Acórdão nº 50144129220198210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sétima Câmara Cível, 29-01-2021

Data de Julgamento29 Janeiro 2021
ÓrgãoDécima Sétima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50144129220198210010
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20000439856
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

17ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5014412-92.2019.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Usucapião Extraordinária

RELATORA: Desembargadora LIEGE PURICELLI PIRES

APELANTE: CARMO EBERHARDT (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação contra sentença que julgou extinta ação de usucapião por falta de interesse processual, nos seguintes termos:

Constou na petição inicial do EVENTO 1:

O Autor adquiriu o imóvel, objeto da presente usucapião, e abaixo descrito, mediante contrato particular, não localizado até o momento, em meados de 2.008. Ressalta-se que desde esta época, a conta da taxa de água já está em nome do Autor (anexo V). Assim, o prazo legal de 10 (dez) anos foi superado com folga. Outrossim, a posse do Autor ao longo destes anos sempre foi mansa e pacifica, ininterruptamente, com animus domini, sem sofrer qualquer tipo de oposição de quem quer que seja.

|Constou na petição do EVENTO 55:

Em atendimento ao postulado pelo Parquet, o Autor diligenciou junto à vendedora do imóvel usucapiendo, Sra. Diva Terezinha Suarez, de modo que lhe fora fornecida cópia do “Contrato de Compra e Venda de Bem Imóvel”, com as devidas assinaturas. Justo título este, pelo qual adquiriu o imóvel usucapiendo, ainda no ano de 2008 (anexo I).

Com efeito, neste quadro, o feito deve ser extinto, sem apreciação do mérito. Ocorre que não se está diante de aquisição originária, mas, sim, aquisição derivada de contrato de compra e venda. Logo, não é possível a utilização do meio da ação de usucapião.

Na Comarca de Caxias do Sul está ocorrendo, desde o último ano, uma enxurrada de ações de usucapião, com objetivo de regularização de imóveis sem que sejam observadas as normas administrativas e o recolhimento dos impostos; como meio fácil e barato de regularização, o que não pode ser permitido pelo Poder Judiciário.

Nesse sentido, cumpre registrar que o usucapião não é sucedâneo para a regularização de negócios jurídicos mal entabulados e desprovidos de todas as características legais exigidas para sua caracterização. Ademais, considerando que se cuida de forma originária de aquisição da propriedade, prescindindo do pagamento do respectivo Imposto de Transmissão de Bens Imóveis – ITBI -, também não pode ser utilizado como forma de burlar o Fisco, quando a efetivação da medida pode e deve ser resolvida de outra forma.

Com efeito, a parte autora carece de interesse processual para o ajuizamento da presente demanda, uma vez que informou ter adquirido o imóvel em questão por meio de contrato de promessa de compra e venda. Cuidando-se de aquisição derivada e não originária, não é passível de usucapião!

Observa-se que tal informação consta na peça portal e é corroborada pelo contrato particular acostado ao processo. A legislação civil é clara ao estabelecer que o usucapião, forma originária de aquisição da propriedade móvel ou imóvel, depende da comprovação de requisitos formais e materiais, quais sejam: posse pacífica, ininterrupta, pública, com animus domini e munida de boa-fé. No caso em tela, embora não iniciada a fase instrutória, observa-se, de pronto, que a parte autora não logrará êxito em comprovar tais requisitos.

Assim considerado, apesar de a parte autora alegar estar residindo no local, como se donos fossem, há mais de dez anos, tal fato não lhes dá legitimidade para a propositura da presente demanda, pois sua “entrada” no imóvel decorreu de contrato anterior, de promessa de compra e venda, não se cuidando, portanto, de posse ad usucapionem. Esta situação os deslegitima para o pleito, o qual deve ser extinto, sem resolução de mérito, devendo a parte autora ajuizar demanda própria para resolver a titulação do imóvel em questão e, se for o caso, obter a escritura pública pretendida.

A parte autora não possui posse originária, mas, sim, derivada de contrato. Logo, a solução para regularização não passa por ação de usucapião, mas, sim, de ação contra o vendedor para outorga de escritura. Devem buscar a solução na via adequada e quitar os impostos inerentes.

DIANTE DO EXPOSTO, sem delongas, julgo EXTINTA a presente ação de USUCAPIÃO, ajuizada por CARMO EBERHARDT, por falta de interesse processual e inadequação da via eleita, nos termos do artigo 485, VI, do Código de Processo Civil.

Custas pela parte autora, ficando suspensa a exigibilidade, em face do benefício da gratuidade de justiça.

Irresignada, apelou a parte autora (Evento 80). Em suas razões, postula a reforma da sentença, pois o o usucapião é procedimento de aquisição originária da propriedade, independentemente de qualquer ato negocial, no qual o judiciário declara por sentença a aquisição do domínio. Explica ter adquirido o imóvel no ano de 2008, ou seja, há mais de dez anos, preenchendo os requisitos para o acolhimento do usucapião extraordinário privilegiado no tempo. Aduz que a existência de contrato de compra e venda serve apenas para comprovar a efetiva aquisição por parte do possuidor, tratando-se de justo título. Escolheu corretamente o remédio jurídico para resguardar a sua pretensão, havendo nítida confusão entre a via aquisitiva por escritura pública e a abertura de nova matrícula no Registro de Imóveis por meio de ação de usucapião. Refere que não seria possível exigir a outorga de escritura pública de compra e venda em seu favor ou mover ação de adjudicação compulsória, uma vez que a área objeto da lide faz parte de um todo maior dentro da matrícula, de modo que caberia ao proprietário promover a completa regularização de dita gleba para, depois, viabilizar a transferência por meio de escritura pública ou mediante adjudicação compulsória. Ainda que fosse possível a adjudicação compulsória com fundamento na promessa de compra e venda, ainda assim teria o possuidor a ação de usucapião, com fundamento na posse, a fim de obter a propriedade. Entende que a existência de contrato de compra e venda não é óbice ao usucapião, servindo inclusive para diminuir o prazo exigido por lei para o reconhecimento da prescrição aquisitiva. Menciona entendimento do Superior Tribunal de Justiça que considera o compromisso de compra e venda justo título apto ao usucapião. Ainda que se ventilasse outras possibilidades de regularização da propriedade, a escolha do rito incumbe unicamente à parte postulante. Assevera que faz jus ao usucapião, diante da comprovação do preenchimento dos requisitos legais exigidos e pela existência de justo título, cuja hipótese encontra-se positivada. Requer o provimento do recurso para ser desconstituída a sentença extintiva, com o retorno dos autos à origem para regular tramitação do feito.

Sem contrarrazões, sobreveio parecer do Ministério Público opinando pelo provimento do recurso para desconstituição da sentença.

Cumpridas as formalidades elencadas nos artigos 931, 934 e 935 do Novo Código de Processo Civil.

É o relatório.

VOTO

Por atendimento aos requisitos intrínsecos e extrínsecos de...

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