Acórdão nº 50148742620228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 23-06-2022
Data de Julgamento | 23 Junho 2022 |
Classe processual | Agravo de Instrumento |
Número do processo | 50148742620228217000 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Tipo de documento | Acórdão |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20002275909
3ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Agravo de Instrumento Nº 5014874-26.2022.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO: Atividade Política
RELATORA: Desembargadora MATILDE CHABAR MAIA
AGRAVANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA
AGRAVADO: SEGREDO DE JUSTIÇA
RELATÓRIO
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL interpõe agravo de instrumento em face da decisão interlocutória (evento 26, autos originários) que determinou o afastamento de Conselheira Tutelar, sem prejuízo da remuneração, na demanda que move contra VALONIA MELO DE VASCONCELOS SILVA.
Em suas razões, sustenta que Conselheiro Tutelar não é servidor público, mas sim um particular que colabora com a Administração. Alega que cabe à Lei Municipal disciplinar sobre a remuneração dos Conselheiros Tutelares, nos termos do art. 134 da Lei nº 8.069/90. Afirma que, no Município de Passo Fundo, a Lei Municipal nº 4.148/04, em seu art. 30, prevê a aplicação da penalidade de suspensão não remunerada.
Entende que não poderia o juiz de primeiro grau manter a remuneração da agravada aplicando ao caso, analogicamente, legislação pertinente aos servidores públicos. Assevera que há risco de prejuízo ao erário público municipal, já que não há comprovação acerca da capacidade da agravada em ressarcir os valores recebidos durante o seu afastamento.
Requer a antecipação da tutela recursal e o provimento do recurso, para o fim de determinar a suspensão da remuneração da agravada enquanto perdurar o seu afastamento da função de Conselheira Tutelar do Município de Passo Fundo.
A antecipação da tutela recursal foi indeferida (evento 5).
O Município de Passo Fundo se manifestou pugnando pelo provimento do recurso (evento 14).
Foram apresentadas contrarrazões recursais (evento 17).
O Ministério Público opinou pelo provimento do agravo de instrumento (evento 20).
Vieram os autos conclusos.
É o relatório.
VOTO
Eminentes Colegas.
A matéria objeto do presente recurso foi analisada à saciedade na decisão que apreciou o pedido de agregação de efeito suspensivo, razão pela qual a transcrevo:
2. Cuida-se de ação civil pública na qual o Ministério Público busca a destituição de Valônia Melo de Vasconcelos Silva do cargo de Conselheira Tutelar de Passo Fundo, por descumprimento de seus deveres funcionais.
Afirma que a Conselheira foi omissa e negligente em seu dever de proteção a adolescente sob seus cuidados, permitindo que ela permanecesse convivendo com o padrasto abusador sexual, além de ter violado sigilo e exposto a constrangimento a avó paterna da adolescente. Acrescenta já terem sido noticiadas outras 19 irregularidades funcionais em relação à demandada, arquivadas pela Corregedoria do Conselho Tutelar por vício formal.
Requerida a antecipação de tutela para que a Conselheira fosse afastada de suas funções, a magistrada a quo deferiu o pedido, porém sem prejuízo da remuneração da demandada. A decisão restou assim fundamentada (evento 26, autos originários):
Vistos.
O Ministério Público ajuizou Ação Civil Pública na busca da destituição de Valônia Melo de Vasconcelos Silva do cargo de Conselheira Tutelar de Passo Fundo. Sustentou que a Conselheira foi negligente no acompanhamento de uma adolescente, permitindo a sua convivência com o padrasto abusador sexual, situação que cessou somente com o acionamento do MP por unidade básica de saúde e pelo Centro de Referência Especializada de Assistência Social (CREAS). Ressaltou que, após a revelação da omissão, ao mencionar a situação para a mãe da menor, a demandada violou sigilo, expôs a constrangimento a avó paterna da adolescente, a menina e a pessoa ligada à unidade básica de saúde. Frisou que a demanda respondeu processo administrativo por notícia de dezenove irregularidades funcionais, no entanto o expediente foi arquivado pela Corregedoria do Conselho Tutelar por vício formal. Salientou a ausência de idoneidade moral da demandada pra permanecer no cargo. Postulou a procedência do pedido a fim de determinar a destituição definitiva da demandada do cargo de Conselheira Tutelar de Passo Fundo; declarar a inabilitação para futuras eleições para o cargo e a comunicação do Município e ao COMDICA para nomeação de substituto.
Em sede de tutela provisória, requereu o afastamento da demandante do exercício das funções de Conselheira Tutelar, bem como a comunicação da decisão do Município de Passo Fundo e ao COMDICA (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente) para que providenciem a nomeação de Conselheiro Titular Substituto.
É o breve relatório. Passo às razões de decidir.
A tutela provisória de urgência é marcada por três características essenciais: a) a sumariedade da cognição, vez que a decisão se assenta em análise superficial do objeto litigioso e, por isso, autoriza que o julgador decida a partir de um juízo de probabilidade; b) a precariedade, uma vez que a tutela provisória conservará sua eficácia ao longo do processo, podendo ser revogada ou modificada a qualquer tempo (art. 296, caput e parágrafo único, do CPC); c) e, por ser assim, fundada em cognição sumária e precária, a tutela provisória é inapta a tornar-se indiscutível pela coisa julgada (Didier Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 10. Ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015).
De acordo com a redação do artigo 300, caput, do CPC, para a concessão da tutela de urgência mostra-se necessária a presença dos seguintes pressupostos: a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
A probabilidade do direito é aquela que se caracteriza como probabilidade lógica, apurável "da confrontação das alegações e das provas com os elementos disponíveis nos autos", e que leva o juiz a se convencer que o direito é provável (Marinoni, Luiz Guilherme (et al). Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 312).
Conforme assinala Teresa Arruda Alvim Wambier, a probabilidade do direito remete à simplificada fórmula do fumus boni iuris, que implica a verossimilhança das alegações da parte quanto ao direito invocado (Wambier, Teresa Arruda Alvim (et al). Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 498).
O outro requisito da urgência, é o periculum in mora, consistente no perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo caso não antecipados os efeitos da tutela pretendida ao final. Conforme Teresa Arruda Alvim Wambier, exige uma situação crítica, de emergência no que diz com o direito material posto em causa, a justificar o pronunciamento judicial antecipatório (Opus cit, p. 498).
Conforme Luiz Guilherme Marinoni, "a tutela provisória é necessária porque não é possível esperar, sob pena de o ilícito ocorrer, continuar ocorrendo, ocorrer novamente, não ser removido, ou de dano não ser reparado ou reparável no futuro", de forma que a demora comprometa a realização imediata ou futura do direito (Marinoni, Luiz Guilherme (et al). Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 312).
No caso em comento, a tutela de urgência deve ser concedida.
Em sede de cognição sumária, os elementos acostados pelo Ministério Público são suficientes a indicar a verossimilhança da ponderação do parquet ausência de idoneidade moral para exercício do cargo, especialmente, decorrente da conduta desidiosa em relação a caso envolvendo notícia de abuso sexual de menor impúbere e manutenção do convívio da vítima com o suposto agressor, seu padastro, por mais de um ano após a primeira comunicação da violência.
Nesse passo, colaciono alguns trechos do depoimento prestado por uma profissional de unidade de saúde deste município, pessoa responsável pela notícia das agressões ao Ministério Público (evento 01, doc. 02), com base nos relatos da avó paterna da adolescente, que ensejou a instauração do inquérito civil para apurar a conduta da demandada (evento 01, docs. 03 e 11; evento 02, anexo 02).
(...) A depoente a princípio não quis indagar o que era, por não ser sua atribuição, sendo que Maria disse que o caso já estava sendo atendido pelo Conselho Tutelar, e no momento não lembrou o nome da Conselheira responsável. Porém, Maria declinou que não viu esta Conselheira, nas vezes em que veio, tomar nenhuma atitude perante o caso, e que parecia mais que ela era uma amiga de sua ex-nora, mãe da criança, do que uma Conselheira Tutelar. Que ficavam batendo papo, conversando, mas nada relacionado ao que estava acontecendo. Maria disse que toda a noite pegava a neta e a levava consigo com medo que acontecesse novamente o que já acontecera. Pelo que Maria disse, mora atrás da casa da ex-nora. Então Maria passou a relatar coisas referentes ao acontecido, dizendo que não conseguia mais olhar para a cara de Indiara, a mãe, que estava de alguma forma contribuindo e acolhendo o suspeito, de nome Fabiano, dentro de casa, que esperava anoitecer e voltava ao local, o que era o momento em que Maria apanhava a neta e levava para casa. A depoente disse acreditar que a Conselheira Tutelar tinha conhecimento dessa situação, pois Maria relatou que ela já tinha conversado com a Psicóloga que acompanhava Ester a respeito da necessidade de pedir novamente o afastamento do agressor. Segundo Maria, a Psicóloga teria feito contato várias vezes porque Indiara não levava Ester nos atendimentos, tendo sido assinada uma advertência. Pelo que Maria relatou, o agressor nem chegou a sair em definitivo em momento algum, porque eles têm um filho em comum, pequeno, muito apegado ao agressor, que por esse motivo nunca chegou a se afastar, e que a Conselheira Tutelar tinha conhecimento disto, uma vez que Maria chegou a interpelar a genitora Bruna, que...
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