Acórdão nº 50126414320188210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Criminal, 03-05-2022

Data de Julgamento03 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50126414320188210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001909465
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5012641-43.2018.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Estupro de vulnerável CP art. 217-A

RELATOR: Desembargador JOSE RICARDO COUTINHO SILVA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra J. A. N., com 61 anos de idade à época do fato, dando-o como incurso nas sanções do art. 217-A, c/c art. 226, inc. II, parte final, e art. 61, inc. II, alínea “f”, todos do Código Penal, em concurso material com o art. 217-A, combinado com o art. 226, inc. II, parte final, art. 61, inc. II, alínea “f”, e art. 71, caput, todos do Código Penal, na forma do art. 69, caput, também do Código Penal, pela prática dos seguintes fatos delituosos:

"I — DO ABUSO SEXUAL PEETRADO CONTRA A VÍTIMA A. J. P. M.:

Entre 27 de dezembro de 2017 e 15 de maio de 2018, em dia e horário não especificados nos autos, na Rua Martins de Lima, n.° 1158, Bairro São José, nesta cidade, o denunciado J. A. N. praticou ato libidinoso diverso da conjunção carnal com a vítima A. J. P. M., então com 09 anos de idade (nascida em 27/12/2008 - consoante cópia da carteira de identidade na fl. 293 do procedimento poli f I).

O denunciado J. A. N., então companheiro da tia-avó da vítima (artigo 226, II, parte final, Código Penal), para satisfazer sua lascívia, aproveitando-se de ocasião na qual A. J. realizava visita à sua residência, chamou-a para soltar os cachorros, ficando atrás da ofendida que se inclinou para executar o ato e, então, fez movimentos encostando-lhe o pênis nas nádegas, com fins libidinosos.

O fato acima descrito foi perpetrado sob o prevalecimento de relações de hospitalidade, no curso de visita, sendo que o denunciado se utilizou de tal acesso e proximidade à vítima para cometer a conduta delituosa (artigo 61, II, "f", Código Penal).

Em avaliação psíquica perante o DML, foram constatados em A. J. P. M., sintomas compatíveis com a ocorrência de abuso sexual. (Laudo n.° 78312/2016 — fls. 86/90).

II — DOS ABUSOS SEXUAIS PEETRADOS CONTRA A VÍTIMA M. E. P. F.:

Em dias e horários não especificados nos autos, em datas anteriores a 11 de janeiro de 2014, na Rua Martins de Lima, n.° 1158, Bairro São José, nesta cidade, o denunciado J. A. N., em ocasiões diversas, praticou atos libidinosos diversos da conjunção carnal com a vítima M. E. P. F., até os 11 anos de idade (nascida em 12/01/2002 — consoante cópia da carteira de identidade na fl. 293 do procedimento policial).

O denunciado J. A. N., então companheiro da tia-avó da vítima (artigo 226, II, parte final, Código Penal), para satisfazer sua lascívia, oferecia-lhe valores monetários e presentes para a criança mostrar-lhe as partes íntimas e deitar-se em sua companhia em uma cama, bem como a abraçava por trás esfregando-se no corpo da ofendida, com fins libidinosos.

Os fatos acima descritos foram perpetrados sob o prevalecimento de relações de hospitalidade, no curso de visitas, sendo que o denunciado se utilizou de tal acesso e proximidade à vítima para cometer a conduta delituosa (artigo 61, II, "f", Código Penal).

Em avaliação psíquica perante o DML, foram constatados em M. E. P. F., sintomas compatíveis com a ocorrência de abuso sexual. (Laudo n.° 76860/2018 — fls. 59/62)".

A denúncia foi recebida em 01/11/2018 (Evento 3, doc. OUT-INSTPROC10, fl. 25, dos autos originários).

Citado (Evento 3, doc. OUT - INSTPROC10, fls. 32/33, dos autos originários), o acusado apresentou resposta escrita à acusação através de defensor constituído (Evento 23, doc. OUT – INST PROC1, fls. 03/09, dos autos originários).

Durante a instrução, foram ouvidas as vítimas, as testemunhas e interrogado o réu (Eventos 11, 44 e 62 dos autos originários).

Convertido o debate oral em memoriais, foram esses apresentados nos Eventos 66 e 69 dos autos originários.

Sobreveio sentença, considerada publicada em 03.08.2021 (Evento 71 dos autos originários), julgando procedente a ação penal para condenar o réu como incurso nas sanções do art. 217-A, caput, do Código Penal, à pena de 12 anos de reclusão, e nas sanções do art. 217-A, caput, c/c o art. 71, caput, ambos do Código Penal, à pena de 16 anos, 02 meses e 12 dias de reclusão, totalizado, diante do concurso material de crimes, a pena de 28 anos, 02 meses e 12 dias de reclusão, em regime inicial fechado (Evento 71 dos autos originários).

Irresignada, a defesa do acusado interpôs apelação arguindo, preliminarmente, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, diante da ausência dos depoimentos das vítimas, testemunhas e interrogatório do réu nos autos. No mérito, pediu a absolvição do acusado, alegando a insuficiência probatória, resumindo-se aos relatos inconsistentes e contraditórios das vítimas e aos laudos de Avaliação Psíquica Infantil, sem contexto completo e verdadeiro. Referiu a existência de divergências entre os depoimentos das testemunhas, membros da família, em razão de uma suposta herança. Aduziu a ausência de materialidade tecnicamente atestada, em razão das condutas denunciadas não se mostrarem aptas a deixar vestígios materiais aferíveis por meio de perícia. Referiu que, em relação à vítima M. E., os fatos foram expostos em razão de uma publicação realizada pelo apelante no Facebook e que, após, as alegações tomaram rumos que não poderiam mais ser desmentidas. Referiu que, em um primeiro momento, M. E. relatou que os abusos ocorreram até um dia de fazer 12 anos e posteriormente em outro momento que foi até os 13 anos, busca situações que não foram sequer comentadas a autoridade policial, em entrevista gravada, diz que desde que se conhece possui tendências suicidas. Ou seja possui desde muito cedo e após a rejeição de sua mãe e abuso por seu padrasto condição desestruturada familiarmente e psicologicamente. Ainda, referiu que a vítima, apenas, relatou o ocorrido após sua prima, A. J. ter narrado o primeiro fato narrado na denúncia a familiares. Subsidiariamente, postulou o afastamento da continuidade delitiva entre os delitos praticados contra a vítima M. E.. Alegou que a ausência dos áudios e vídeos dos depoimentos das vítimas cerceou, não somente, a defesa, mas, também a Promotora de Justiça, eis que, na solenidade, estava presente outro membro do parquet. Quanto à pena, pediu, de forma genérica, sua redução e a alteração do regime inicial de cumprimento, considerando a idade avançada do acusado, quase 70 anos, e que o mesmo possui problemas de saúde (Evento 84 dos autos originários).

O Ministério Público apresentou contrarrazões (Evento 89 dos autos originários).

Em parecer, a Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do apelo (Evento 16 destes autos).

Esta Câmara adotou o procedimento informatizado e foi observado o artigo 613, inciso I, do Código de Processo Penal.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Preliminar.

De início, quanto à alegação de nulidade da sentença por cerceamento de defesa, diante da ausência dos depoimentos das vítimas, testemunhas e interrogatório do réu nos autos, adianto que não assiste razão à defesa.

Em consulta ao sistema eletrônico, verifica-se que o processo originário tramitou, inicialmente, em meio físico, sendo, posteriormente, digitalizado e migrado para o sistema EProc.

Assim, como se verifica, as mídias respectivas, contendo os depoimentos colhidos (Eventos 11 e 62 dos autos originários), estão inclusas nos documentos associados ao processo no sistema Eproc, as quais podem ser localizadas acessando os autos eletrônicos do processo de origem e, lá, clicando na "caixinha" ao lado do item processos relacionados.

Portanto, acessível às partes os depoimentos das vítimas, testemunhas e interrogatório do réu, não há falar em cerceamento de defesa.

Ausente nulidade, rejeito a preliminar.

No mérito, a materialidade e a autoria delitivas foram bem analisadas, pela ilustre Juíza de Direito, Dra. Daniela Azevedo Hampe, ao proferir a sentença, não sendo verificada qualquer inovação em sede de apelação em relação aos pontos analisados em primeiro grau, pelo que adoto seus fundamentos para evitar inútil tautologia, exceto em relação ao primeiro fato descrito na denúncia, como se verá a seguir (Evento 71, doc. SENT1, dos autos originários):

"(...)

A materialidade dos fatos descritos na exordial, os quais se consubstanciaram em atos libidinosos diversos da conjunção carnal, não costumam deixar vestígios materiais aferíveis por meio de perícia.

Nestas hipóteses, a prova da materialidade pode ser extraída através da palavra das vítimas, cujo valor probatório é altamente significativo neste tipo de delito, mormente quando se tem em conta que este, por sua própria natureza, é praticado às escondidas, sem testemunhas e sem vestígios.

Ademais, por certo que o ilícito do art. 217-A, do Código Penal, implica alterações e traumas psíquicos nas ofendidas, capazes de revelar a ocorrência do delito. Tais vestígios traumáticos podem ser demonstrados por avaliação psíquica e prova oral, configurando-se meio probatório da materialidade delitiva.

Assim, passa-se à análise do conjunto probatório produzido.

A materialidade dos delitos de estupro de vulnerável resta demonstrada pelas avaliações psíquicas das vítimas (Evento 3 – OUT – PROC3 – p. 39/46 e Evento 03 – OUT – PROC4 – p. 45/54) e pela prova testemunhal produzida em juízo.

Em relação à autoria, muito embora negada pelo acusado, demonstra-se incontestável diante da prova colhida ao feito.

Em seu interrogatório judicial, o réu J. A. N. relatou que os fatos nunca aconteceram, tendo ficado surpreso quando soube da denúncia. Mencionou que ninguém da família utiliza drogas e que sempre buscou ajudar os familiares, razão pela qual ficou...

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