Acórdão nº 50143436020198210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 09-12-2022
Data de Julgamento | 09 Dezembro 2022 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Classe processual | Apelação |
Número do processo | 50143436020198210010 |
Tipo de documento | Acórdão |
Órgão | Décima Nona Câmara Cível |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20003053122
19ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Apelação Cível Nº 5014343-60.2019.8.21.0010/RS
TIPO DE AÇÃO: Usucapião Extraordinária
RELATORA: Desembargadora MYLENE MARIA MICHEL
APELANTE: JUSSARA DE FATIMA HORN (AUTOR)
APELANTE: RENATO HORN (AUTOR)
APELADO: LOTEADORA SERENA VIDA LTDA (RÉU)
APELADO: MUNICÍPIO DE CAXIAS DO SUL (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível interposta por JUSSARA DE FATIMA HORN e RENATO HORN contra sentença de extinção proferida nos autos da Ação de Usucapião em que contende com LOTEADORA SERENA VIDA LTDA e MUNICÍPIO DE CAXIAS DO SUL, conforme dispositivo abaixo transcrito:
Diante do exposto, com fulcro no art. 485, inciso VI, do CPC, JULGO EXTINTA a presente ação de usucapião.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais, bem como dos honorários advocatícios em favor do procurador do Município, que fixo em 10% sobre o valor da causa, nos termos do que dispõe o art. 85 do CPC, valor que deverá ser corrigido, até a data do efetivo pagamento, pelo IPCA-E.
Suspensa a exigibilidade do pagamento, por serem beneficiários da gratuidade judiciária.
Nas razões recursais (evento 170 da origem), os apelantes afirmam ter adquirido o lote registrado sob a matrícula nº 93.736 do Registro de Imóveis da 2ª Zona da Comarca de Caxias do Sul, localizado no Loteamento Recante Verde, por intermédio de contrato particular de promessa de compra e venda celebrado em 2002 com LOTEAMENTO RECANTO VERDE LTDA., antiga denominação da apelada LOTEADORA SERENA VIDA LTDA. Asseveram que em diversas oportunidades tentaram obter a escritura pública de compra e venda extrajudicialmente, mas não lograram êxito. Alegam que a promitente vendedora alterou a sua denominação e mudou a sua sede pda Curitiba/PR. Afirma que, embora o contrato indique que o imóvel possui área superficial de 440m², a matrícula e o levantamento topográfico demonstram que, na verdade, possui 400m². Narram ter edificado a sua residência no imóvel, onde residem até os dias atuais. Discorrem sobre o trâmite processual. Tecem considerações sobre a legitimidade e o interesse processual e argumentam que "nem adequação, tampouco necessidade devem ser obstáculos para que o litigante seja afastado do Poder Judiciário, pois a própria norma constitucional veda tal prática". Alegam que, no caso em apreço, "a legitimidade está evidenciada na posse e uso do imóvel usucapiendo pelos recorrentes há mais de vinte anos, com animus domini pois que dispensaram todos os cuidados necessários à preservação e manutenção do imóvel, no qual construíram sua residência e fixaram seu lar, de forma pacífica, ininterrupta, e sem oposição". Defendem que, evidenciados os requisitos previstos em lei, deve ser declarado o domínio pela usucapião. Argumentam que nã é possível a aquisição da propriedade imobiliária pelo registro do título pelo fato de: i) a área indicada na matrícula não coincidir com a do contrato; ii) o imóvel estar precariamente descrito no contrato, sequer mencionando a matrícula correspondente; iii) houve alteração do lote e da quadra do imóvel; iv) houve alteração na razões social e da sede da promitente vendedora; e v) não houve entrega formal do loteamento ao Município de Caxias do Sul. Pondera que "cabe à parte autora o direito de escolher a via pela qual deduzirá sua pretensão em juízo (princípio dispositivo)" e que "Indicado o benefício a ser alcançado, não se justifica a extinção do processo por falta de interesse e/ou inadequação da via eleita". Discorre sobre a aquisição derivada e originária da propriedade. Requer o provimento do recurso.
O MUNICÍPIO DE CAXIAS DO SUL apresentou contrarrazões (evento 173 da origem) afirmando que os apelantes adquiriram o imóvel litigioso por intermédio de promessa de compra e venda, o que afasta o interesse para aquisição originária do direito de propriedade pela usucapião. Assevera que "a solução a ser adotada no caso vincula a propositura de adjudicação compulsória para obtenção de escritura pública de compra e venda, na medida que eventual recusa ou impedimento do vendedor será suprida por decisão judicial". Tece considerações sobre a possibilidade de os apelantes se valerem de ação de adjudicação compulsória para obter a propriedade imobiliária e que o manejo de ação de usucapião tem o escopo de afastar a tributação incidente sobre a aquisição imobiliária e o procedimento registral ordinário. Requer o desprovimento do recurso.
Remetidos os autos a esta Egrégia Corte, o recurso foi distribuído.
Nesta instância recursal, o Ministério Público opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 12).
Vieram conclusos para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Eminentes Colegas
Conheço do recurso, porquanto preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade aplicáveis à espécie.
Cuida-se de Ação de Usucapião proposta por JUSSARA DE FATIMA HORN e RENATO HORN, ora apelantes, em face de LOTEADORA SERENA VIDA LTDA., ora apelada, visando à aquisição da propriedade imobiliária do lote urbano nº 5, da quadra A, do Loteamento Recanto, localizado em Caxias do Sul/RS, registrado sob a matrícula nº 93.736 do Registro de Imóveis da 2ª Zona daquela Comarca.
Em apertada síntese, afirmam ter adquirido o imóvel em comento por intermédio de contrato de promessa de compra e venda celebrado com LOTEAMENTO RECANTO VERDE, antiga denominação da apelada LOTEADORA SERENA VIDA LTDA., em 26/12/2022, mas que, apesar dos esforços extrajudiciais empreendidos, não lograram êxito em obter a escritura pública de compra e venda.
Conforme relatório supra, a sentença extinguiu o feito sem julgamento de mérito pela ausência de interesse processual.
Sem preliminares a apreciar, passo diretamente ao exame do mérito recursal.
1. Interesse Processual:
Dispõe o art. 17 do CPC que "Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade".
A respeito do interesse processual, Humberto Theodoro Júnior1 ensina que:
A primeira condição da ação é o interesse de agir, que não se confunde com o interesse substancial, ou primário, para cuja proteção se intenta a mesma ação. O interesse de agir, que é instrumental e secundário, surge da necessidade de obter por meio do processo a proteção ao interesse substancial. Entende-se, dessa maneira, que há interesse processual 'se a parte sofre um prejuízo, não propondo a demanda, e daí resulta que, para evitar esse prejuízo, necessita exatamente da intervenção dos órgãos jurisdicionais'.
Localiza-se o interesse processual não apenas na utilidade, mas especificamente na necessidade do processo como remédio apto à aplicação do direito objetivo no caso concreto, pois a tutela jurisdicional não é jamais outorgada sem uma necessidade, como adverte Allorio. Essa necessidade se encontra naquela situação 'que nos leva a procurar uma solução judicial, sob pena de, se não o fizermos, vermo-nos na contingência de não podermos ter satisfeita uma pretensão (o direito de que nos afirmamos titulares)'.(...)
O interesse processual, em suma, exige a conjugação do binômio necessidade e adequação, cuja presença cumulativa é sempre indispensável para franquear à parte a obtenção da sentença de mérito. Assim, não se pode, por exemplo, postular declaração de validade de um contrato se o demandado nunca a questionou (desnecessidade da tutela jurisdicional), nem pode o credor, mesmo legítimo, propor ação de execução, se o título de que dispõe não é um título executivo na definição da lei (inadequação do remédio processual eleito pela parte).
Por se tratar de condição da ação, o interesse processual, assim como a legitimidade ad causam, deve ser aferido a partir da Teoria da Asserção, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL. CONTRATO DE CESSÃO DE DIREITOS FEDERATIVOS. JOGADOR DE FUTEBOL. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. INTERESSE DE AGIR. TEORIA DA ASSERÇÃO. BOA-FÉ OBJETIVA. SUPRESSIO. MULTA COMINATÓRIA. REEXAME DE ACERVO FÁTICO PROBATÓRIO. REINTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. INADMISSIBILIDADE.
1. A jurisprudência do STJ está consolidada no sentido da aplicação da teoria da asserção, segundo a qual o interesse de agir deve ser avaliado in status assertionis, quer dizer, tal como apresentado na petição inicial.
2. Como é cediço na jurisprudência do STJ, o instituto da supressio indica a possibilidade de redução do conteúdo obrigacional pela inércia qualificada de uma das partes, ao longo da execução do contrato, em exercer direito ou faculdade, criando para a outra a legítima expectativa de ter havido a renúncia àquela prerrogativa.
3. A partir da leitura do acórdão recorrido, percebe-se a insuficiência da prova da ocorrência da supressio, ocorrendo apenas uma maior demora para a exigência do cumprimento da cláusula, mas que é incapaz de gerar sua derrogação com fundamento na boa-fé objetiva. Assim, alterar esse entendimento exigiria inexoravelmente o reexame de matéria fático-probatória, bem como reinterpretar cláusulas do contrato celebrado entre as partes, o que é obstado pelas Súmulas 5 e 7 do STJ.
4. A revisão dos valores da multa cominatória enseja o remanejo do acervo probatório, o que vedado na via estreita do recurso especial, nos termos da Súmula 7 do STJ.
5. Agravo interno não provido.
(AgInt no REsp 1841683/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/09/2020, DJe 24/09/2020)
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO (ART. 1.042 DO CPC/15) - AÇÃO CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DO RÉU.
1. Este Superior Tribunal pacificou o entendimento pela adoção da teoria da asserção para aferir a presença das condições da ação, bastando, para tanto, a narrativa formulada na inicial, sem necessidade de incursão...
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