Acórdão nº 50132063620218210022 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 03-03-2023

Data de Julgamento03 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50132063620218210022
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003013517
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5013206-36.2021.8.21.0022/RS

TIPO DE AÇÃO: Seguro

RELATOR: Desembargador GELSON ROLIM STOCKER

APELANTE: MARISAURA MADRUGA BESKOW (AUTOR)

APELADO: CAIXA SEGURADORA S/A (RÉU)

RELATÓRIO

MARISAURA MADRUGA BESKOW interpõe recurso de apelação em face da sentença de improcedência proferida nos autos da presente AÇÃO DE COBRANÇA DE SEGURO DE VIDA ajuizada em desfavor de CAIXA SEGURADORA S/A.

Adoto o relatório da sentença (evento 72), que transcrevo:

MARISAURA MADRUGA BESKOW, já qualificada, ajuizou ação de cobrança contra a CAIXA SEGURADORA S/A, por igual qualificada, alegando, em síntese, que era casada com Rogério Nachtigall Beskow, o qual veio a falecer em 07/03/2011. Disse que efetivaram financiamento habitacional junto à Caixa Econômica Federal, e que seu marido detinha 58,80% do financiamento, sendo que o contrato prevê a amortização ou liquidação total do saldo devedor em caso de morte e invalidez permanente, mas que ao postular a cobertura securitária esta foi negada. Argumentou que ficou responsável pelo pagamento integral do financiamento, mas que não tem renda suficiente para tal despesa. Discorreu sobre o contrato de seguro e aplicação do CDC. Aduziu que por ocasião da contratação não foi solicitado que o segurado se submetesse a qualquer exame médico e que, de fato, teve ele teve uma neoplasia diagnosticada no ano de 2019, mas que passou pelos tratamentos necessários, não sendo portador da doença por ocasião da contratação, e que a causa da morte foi diversa, a saber, insuficiência respiratória. Pugnou pela condenação da ré ao pagamento da indenização contratada, bem como a repetição do indébito dos valores pagos após a morte do segurado. Pediu a concessão do benefício da gratuidade judiciária. Com a inicial, juntou procuração e documentos (evento 1).

Foi deferido à autora o benefício da gratuidade judiciária (evento 3).

Citada eletronicamente (evento 7), a

Citada eletronicamente (evento 8), a requerida apresentou contestação no evento 9, alegando, preliminarmente, que não lhe compete a administração do contrato de mútuo mas, tão somente, a obrigação de cobrir os riscos previstos na apólice, pugnando pela extinção do feito sem resolução do mérito, na forma do art. 485, VI, do CPC. No mérito, discorreu sobre a cobertura securitária nos casos de doença preexistente e o princípio da boa-fé, argumentando que, na hipótese, uma das patologias apontadas como causa da morte do segurado era de seu conhecimento ao tempo da assinatura do contrato de financiamento ocorrido em 26/06/2020. Ressaltou que em exame realizado em 16/09/2019, há diagnóstico do de cujus por adenocarcinoma da esôfago e no boletim de internação do dia 21/09/2019, atestado de neoplasia maligna da porção cervical do esôfago, sendo que por ocasião da contratação do seguro não informou possuir qualquer doença ou situação incapacitante. Dissertou sobre a cláusulas do contrato de seguro entretido entre as partes. Fez considerações sobre o equilíbrio econômico da atividade securitária e a necessidade de interpretação restritiva das cláusulas do contrato de seguro. Pugnou pela improcedência dos pedidos. Juntou documentos.

Houve réplica no evento 12.

Restou afastada a preliminar, invertido o ônus da prova e determinada a intimação das partes para dizer sobre o interesse na produção de outras provas (evento 14), pugnando as partes pelo julgamento antecipado da lide (eventos 18 e 20).

Foi convertido o julgamento em diligências para determinar que a autora qualificasse os médicos que atenderam o de cujus, a fim de possibilitar sua inquirição (evento 24), o que foi atendido no evento 29.

Em audiência foram inquiridas três testemunhas, após o que foi encerrada a instrução (evento 60), tendo a ré apresentado memoriais no evento 62 e a autora permanecido inerte (certidão de decurso de prazo do evento 70).

Veio o processo concluso para sentença.

É O RELATO.

E a sentença assim decidiu em sua parte dispositiva:

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE os pedidos deduzidos na vestibular, extinguindo o feito com resolução do mérito na forma do art. 487, I, do CPC.

Sucumbente, condeno a autora ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios em favor do procurador do réu, que ora arbitro em 10% sobre o valor atualizado da causa, o tempo de tramitação da demanda (ação ajuizada em 12/07/2021), a necessidade de produção de prova oral e o labor zelos do profissional – art. 85, § 2º, do CPC. Fica, no entanto, suspensa a exigibilidade dos ônus sucumbenciais, por estar a autora a litigar sob o amparo do benefício da gratuidade judiciária (art. 98, § 3º, do CPC).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Em suas razões recursais (evento 77), a parte autora alega que de fato, quando da realização do contrato não foi solicitado qualquer realização de exames, bem como, não lhe foi perguntado nada a respeito. Alega que sequer sabia que o contrato questionava quanto a doenças pré-existentes, tanto é, que não marcaram opção alguma na folha 28 do contrato, estando as opções em branco. Argumenta que em se tratando de seguro de vida, não basta a mera alegação do segurador da preexistência de estado de saúde omitido na contratação para o indeferimento da cobertura securitária. Defende que dispensando a seguradora o devido e prévio exame médico, há que se crer na palavra do segurado (ou seus sucessores). Desse modo, caberá àquela provar a má-fé desses. Em caso de dúvida, resolve-se em favor do segurado. Requer seja provido o recurso, reformando a r. sentença, a fim de condenar a seguradora ré ao pagamento da indenização securitária contratada, correspondente a quota-parte do falecido, no importe de 58,8% do valor total financiado e repetição do indébito, referente aos valores que foram pagos após o óbito do segurado, ou, o abatimento do restante do financiamento, além da condenação da ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios.

Dispensada do preparo recursal, por litigar sob o pálio da Gratuidade da Justiça.

Em contrarrazões (evento 81), a parte argui que ao emitir declaração inexata e/ou omitir propositalmente o conhecimento das doenças que possuía, as quais poderiam influenciar na aceitação da proposta ou no valor do prêmio, o contratante agiu com má-fé. Afirma que as cláusulas que determinam as garantias têm redação clara, perfeitamente inteligível para o homem médio. Aduz que é consabido que as referidas cláusulas contratuais encontram permissivo no ordenamento jurídico, isto porque, o artigo 757 do Código Civil é categórico ao permitir a predeterminação dos riscos a serem estipulados no contrato de seguro. Defende que improcedem os pedidos formulados, uma vez que o sinistro decorrente de doença preexistente, não informada na contratação, é risco expressamente excluído do contrato de seguro pactuado. Requer a manutenção da sentença.

Regularmente distribuídos, vieram os autos conclusos a esta Corte.

Registro que foi observado o disposto nos artigos 929 a 946, do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso interposto. Em não havendo preliminares arguidas, passo diretamente ao exame do mérito.

Trata-se de ação de cobrança, ajuizada em razão da negativa de cobertura securitária do seguro de vida contratado, por alegada ma-fé e omissão sobre o estado de saúde do contratante.

Neste viés, resta incontroversa a contratação do seguro de vida pelo de cujus - Rogério Nachtigall Beskow, falecido em 07/03/2011, nos termos da apólice n° 878770863889.2, celebrada em 26/06/2020 (evento 9, OUT5), negada a cobertura indenizatória em razão da alegada doença preexistente.

A causa de morte, nos termos da certidão de óbito, decorreu de insuficiência respiratória aguda, metástases pulmonares e neoplasia maligna de esôfago (evento 6, CERTOBT2).

Sobre a negativa do pedido de indenização, assim se manifestou a parte ré administrativamente (evento 1, INDEFERIMENTO7):

Neste norte, inicialmente, cabe registrar que perfeitamente aplicável ao caso o Código de Defesa do Consumidor, pois há consumidor e fornecedor de serviço, bem como condição de hipossuficiência daquele frente à contrato de adesão.

O contrato ora em comento, foi avençado entre as partes com o objetivo de garantir o pagamento de prêmio ao segurador, cuja contraprestação deste será a de indenizar o segurado na hipótese de ocorrer, no futuro, acontecimento danoso incerto, nos termos dos artigos 757 e seguintes do atual Código Civil, senão vejamos:

Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.

Nos termos do artigo 47 do CDC, as cláusulas contratuais devem ser interpretadas da maneira mais favorável ao consumidor. Portanto, em caso de dúvida na aplicação dos dispostos contratuais de seguro, a ação ou seu recurso, deverão ser julgados de forma a não prejudicar o consumidor, parte hipossuficiente da relação jurídica de consumo.

Deste modo, a teor do art. 54, do Código de Defesa do Consumidor, as cláusulas restritivas, como exclusão de cobertura securitária, devem estar redigidas de forma clara e destacada. In verbis:

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

§ 1° A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato.

§ 2° Nos contratos de adesão admite-se cláusula...

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