Decisão Monocrática nº 50136210220208210039 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, 10-11-2022

Data de Julgamento10 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50136210220208210039
ÓrgãoSétima Câmara Cível
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002940567
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5013621-02.2020.8.21.0039/RS

TIPO DE AÇÃO: Abandono Intelectual

RELATOR(A): Des. CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR C/C NULIDADE DE REGISTRO DE PATERNIDADE. NÃO COMPROVADA SITUAÇÃO DE ABANDONO POR PARTE DA GENITORA OU DESCUMPRIMENTO DOS DEVERES INERENTES. SENTENÇA QUE DESTITUIU O PODER FAMILIAR DA RÉ, REFORMADA. MEDIDA QUE MELHOR ATENDE O INTERESSE DA MENOR.

Caso em que a infante, recém nascida, em meados de 2020, foi encaminhada à abrigo, por força de ordem judicial proferida nos autos de medida protetiva; decisão esta embasada em suspeita, pelo órgão ministerial, de tentativa de adoção "à brasileira" da menor, pela mãe, em favor do pai registral da criança, cujo teste de DNA, posteriormente, veio a dar resultado negativo para a paternidade.

A fastada a suspeita de pretensa realização de adoção ilegal; e evidenciado o interesse e condições da manutenção do poder familiar pela mãe, que já cuida, de forma zelosa, de seus outros 4 filhos, forçosa a reforma da sentença, no ponto em que destituiu o poder familiar da genitora, em face da não configuração das hipóteses previstas no art. 1.638 do Código Civil.

Logo, tratando-se de medida excepcional e irreversível e tendo em conta o melhor interesse da menor, pessoa em desenvolvimento, nascida em 24.06.2020, não obstante já esteja integrada à família substituta, não se mostra prudente a destituição do poder familiar da ré.

Apelação provida.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Trata-se de apelação interposta por FRANCIELE M. DA C. em face da sentença (76 dos autos de origem), que julgou procedente a presente ação de destituição do poder familiar c/c nulidade de registro de paternidade ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, em favor de THAYS R. M., conforme dispositivo abaixo transcrito:

"(...).

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido o pedido veiculado pelo Ministério Público na presente AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR, para o fim de:

a) DESTITUIR a requerida FRANCIELE M. DA C. do poder familiar em relação a filha THAYS R. M., com fulcro nos artigos 1.637 e 1.638, incisos II e IV, do Código Civil e artigos 22 c/c 24 e 129, inciso X, todos da Lei n.º 8.069/90, tornando definitiva a antecipação de tutela deferida;

b) DECLARAR a nulidade do registro de paternidade realizado pelo réu MARCOS H. G. M., referente à certidão de nascimento da criança THAYS R. M., excluindo-se a filiação paterna e, por consequência, a ascendência paterna, nos termos do artigo 113 da Lei de Registros Públicos, tornando definitiva a antecipação de tutela deferida.

Sem condenação ao pagamento de custas processuais, nos termos do disposto no art. 141, §2º, do ECA.

Dispensada a consulta ao CNA, pois a criança já está inserida em família substituta, na modalidade guarda, visando à adoção, com casal habilitado no CNA.

Com o trânsito em julgado, expeça-se mandado de averbação, determinando-se o cancelamento do registro anterior e abertura de novo, com fulcro no art. 10, inc. III, Código Civil c/c art. 47 do ECA.

Certifique-se, oportunamente, o trânsito em julgado no processo de adoção, juntando-se cópia da sentença e de eventual acórdão.

(...)."

Em suas razões recursais (evento 86 dos autos de origem), a recorrente sustenta que a prova colhida durante a instrução processual não é apta autorizar a destituição do poder familiar da genitora, haja vista não ter restado demonstrada qualquer causa autorizadora desta medida tão drástica, inexistindo indicativos de maus-tratos ou omissão nos cuidados da criança, tampouco que a apelante não tenha condições de exercer os cuidados de sua filha ou que sua intenção era de entregar a infante em adoção para o requerido (pai registral) de forma ilegal, como quer fazer crer o Ministério Público. Deixa claro que, neste caso, o demandado, Marcos, havia assumido a paternidade, por acreditar, de forma absoluta, que a menina era sua filha, ante o rápido relacionamento havido com a co-demandada. Assenta, ainda, que os depoimentos prestados em juízo e os documentos acostados aos autos conduzem à conclusão de que o acolhimento da criança foi prematuro e despido de qualquer indicativo empírico de que a infante estaria em risco acaso mantida sob os cuidados de sua genitora, a qual, aliás, possui outros 4 filhos, que se encontram muito bem cuidados.

Lembra que, o que ocorreu, neste caso, foi que, após o nascimento da menor, FRANCIELE enfrentou grave dificuldade, pois, ao sair do Hospital, teve a casa em que residia com os filhos destruída em temporal, tendo de deixar as pressas o imóvel com quatro crianças e ainda em recuperação do procedimento cirúrgico, sendo a família acolhida por um vizinho. Explica que, foi dentro deste contexto que se deu sua entrevista com a assistente social, oportunidade em que ponderou, frente à técnica, que sua filha poderia vir a ficar com o demandado, que jurava ser o pai biológico, até que pudesse, a casa materna, ser reorganizada. Mais, ressalta que, durante todo o período de internação da menina, após o parto, a genitora manteve contato telefônico com o respectivo hospital, para receber notícias da filha. Salienta, inclusive, que não tinha condições de comparecer no nosocômio todos os dias, porque morava longe e estava sem dinheiro.

Assenta, por fim, que as dificuldades financeiras que vem enfrentando não podem autorizar o afastamento materno-filial (situação que está a ocorrer desde o parto e que vem gerando o pouco vínculo entre a mãe e a filha), tampouco constituir fundamento idôneo para a perda do poder familiar

Por estes fundamentos e citando as disposições do art. 19 do ECA e do art. 227 da CF, postula pelo provimento do presente Recurso de Apelação, para fins de restabelecimento do poder familiar da recorrente.

As contrarrazões foram apresentadas no evento 93 dos autos de origem.

Em parecer (evento 8 dos presentes autos), o Ministério Público opina pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

Efetuo o julgamento na forma monocrática, forte no art. 206, XXXVI, do RITJRS, combinado com o art. 932, VIII, do CPC.

A presente apelação merece provimento, observadas as disposições legais e a orientação jurisprudencial a respeito do tema.

No caso, muito embora a presente ação de destituição do poder familiar e nulidade de registro de paternidade tenha sido julgada procedente (para destituir o poder familiar de FRANCIELE M. DA C., genitora da menor, THAYS R.M.; e para declarar a nulidade do registro de paternidade realizado pelo réu, MARCOS H. G. M., referente à certidão de nascimento da criança, excluindo-se a filiação paterna e, por consequência, a respectiva ascendência); o presente recurso, visa, tão somente, o restabelecido do poder familiar, da genitora (única recorrente).

Portanto, não tendo havido recurso contra a parte da sentença que declarou a nulidade do registro de paternidade, limitar-se-á, este julgamento, a analisar as condições de FRANCIELE para exercer seu papel de mãe/responsável em relação à filha THAYS.

Com efeito, a destituição do poder familiar consiste em retirar de algum dos familiares a função ou a autoridade de que era investido pelo conjunto de direitos e deveres que traduzem o dever de criar, educar, cuidar, dar assistência material e emocional, enfim, proporcionar saúde física e psíquica ao filho, para que ele possa ter autonomia e possa ser sujeito de sua própria vida, e, quando os pais deixam de cumprir suas funções, podem ser destituídos do poder familiar, em atenção ao princípio do melhor interesse da criança, servindo também a destituição como instrumento para proteger a formação e desenvolvimento do menor, afastando pai e mãe na hipótese de a gravidade do caso exigir tal providência, conforme lição de Rodrigo da Cunha Pereira, in Dicionário de Direito de Família e Sucessões: ilustrado., p. 226, São Paulo, Saraiva, 2015, observados os arts. 1.634 e 1.638, do Código Civil e 22 e 24, do ECA, ora colacionados:

"Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

I - dirigir-lhes a criação e a educação; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; (Incluído pela Lei nº 13.058, de 2014)

IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. (Incluído pela Lei nº 13.058, de 2014)"

"Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:

I - castigar imoderadamente o filho;

II - deixar o filho em abandono;

III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;

IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.

V - entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de ...

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