Acórdão nº 50148694920228210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 24-05-2023

Data de Julgamento24 Maio 2023
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50148694920228210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003753106
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5014869-49.2022.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Furto (art. 155)

RELATOR: Desembargador JONI VICTORIA SIMOES

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O Ministério Público, na Comarca de Porto Alegre, ofereceu denúncia contra JONES ALBUQUERQUE ANTORIA, já qualificado nos autos, imputando-lhe a prática do crime previsto no artigo 155, § 4º, inciso II, do Código Penal, pelo seguinte fato:

No dia 20 de janeiro de 2022, por volta das 13h45min, na Avenida Protásio Alves, nº 6629, Bairro Jardim Carvalho, nesta Capital, o denunciado subtraiu, para si, mediante abuso de confiança, um telefone celular, marca “Apple”, modelo “Iphone”, cor preta, avaliado em R$ 3.797,00 (três mil, setecentos e noventa e sete reais)1 , pertencente à vítima J.A.S.

Na ocasião, o denunciado dirigiu-se ao escritório de advocacia da vítima, localizado no referido endereço, a fim de contratar seu serviço. Durante o atendimento, o acusado, que se apresentava nervoso, solicitou um copo d’água, deixando o local em seguida. Ato contínuo, o ofendido percebeu que seu telefone celular havia sido subtraído, motivo pelo qual pegou seu veículo e passou a perseguir JONES, que havia entrado em uma lotação. Na sequência, a vítima logrou deter o denunciado, que somente devolveu o aparelho após J.A.S. acionar a Brigada Militar.

O denunciado foi preso em flagrante e encaminhado à Delegacia de Polícia.

O bem subtraído foi recuperado, avaliado e restituído.

O denunciado é reincidente, conforme se observa na Certidão Judicial Criminal do evento 03 do IP.

O imputado praticou o delito descrito em epígrafe durante a vigência do Decreto n.º 55.128/2020, editado pelo Governo Estadual em 19 de março de 2020, o qual decretou estado de calamidade pública em todo o território do Estado do Rio Grande do Sul para fins de prevenção e enfrentamento à epidemia causada pelo COVID-19 (novo Corona vírus).

O acusado foi detido em flagrante, tendo sido homologado o respectivo auto e convertida a prisão em preventiva.

Citado, o réu apresentou resposta à acusação, por intermédio da Defensoria Pública.

Não sendo caso de absolvição sumária, seguiu-se à instrução processual, com a oitiva da vítima e de uma testemunha de acusação, e, ao final, o interrogatório do réu.

Ainda, na audiência, realizada em 05/04/2022, foi concedida a liberdade provisória ao acusado.

Encerrada a instrução, as partes ofereceram memoriais escritos.

Sobreveio sentença, julgando PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação penal, para condenar o réu JONES ALBUQUERQUE ANTORIA, como incurso nas sanções do artigo 155, caput, do Código Penal, às penas de 01 ano e 06 meses de reclusão, em regime semiaberto, e 15 dias-multa, à razão unitária mínima. O réu foi condenado, ainda, ao pagamento das custas processuais, cuja exigibilidade restou suspensa. Foi concedida a ele a possibilidade de apelar em liberdade.

Publicada a sentença em 29/06/2022.

O réu foi intimado por edital.

Inconformada, a defesa interpôs recurso de apelação, o qual foi recebido.

Em suas razões, postula a absolvição do réu por insuficiência probatória. Subsidiariamente, requer o reconhecimento da minorante relativa à tentativa. Também pleiteia o afastamento das agravantes da reincidência e de crime praticado durante estado de calamidade pública. Requer, ainda, a modificação do regime de cumprimento de pena para o aberto. Por fim, sustenta a necessidade de afastamento da pena de multa.

Foram apresentadas as contrarrazões.

Os autos foram remetidos ao Tribunal de Justiça e distribuídos a esta Relatoria.

O Ministério Público, em parecer da lavra da Procuradora de Justiça, Dra. Maria Alice Buttini, opinou pelo parcial provimento do recurso, apenas para que seja afastado o reconhecimento da agravante da calamidade pública.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Satisfeitos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso interposto.

A materialidade do crime restou comprovada por meio do registro de ocorrência policial, dos autos de prisão em flagrante e de avalição indireta, bem como pela prova oral coligida.

No que tange à autoria delitiva, com o intuito de melhor elucidar o caso em pauta, transcrevo a precisa síntese dos elementos de prova produzidos ao longo da instrução, realizada pelo Juízo de piso, na sentença vergastada:

(...)

O réu, JONES ALBUQUERQUE ANTORIA, ao ser interrogado, admitiu o fato, afirmando que recebera um convite dos seus tios para ir morar com eles na cidade do Rio de Janeiro. Disse que foi até o escritório da vítima, e como foi tratado com indiferença por ser ex-presidiário, subtraiu o telefone e tomou uma lotação. Confessou que subtraiu propositalmente o telefone celular da vítima, pois viu uma oportunidade para poder explicar a sua situação e obter autorização judicial para poder viajar ao Rio de Janeiro e morar com os seus tios.

(...)

A vítima, J. A.S., ao prestar depoimento em juízo, disse que o acusado foi até seu escritório para esclarecer uma dúvida jurídica. Na sequencia, pediu um copo de água; ao retornar, o réu não estava mais no local, momento em que deu falta de seu aparelho de telefone celular. Pegou seu carro para ir atrás de JONES e o encontrou entrando em uma lotação. Disse que perseguiu o coletivo em que o acusado estava, conseguindo abordá-lo, momento em que solicitou, por três vezes, a devolução do seu telefone celular, sendo negadas todas as vezes pelo réu. Após isso, deteve o acusado e ligou para a Brigada Militar. Teve o telefone restituído pelo acusado, o qual foi levado pelos policiais para a lavratura da ocorrência.

A corroborar o depoimento da vítima, tem-se a narrativa do policial FERNANDO DOS SANTOS SILVA, que, ao prestar depoimento, relatou que foram despachados via DCCI, para atendimento de ocorrência onde um indivíduo estava detido no local pelo furto de um telefone celular. Ao chegar ao local, fizeram contato com a vítima, que explicou a situação, mencionando que havia abordado Jones dentro da lotação e que chamaria a Brigada Militar caso o aparelho não fosse devolvido.

(...)

Como visto, o acusado admitiu a prática delitiva, o que foi, também, confirmado pelos relatos da vítima e do policial que efetuou a sua prisão em flagrante, na posse do aparelho de telefone celular subtraído.

Não há que se falar, portanto, em insuficiência probatória. Aliás, no ponto, veja-se que a defesa nada alega, apenas afirma, vagamente, que as provas não são suficientes para a condenação.

Mantenho, assim, o veredicto de inculpação do réu.

No tocante à tentativa, de pronto, anoto o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria, no sentido de que, para a consumação dos crimes de furto e roubo, basta o desapossamento do bem subtraído (inversão da posse), ainda que seguida de imediata perseguição e recuperação do produto subtraído, não se exigindo posse tranquila, segura ou desvigiada da coisa.

Neste exato sentido, aliás, é o enunciado da Súmula 582 do Superior Tribunal de Justiça, que diz: “Consuma-se o crime de roubo com a inversão da posse do bem mediante emprego de violência ou grave ameaça, ainda que por breve tempo e em seguida à perseguição imediata ao agente e recuperação da coisa roubada, sendo prescindível a posse mansa e pacífica ou desvigiada.”.

Prestigiando o entendimento dos Tribunais Superiores, entendo que a consumação do delito de furto ocorre no momento da inversão da posse da coisa móvel alheia subtraída pelo agente, sendo desnecessário que tal posse seja "mansa e pacífica", bem como que o objeto saia da esfera de vigilância da vítima.

No caso, o réu concretizou o furto quando se apossou do telefone celular da vítima e saiu do escritório de advocacia dele, fugindo do local.

A mera circunstância de que Policiais Militares o prenderam momentos depois do crime, possibilitando, assim, a recuperação do bem subtraído, não torna possível o reconhecimento da forma tentada do fato, eis que, conforme dispõe o texto sumulado supramencionado, a consumação do crime não se descaracteriza com o retorno sucessivo da res à vítima, mesmo quando há perseguição imediata.

Desse modo, vai mantida a forma consumada do delito.

Preservo, portanto, a condenação do acusado pela prática do crime previsto no artigo 155, caput, do Código Penal.

Em seguimento, passo à análise da pena, que foi assim aplicada pelo Juízo a quo:

(...)

APLICAÇÃO DA PENA

A culpabilidade, tida como grau de reprovabilidade da conduta é acentuada, porque praticado o delito no curso da execução penal, conforme consulta de pena realizada nesta data junto ao sistema SEEU, através do processo nº. 0254875-20.2013.8.21.0001. O réu é reincidente, o que será valorado na segunda fase da aplicação da pena. Entretanto, registra outras condenações anteriores ao fato, sendo aqui considerado maus antecedentes. Motivos comuns à espécie. Circunstâncias indignas de nota. Consequências igualmente irrelevantes, porque a vítima teve os bens restituídos. A vítima em nada contribuiu para o delito.

Sopesadas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, fixo...

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