Acórdão nº 50131045020218210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Quarta Câmara Cível, 23-06-2022

Data de Julgamento23 Junho 2022
ÓrgãoDécima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50131045020218210010
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002255042
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

14ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5013104-50.2021.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

RELATOR: Desembargador MÁRIO CRESPO BRUM

APELANTE: ELIANE CASTANHA (AUTOR)

APELADO: BANCO DIGIMAIS S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por ELIANE CASTANHA em face da sentença que, nos autos da ação de revisão de cláusulas contratuais ajuizada contra BANCO DIGIMAIS S.A., julgou parcialmente procedentes os pedidos deduzidos na inicial, com o seguinte dispositivo (evento 50):

Assim, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação revisional ajuizada por ELIANE CASTANHA contra BANCO DIGIMAIS S.A., para:

1) determinar a revisão do(s) contrato(s) objeto(s) dos autos para:

- limitar os juros remuneratórios à taxa média de mercado, para o mês da contratação, permitida a capitalização, na forma da fundamentação.

2) descaracterizar a mora, razão pela qual o bem deve ficar na posse da parte autora e seu nome não deve ser negativado, ao menos enquanto não apurado o valor efetivamente devido;

3) condenar a parte ré a compensar o débito com o crédito da parte autora decorrente desta revisão, corrigindo-se monetariamente cada pagamento a maior pelo IGP-M, com juros moratórios de 1% ao mês desde a citação e, remanescendo saldo credor em favor da parte autora, os valores deverão ser restituídos, na forma simples, com a mesma forma de atualização monetária e juros determinados na compensação;

4) rejeitar os demais pedidos, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

Condeno cada uma das partes ao pagamento de 50% das custas processuais, além de honorários advocatícios ao procurador da parte contrária, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa. Suspensa a exigibilidade da parte autora em tendo havido o deferimento da AJG.

Interposta apelação, intime-se a parte adversa para contrarrazões no prazo legal. Com a juntada das contrarrazões, remetam-se os autos ao Tribunal de Justiça.

Após o trânsito em julgado, subsistindo crédito em favor de uma das partes e/ou de seus procuradores, o cumprimento de sentença deverá ser promovido em procedimento eletrônico apartado, indicando-se o processo principal ao qual deve ser vinculado., conforme orientação posta no Ofício-Circular nº 077/2019-CGJ, item “6”.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Em suas razões (evento 55), defende a consumidora a ilegalidade das tarifas de cadastro, avaliação do bem e registro, bem como do valor exigido a título de seguro, os quais totalizam a quantia de R$ 2.235,41 (dois mil, duzentos e trinta e cinco reais e quarenta e um centavos). Ainda, refere ser igualmente ilegal a cobrança do IOF de forma parcelada. Requer a condenação da instituição financeira à repetição, em dobro, dos valores cobrados a maior. Pede, assim, a reforma da sentença.

A instituição financeira apresentou contrarrazões (evento 60).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

Foram observadas as formalidades dos artigos 931 e seguintes do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado nesta Corte.

É o relatório.

VOTO

A discussão devolvida a esta Corte cinge-se aos seguintes tópicos: (a) tarifas de cadastro, registro e avaliação; (b) seguro prestamista; (c) IOF; e (d) devolução de valores.

Passo ao exame das questões suscitadas.

Inicialmente, destaco que os contratos de financiamento de veículo com cláusula de alienação fiduciária encontram-se sujeitos às disposições do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), consoante orientação jurisprudencial consolidada e descrita na Súmula 297 do Egrégio STJ:

O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

De tal sorte, mostra-se possível a revisão das cláusulas abusivas, com consequente flexibilização do princípio pacta sunt servanda e do ato jurídico perfeito.

No que se refere à cobrança de tarifas administrativas, ressalto que o Egrégio STJ, ao apreciar o REsp n. 1.251.331/RS, submetido ao regime dos recursos repetitivos, assim dispôs:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. DIVERGÊNCIA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/2001. RECURSOS REPETITIVOS. CPC, ART. 543-C. TARIFAS ADMINISTRATIVAS PARA ABERTURA DE CRÉDITO (TAC), E EMISSÃO DE CARNÊ (TEC). EXPRESSA PREVISÃO CONTRATUAL. COBRANÇA. LEGITIMIDADE. PRECEDENTES. MÚTUO ACESSÓRIO PARA PAGAMENTO PARCELADO DO IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES FINANCEIRAS (IOF). POSSIBILIDADE.

(...)

9. Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC:

- 1ª Tese: Nos contratos bancários celebrados até 30.4.2008 (fim da vigência da Resolução CMN 2.303/96) era válida a pactuação das tarifas de abertura de crédito (TAC) e de emissão de carnê (TEC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador, ressalvado o exame de abusividade em cada caso concreto.

- 2ª Tese: Com a vigência da Resolução CMN 3.518/2007, em 30.4.2008, a cobrança por serviços bancários prioritários para pessoas físicas ficou limitada às hipóteses taxativamente previstas em norma padronizadora expedida pela autoridade monetária. Desde então, não mais tem respaldo legal a contratação da Tarifa de Emissão de Carnê (TEC) e da Tarifa de Abertura de Crédito (TAC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador. Permanece válida a Tarifa de Cadastro expressamente tipificada em ato normativo padronizador da autoridade monetária, a qual somente pode ser cobrada no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira.

(...)

10. Recurso especial parcialmente provido.

(REsp 1251331/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28/08/2013, DJe 24/10/2013)

Na hipótese em tela, o financiamento restou contratado em julho de 2020, prevendo, expressamente, a cobrança da tarifa de cadastro, devendo, pois, ser mantida a sua exigência. Todavia, impõe-se a limitação do valor cobrado (R$ 1.030,00) à média de mercado apurada pelo BACEN à época da contratação (R$ 582,00), porquanto ultrapassa a margem de tolerância adotada por esta Câmara à aferição da abusividade de outros encargos (até 50% superior à referida média).

No que diz respeito à validade da cláusula que prevê o ressarcimento de despesa com o registro do contrato, consigno que o Egrégio STJ, ao apreciar o REsp n. 1.578.553/SP, submetido ao regime dos recursos repetitivos, assim dispôs:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. TEMA 958/STJ. DIREITO BANCÁRIO. COBRANÇA POR SERVIÇOS DE TERCEIROS, REGISTRO DO CONTRATO E AVALIAÇÃO DO BEM. PREVALÊNCIA DAS NORMAS DO DIREITO DO CONSUMIDOR SOBRE A REGULAÇÃO BANCÁRIA. EXISTÊNCIA DE NORMA REGULAMENTAR VEDANDO A COBRANÇA A TÍTULO DE COMISSÃO DO CORRESPONDENTE BANCÁRIO. DISTINÇÃO ENTRE O CORRESPONDENTE E O TERCEIRO. DESCABIMENTO DA COBRANÇA POR SERVIÇOS NÃO EFETIVAMENTE PRESTADOS. POSSIBILIDADE DE CONTROLE DA ABUSIVIDADE DE TARIFAS E DESPESAS EM CADA CASO CONCRETO.

1. DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA: Contratos bancários celebrados a partir de 30/04/2008, com instituições financeiras ou equiparadas, seja diretamente, seja por intermédio de correspondente bancário, no âmbito das relações de consumo.

2. TESES FIXADAS PARA OS FINS DO ART. 1.040 DO CPC/2015:

2.1. Abusividade da cláusula que prevê a cobrança de ressarcimento de serviços prestados por terceiros, sem a especificação do serviço a ser efetivamente prestado;

2.2. Abusividade da cláusula que prevê o ressarcimento pelo consumidor da comissão do correspondente bancário, em contratos celebrados a partir de 25/02/2011, data de entrada em vigor da Res.-CMN 3.954/2011, sendo válida a cláusula no período anterior a essa resolução, ressalvado o controle da onerosidade excessiva;

2.3. Validade da tarifa de avaliação do bem dado em garantia, bem como da cláusula que prevê o ressarcimento de despesa com o registro do contrato, ressalvadas a: 2.3.1. abusividade da cobrança por serviço não efetivamente prestado; e a 2.3.2. possibilidade de controle da onerosidade excessiva, em cada caso concreto.

3. CASO CONCRETO.

(...)

4. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

(REsp 1578553/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28/11/2018, DJe 06/12/2018)

No caso concreto, não há prova de que a instituição financeira tenha efetivamente promovido o registro do contrato junto ao órgão de trânsito, não se justificando o repasse do montante despendido com a operação (R$ 163,41), devendo ser reconhecida a abusividade da cobrança e a restituição do montante respectivo, merecendo reforma, no particular, a sentença recorrida.

Na mesma oportunidade (REsp n. 1.578.553/SP), consolidou o Egrégio STJ a sua jurisprudência no sentido da validade da cláusula que prevê o ressarcimento, por parte da consumidora, de despesa com a avaliação do bem financiado, desde que efetivamente demonstrada a prestação do serviço.

No caso sob comento, demonstrou a instituição financeira a efetiva realização do serviço, a partir da juntada do laudo de vistoria...

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