Acórdão nº 50142279020208210019 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50142279020208210019
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002308962
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5014227-90.2020.8.21.0019/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por Dano Moral

RELATOR: Desembargador JORGE MARASCHIN DOS SANTOS

APELANTE: THAIS KARICIANE LIMA DA SILVA (AUTOR)

APELANTE: BANCO BRADESCO S.A. (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos por THAIS KARICIANE LIMA DA SILVA e BANCO BRADESCO S.A., em face da sentença proferida nos autos da ação de obrigação de não fazer c/c indenização por danos morais, movida pela primeira contra o segundo, cujo dispositivo assim constou:

Em face do exposto, julgo PROCEDENTES os pedidos formulados por THAIS KARICIANE LIMA DA SILVA em face de BANCO BRADESCO S.A., resolvendo o mérito, forte no artigo 487, inciso I, do CPC, para o fim de confirmar a tutela de urgência deferida em parte ao evento 3 e:

a) Obrigar a ré a cessar a realização de cobranças abusivas e vexatórias em desfavor da parte autora, por meio de ligações incessantes e envio de mensagens de texto realizadas ao seu celular, à sua mãe, Maria Eliana de Lima, ao seu tio, Paulo Ricardo de Lima, à sua amiga, Marilene Santos, ao seu trabalho, e, ainda, à sua prima Denise;

b) Condenar a demandada ao pagamento de indenização por danos morais à autora no valor de R$ 1.000,00, corrigido pelo IGP-M a contar da presente sentença e acrescido de juros moratórios de 1% ao mês desde a citação.

Sucumbente, condeno a parte ré a arcar com o pagamento integral das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.000,00 (mil reais), nos termos do art. 85, §§ 2° e 8°, do CPC.

Interposta apelação, dê-se vista ao apelado, pelo prazo de 15 dias (art. 1.010, CPC), para contrarrazões.

Acaso, haja interposição de apelação adesiva, dê-se vista à parte contrária para contrarrazoar, no prazo de 15 dias.

Após, remetam-se os autos ao E. Tribunal, para juízo de admissibilidade (art. 1.010, § 3º, CPC) e, se for o caso, julgamento.

Publique-se, registre-se e intimem-se.

Com o trânsito em julgado, arquive-se.

(Dr. ULISSES DREWANZ GRABNER, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Novo Hamburgo)

Em suas razões, a parte autora postula a reforma da sentença, sob o fundamento de que cabível a majoração da indenização por danos morais. Refere que a quantidade de ligações e mensagens por dia, afetando diretamente a vida profissional e familiar da autora, bem como a dívida está em discussão judicial, tais questões devem ser consideradas para o arbitramento do quantum indenizatório. Justifica que foram mais de trinta ligações diárias. Refere sejam os juros devidos desde a data do evento danoso, nos termos da Súmula 54 do STJ. Requer a majoração dos honorários advocatícios, vez que fixado em patamar irrisório. Pugna pelo provimento do apelo.

Por sua vez, a parte demandada defende que as cobranças não foram enviadas de forma excessiva, vez que em diferentes dias e em datas espaçadas. Justifica que as cobranças foram efetuadas nos telefones fornecidos pela parte autora, revelando que nem todas as ligações podem ser efetuadas por parte do banco. Discorre acerca da cobrança do débito, sendo esta exercício regular do direito do credor. Argumenta que a mera cobrança não gera dano moral. Postula seja autorizada a cobrança, vez que inadimplente a autora. Pugna pelo provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 52 e 53).

Cumpridas as formalidades dos artigos 931 e 935 do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015).

É o relatório.

VOTO

ADMISSIBILIDADE

As partes foram intimadas eletronicamente da sentença no dia 05/10/2021 (eventos 42 e 43). O prazo para interposição do recurso de apelação encerrava-se em 09/11/2021, sendo o recurso interposto pela autora no dia 05/12/2021 (evento 45), dispensado de preparo, e do réu no dia 08/12/2021, devidamente preparado (evento 46). Assim, dentro do prazo recursal previsto no artigo 1003, § 5º, do Código de Processo Civil, qual seja, 15 dias.

RELATO DOS FATOS

Cuida-se de ação de obrigação de não fazer c/c pedido de indenização por danos morais, na qual narra a parte autora que possui um contrato de financiamento com o banco demandado para aquisição de um veículo, todavia, o contrato tornou-se excessivamente oneroso, restando inadimplente. Justifica que, em face da onerosidade excessiva, foi ajuizada ação revisional para discussão da dívida, tombada sob o nº 50065856620208210019, que tramita na 2ª Vara Cível da Comarca de Novo Hamburgo. Refere que, diante da inadimplência, passou a receber cobranças excessivas, chegando em média a trinta ligações diárias. Discorre acerca das cobranças, perturbando seu trabalho e concentração, além de ocorrerem em horários impróprios, sem qualquer respeito a sua intimidade. Afirma que foram realizadas ligações para sua mãe, Maria Eliana de Lima, seu tio, Paulo Ricardo de Lima, sua amiga, Marilene Santos, sua prima, Denise, além do seu local de trabalho. Alega que as cobranças foram direcionadas a terceiros que sequer constam no contrato como garantidores da dívida. Argumenta que realizou reclamação junto ao Procon, a fim de cessar as ligações, sem obter êxito. Justifica que ajuizada ação de busca e apreensão pelo banco. Explana quanto ao dano moral sofrido, diante de cobrança de forma ilícita e abusiva, trazendo-lhe sofrimento e abalo psicológico. Requer sejam cessadas as cobradas em relação à autora e a terceiros, bem como a condenação do banco em danos morais no valor de R$ 15.000,00.

Em sede de contestação, a parte demandada afirma que a autora não comprovou as alegações trazidas na petição inicial. Justifica que O autor não há prova que as ligações e as mensagens de texto partiram da ré ou de seus prepostos, bem como a interferência na execução de seu trabalho. Afirma que não há comprovação de que seus familiares são alvo de cobrança da dívida. Discorre quanto à inocorrência de dano moral, vez que a cobrança é exercício regular do direito. Explana que as cobranças não passaram do limite do tolerável, não passando de mero dissabor. Pugna pela improcedência dos pedidos.

Sobreveio sentença de procedência (evento 41).

Feito um breve relato dos fatos, passo à análise do mérito.

COBRANÇA VEXATÓRIA. DANO MORAL. OCORRÊNCIA.

Como visto, alega a autora, em sua inicial, que, devido à onerosidade excessiva do contrato, não conseguiu quitar os débitos que adquiriu junto ao banco demandado. Afirma que, após isso, passou a receber cobranças insistentes, abusivas e vexatórias, através de ligações, e-mails, mensagens de texto, além de ligações de cobrança para terceiros.

Conforme referido, a pretensão indenizatória se funda na alegada cobrança vexatória, razão pela qual há a necessidade da comprovação do dano, não se tratando de dano moral in re ipsa.

Desta forma, para que se configure o dever de indenizar, devem concorrer, em regra, três requisitos: ação ou omissão culposa, dano e nexo de causalidade entre os primeiros. Nas hipóteses de responsabilidade objetiva, como a presente, dispensa-se prova da culpa, bastando que o prejuízo esteja materialmente ligado à conduta do ofensor.

Cinge-se, portanto, a controvérsia quanto ao dano causado à autora, em razão das referidas cobranças.

Pois bem.

Conforme se observa dos autos, houve abuso de direito do banco quando da realização das cobranças.

O débito é incontroverso, todavia, extrapolados os limites de cobrança pelo banco, na medida em que foram enviados, em razão do débito, 52 SMS e efetuadas 46 ligações à autora1.

Ademais, há demonstração nos autos de envio de mensagem de texto (SMS) a terceiros com a cobrança do débito, no caso, a sua prima Denise que sequer faz parte da relação contratual.

Demonstro (evento 1 - doc. 11, pág. 7):

Logo, a questão autoriza a condenação da demandada em danos morais por cobrança vexatória.

Restou demonstrado nos autos que o ocorrido causou à parte autora transtornos que excederam os limites do tolerável, sendo exposta ao ridículo e submetida a constrangimento2, consoante art. 42 do CPC prevê.

Como mencionado, há provas nos autos da realização da cobrança que extrapolam os limites do tolerável, houve abuso do direito de cobrança pelo banco, diante de ligações excessivas e perante terceiros, restando caracterizado o abalo moral alegado.

Nesse sentido cito, precedentes desta Corte:

RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. COBRANÇA VEXATÓRIA. PEDIDO IMPROCEDENTE. NECESSIDADE DE REFORMA. CONTEXTO PROBATÓRIO APONTA EM COBRANÇA VEXATÓRIA. AUTORES, NA QUALIDADE DE CONSUMIDORES DEVEDORES, TIVERAM SUA DÍVIDA EXPOSTA A TERCEIROS. SITUAÇÃO QUE EXTRAPOLOU A MERA COBRANÇA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS EM CONCRETO. QUANTUM FIXADO EM R$ 2.000,00 PARA CADA AUTOR. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS CORRÉUS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO EM PARTE.(Recurso Cível, Nº 71008779720, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Fabiana Zilles, Julgado em: 27-08-2019) - grifei

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. COBRANÇA VEXATÓRIA. DANO MORAL CARACTERIZADO. QUANTUM. JUROS MORATÓRIOS. TERMO INICIAL. 1. A parte autora logrou comprovar os fatos articulados na exordial, no sentido de ter sido submetida à cobrança vexatória, o que caracteriza a falha na prestação do serviço. 2. Comprovada a falha na prestação do serviço, deve ser responsabilizada a ré pelas reiteradas cobranças indevidas. Conduta abusiva na qual assumiu o risco de causar lesão à autora, mesmo os de ordem extrapatrimonial, daí ensejando o dever de indenizar. 3 No que tange à prova do dano moral, por se tratar de lesão imaterial, desnecessária a demonstração do prejuízo, na medida em que possui natureza compensatória, minimizando de forma indireta as consequências da conduta da ré, decorrendo aquele do...

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