Acórdão nº 50139885220218210019 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 04-11-2022

Data de Julgamento04 Novembro 2022
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50139885220218210019
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002741609
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5013988-52.2021.8.21.0019/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador EDUARDO JOAO LIMA COSTA

APELANTE: JACI DA SILVA (AUTOR)

APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

APELADO: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por JACI DA SILVA em relação à sentença que julgou improcedentes os pedidos contidos na ação de cancelamento de desconto, repetição do indébito e dano moral nº 50139885220218210019, contra BANCO BMG S.A. e BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL.

O dispositivo da sentença está assim lançado (evento 41):

Pelo exposto, com fulcro no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, julgo IMPROCEDENTE os pedidos da parte autora.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários do procurador da parte requerida, que fixo em 10% sobre o valor da causa corrigido pelo IGP-M até o pagamento efetivo, considerando o trabalho realizado, consoante as balizadoras do artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil.

Suspendo a exigibilidade dos ônus sucumbenciais, em razão da Assistência Judiciária Gratuita deferida a parte autora.

JACI DA SILVA, em suas razões de apelação, entende inaplicável a regra da Lei nº 14.131/21 que dispõe sobre o limite de desconto consignado, uma vez que deve ser observada a data de assinatura dos contratos, que são anteriores à vigência disposição legal.

Aduz que o ato ilícito ocorreu quando firmados os mútuos, não podendo ser aplicada referida lei.

Sustenta que o valor descontado ultrapassa 30% do que percebe, citando a Lei 10.820/03 e destacando que a verba tem caráter alimentar.

Colaciona jurisprudência.

Requer o provimento do apelo, com julgamento de procedência dos pedidos de repetição do indébito e dano moral.

Ausente preparo pela gratuidade da justiça deferida (evento 8).

Intimadas, as demandadas juntam contrarrazões sem inovarem no debate (eventos 56 e 57).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

O recurso preenche os requisitos da admissibilidade.

FATO EM DISCUSSÃO.

A parte autora, JACI DA SILVA, ingressou com pedido de cancelamento de desconto em razão que contratou com as instituições financeiras demandadas, BANCO BMG e BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, empréstimos cujas parcelas são descontadas na conta corrente e no benefício previdenciário em percentual que supera o permitido legal.

Requereu a limitação em 30%, repetição do indébito e indenização por dano moral.

Afirmou ter contratado empréstimos consignados no valor de R$ 307,57 e de R$ 52,25, além de descontos em conta corrente de R$ 84,24, R$ 80,24 e de R$ 233,28, valores que, somados à rubrica Prestamista RGS de R$ 151,89, não permitem receber valor correspondente ao seu benefício de aposentadoria, conforme exposto na inicial, ipsis litteris:

Salienta-se que junto ao Banco Banrisul, a Autora possui empréstimo consignado no valor mensal de R$307,57 (trezentos e sete reais e cinquenta e sete centavos), empréstimo denominado sob rubrica “EMPREST. BBH” no valo mensal de R$84,24 (oitenta e quatro reais e vinte e quatro centavos) e R$80,26 (oitenta reais e vinte e seis centavos), além de possuir empréstimo com o Banco BMG no valor mensal de R$233,28 (duzentos e trinta e três reais e vinte e oito centavos), sendo estes dois últimos descontados diretamente na conta corrente que mantém junto ao primeiro Réu, conforme extrato de empréstimo consignado do INSS e extrato bancário em anexo.

Além dos descontos consignados em folha, é descontado do benefício de aposentadoria da Autora o valor de R$151,89 (cento e cinquenta e um reais e oitenta e nove centavos) sob a rubrica “PRESTAMISTA RGS”, no valor de R$50,63 (cinquenta reais e sessenta e três centavos) cada rubrica, que somado aos descontos dos empréstimos faz com que a Autora não consiga receber absolutamente NADA de seu benefício de aposentadoria, verba exclusivamente alimentar.

A sentença foi de improcedência dos pedidos.

Somente a parte autora recorreu.

CONTRATOS MANTIDOS ENTRE AS PARTES

A prova dos autos, a partir dos argumentos das partes e contratos anexados, demonstram da existência dos seguintes empréstimos:

Banco BMG

Contrato de Empréstimo Pessoal nº 319045394 (ADE 2819922) firmado em 14/12/2020, no valor de R$ 1.516,78, a ser quitado em 12 parcelas de R$ 346,64 em desconto em conta corrente junto ao Banrisul (evento 26 - 2).

Em razão do endividamento da parte autora passou a vigorar no valor principal de R$ 1.028,07, sendo o liberado R$ 975,02, a ser adimplido em 12 parcelas de R$ 233,28 (evento 26 - 2).

Banrisul

Cédula de Crédito Bancário nº 6454729 firmado em 31/07/2020 no valor de R$ 15.341,91, a ser quitado em 84 parcelas de R$ 307,57, na modalide de empréstimo consignado - RMC (evento 12 - 3).

Seguro Prestamista no valor de R$ 151,89, parcelado em três vezes de R$ 50,63 (evento 12 - 3, fl. 09)

Em relação aos Empréstimos BBH de R$ 84,24 e R$ 80,24 não foram juntados documentos pelas partes, mas considerando que a autora não nega/discute a contratação de mutuo comum é tema periférico da lide.

LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS EM CONTA CORRENTE

A sentença, quanto aos descontos em conta corrente, foi assim fundamentada:

Inicialmente, observo que conforme já destacado na decisão do Evento 08, a jurisprudência tem reavaliado essa questão da limitação, tendendo a reconhecer que a limitação destina-se exclusivamente aos descontos em folha de pagamento ou benefício previdenciário, na medida em que aqueles que ocorrem diretamente na conta-corrente não contariam com a mesma proteção, na medida em que além de voluntariamente autorizados, seriam passíveis de alteração da forma de pagamento pelo devedor.

Aliás, o Superior Tribunal de Justiça, recentemente, firmou tese repetitiva – Tema 1.085 – nos seguintes termos:

São lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários, desde que previamente autorizados pelo mutuário e enquanto esta autorização perdurar, não sendo aplicável, por analogia, a limitação prevista no § 1º do art. 1º da Lei n. 10.820/2003, que disciplina os empréstimos consignados em folha de pagamento.

Destaca-se que a tese reproduz o entendimento que já estava sendo aplicado pela corte:

DESCONTO DE MÚTUO FENERATÍCIO EM CONTA-CORRENTE. AGRAVO INTERNO. JULGAMENTO AFETADO PARA PACIFICAÇÃO NO ÂMBITO DO STJ. DESCONTO IRRETRATÁVEL E IRREVOGÁVEL EM FOLHA E DESCONTO EM CONTA-CORRENTE. HIPÓTESES DIVERSAS, QUE NÃO SE CONFUNDEM. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA LIMITAÇÃO LEGAL AO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. IMPOSSIBILIDADE. CONTRATO DE CONTA-CORRENTE. CARACTERÍSTICA. INDIVISIBILIDADE DOS LANÇAMENTOS. DÉBITO AUTORIZADO. REVOGAÇÃO DA AUTORIZAÇÃO, COM TODOS OS CONSECTÁRIOS DO INADIMPLEMENTO. FACULDADE DO CORRENTISTA, MEDIANTE SIMPLES REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. 1. Em se tratando de mero desconto em conta-corrente - e não compulsório, em folha, que possui lei própria -, descabe aplicação da analogia para aplicação de solução legal que versa acerca dos descontos consignados em folha de pagamento. 2. No contrato de conta-corrente, a instituição financeira se obriga a prestar serviços de crédito ao cliente, por prazo indeterminado ou a termo, seja recebendo quantias por ele depositadas ou por terceiros, efetuando cobranças em seu nome, seja promovendo pagamentos diversos de seu interesse, condicionados ao saldo existente na conta ou ao limite de crédito concedido. Cuida-se de operação passiva, mediante a qual a instituição financeira, na qualidade de responsável/administradora, tem o dever de promover lançamentos. 3. Por questão de praticidade, segurança e pelo desuso do pagamento de despesas em dinheiro, costumeiramente o cliente centraliza, na conta-corrente, todas suas rendas e despesas pessoais, como, v.g., salário, eventual trabalho como autônomo, rendas de aluguel, luz, água, telefone, tv a cabo, cartão de crédito, seguro, eventuais prestações de mútuo feneratício, tarifa de manutenção de conta, cheques, boletos variados e diversas despesas com a instituição financeira ou mesmo com terceiros, com débito automático em conta. 4. Como incumbe às instituições financeiras, por dever contratual, prestar serviço de caixa, realizando operações de ingresso e egressos próprias da conta-corrente que administram automaticamente, não cabe, sob pena de transmudação do contrato para modalidade diversa de depósito, buscar, aprioristicamente, saber a origem de lançamentos efetuados por terceiros para analisar a conveniência de efetuar operação a que estão obrigadas contratualmente, referente a lançamentos de débitos variados, autorizados e/ou determinados pelo correntista. 5. Consoante o art. 3º, § 2º, da Resolução do CMN n. 3.695/2009, com a redação conferida pela Resolução CMN n. 4.480/2016, é vedada às instituições financeiras a realização de débitos em contas de depósito e em contas de pagamento sem prévia autorização do cliente. O cancelamento da autorização referida no caput deve surtir efeito a partir da data definida pelo cliente ou, na sua falta, a partir da data do recebimento pela instituição financeira do pedido pertinente. 6. Com efeito, na linha da regulamentação conferida à matéria pelo CMN, caso não tenha havido revogação da autorização previamente concedida pelo correntista para o desconto das prestações do mútuo feneratício, deve ser observado o princípio da autonomia privada, com cada um dos contratantes avaliando, por si, suas possibilidades e necessidades, vedado ao Banco reter - sponte propria, sem a prévia ou atual anuência do cliente - os valores, substituindo-se ao próprio Judiciário. 7...

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