancelando-se o registro no Cartório de Registro Civil,...

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