Acórdão nº 50152044620198210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 20-06-2022

Data de Julgamento20 Junho 2022
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50152044620198210010
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002269262
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5015204-46.2019.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Feminicídio (art. 121, §2º, VI e §2º-A)

RELATORA: Juiza de Direito VIVIANE DE FARIA MIRANDA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Na 1ª Vara Criminal da Comarca de Caxias do Sul/RS, o Ministério Público denunciou JOSE WALDEMAR ENGELMAM, com 62 anos de idade na época dos fatos (nascido em 16/6/1957), como incurso nas sanções do artigo 121, § 2º, incisos I, IV duas vezes) e VI, do Código Penal.

É o teor da inicial acusatória (evento 4, DENUNCIA1):

No dia 11 de novembro de 2019, por volta das 13h35min, em via pública, na Rua Avelino José Lôra, próximo à Escolinha Aconchego dos Pequenos, bairro Desvio Rizzo, nesta cidade, por razões da condição de sexo feminino, em situação de violência doméstica e familiar, por motivo torpe e valendo-se de recurso que dificultou a defesa da ofendida, o denunciado JOSÉ W. E. matou a vítima Ereni d. S., mediante disparos de arma de fogo (apreendida na fl. 21 do IP), causando-lhe as lesões descritas no Laudo Pericial nº 173611/2019 (fl. 120 do IP), que aponta como causa da morte “hemorragia interna por ferimento cardíaco produzida por instrumento perfuro contundente”.

O acusado sempre foi abusivo, possessivo e violento em seus relacionamentos amorosos. Antes de iniciar a convivência com a vítima Ereni, JOSÉ W., por diversas vezes, ameaçou de morte e agrediu fisicamente a ex-esposa Salete T. E.. Nesse sentido as ocorrências policiais juntadas nas fls. 48 e 49 do IP.

O comportamento repetiu-se quando JOSÉ W. iniciou a relação com Ereni. Além de agredir fisicamente e ameaçar de morte a companheira, o denunciado também a estuprava, obrigando-a a praticar sexo anal. Nesse sentido as ocorrências policiais juntadas nas fls. 50/52 do IP.

Diante do que vinha sofrendo, Ereni postulou a fixação de medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha (documentos anexos), sendo determinada pelo Juízo “a proibição do agressor de se aproximar da vítima, devendo manter distância não inferior a 200 metros, abstendo-se de manter qualquer tipo de contado com ela, ficando ciente quanto à possibilidade de prisão no caso de descumprimento dessas medidas”.

Ademais, no dia 11 de novembro de 2019, houve audiência judicial na 1ª Vara de Família da Comarca de Caxias do Sul onde foi dissolvida a união estável do casal (documento anexo).

No início da tarde do mesmo dia 11 de novembro, inconformado com a separação, o denunciado foi ao encalço da vítima, encontrando-a dirigindo no bairro em que residia e trabalhava. JOSÉ W., propositalmente, chocou o veículo que conduzia (GM Blazer placas IKX 9718) contra o automóvel de Ereni (Chevrolet Ônix placas IVA 5095), fazendo-a colidir contra o meio-fio, além de ter parado a camionete Blazer atrás do carro da ofendida, impedindo que ela fugisse dali.

Na sequência, agindo com animus necandi, JOSÉ W. desceu da camionete Blazer e disparou com arma de fogo várias vezes na direção da vítima, matando-a. A perícia juntada nas fls. 120/123 do IP demonstra que Ereni “foi alvo de no mínimo cinco projéteis de arma de fogo”, vindo a falecer em virtude de hemorragia interna por ferimento cardíaco.

O crime foi praticado por motivo torpe, pois o denunciado matou a vítima por não aceitar a separação do casal.

O delito também foi praticado mediante recurso que dificultou a defesa da ofendida: a uma, porque o acusado fez manobra com veículo automotor de forma a impedir que a vítima fugisse com o carro que conduzia; a duas, porque o acusado disparou com arma de fogo contra vítima que estava dentro de um carro e não tinha como se defender.

O crime foi praticado contra mulher por razões da condição de sexo feminino, em situação de violência doméstica e familiar (feminicídio).”

No mais, transcrevo, por oportuno, o relatório da sentença de pronúncia, de lavra do nobre Colega a quo, Dr. Sílvio Viezzer, que trouxe à baila os principais eventos da marcha processual (evento 4, SENT25):

Após representação da Autoridade Policial e manifestação ministerial favorável, decretada a prisão preventiva do acusado (fls. 44/47). José W. foi preso em 19/11/2019.

A denúncia foi recebida em 06/12/2019 (fl. 240).

Após a citação, apresentada resposta à acusação (fls. 248/249).

Afastada a absolvição sumária e designada data para audiência de instrução (fl. 250).

Durante a instrução, foram inquiridas as testemunhas CELZIRANE A. B., HERALDO D. O., ADEMAR R. M., RAFAEL G. D. O., MÔNICA D. S. L. R., DIONEIA F. D. S., LEONILDA A. D. O., EVERALDO D. S., ADEMIR E., FELIZBERTO S. M. D. S., JOÃO S. B. D. O., INÊS G., NOEMI S. D. M. e INEZ V. D. S. P. (fls. 281/283) e AMARILDO F.. Ao final, o réu foi interrogado e, ainda, homologada a desistência na inquirição da testemunha ORLANDO A. D. R. (fls. 386/388).

Encerrada a instrução em 09/07/2020, oportunidade em que substituído o debate oral por memoriais escritos, na forma do art. 403, § 3º, do CPP (fls. 386).

Em memoriais, o Ministério Público manifestou-se pela procedência da pretensão acusatória, a fim de que o acusado seja pronunciado pela prática do delito previsto no artigo 121, § 2º, incisos I (motivo torpe), IV (recurso que dificultou a defesa da vítima – duas vezes) e VI (feminicídio), do Código Penal (fls. 424/429).

Por sua vez, a Defesa pugnou pela absolvição sumária do acusado. Em caso de pronúncia, que sejam afastadas as qualificadoras descritas na exordial. Por fim, anexou uma mídia (fls. 431/439).

Sobreveio decisão – prolatada em 07/10/2020 (fl. 449 – não há data de publicação registrada nos autos) – que, com fundamento no artigo 413 do Código de Processo Penal, PRONUNCIOU o réu JOSÉ W. E. como incurso nas sanções do artigo 121, § 2º, inciso I (motivo torpe), inciso IV (recurso que dificultou a defesa da vítima – duas vezes) e VI (feminicídio), do Código Penal, a fim de que seja submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri; não facultado o direito de recorrer em liberdade (evento 4, SENT25).

Em sessão de julgamento realizada em 23/8/2021, esta 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, em acórdão de minha relatoria, à unanimidade, negou provimento ao recurso em sentido estrito interposto pela Defesa. A ementa do acórdão, de minha relatoria, foi redigida nos seguintes termos:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA. HOMICÍDIO QUALIFICADO. MOTIVO TOE, RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA (2X) E FEMINICÍDIO. IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA.

1. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. DESCABIMENTO. Havendo prova da materialidade e suficientes indícios de autoria, a pronúncia é medida impositiva. Não há, portanto, como se absolver sumariamente o réu, quando indemonstrada, forma cabal, qualquer das hipóteses do artigo 415, do Código de Processo Penal. Decisão de pronúncia mantida.

2. QUALIFICADORAS. AFASTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. Somente possível, neste momento processual, o afastamento de qualificadora se inexistisse qualquer elemento probatório para ampará-la, bem assim manifestamente improcedente. (i) Motivo torpe:

Conjunto probatório apontando que, em tese, executada a vítima em razão de o acusado não aceitar o fim do relacionamento afetivo entre eles havido. Compete, assim, aos Jurados decidir sobre o mote delitivo. (ii) Recurso que dificultou a defesa da vítima: Havendo elementos a indicar que o réu se utilizou de manobra com veículo automotor para que a vítima não conseguisse empreender fuga do local dos fatos, bem assim que surpreendida pela ação do acusado quando estava dentro de automóvel, a impossibilitar tentativa de defesa, não se pode descartar, de plano, a configuração da qualificadora em debate, sua plausibilidade devendo ser aferida pelo Conselho de Sentença. (iii) Feminicídio: Existindo indicativos de que o crime foi cometido por razões o sexo feminino, em contexto de violência doméstica e familiar, prematuro, neste momento processual, o afastamento da qualificadora. Qualificadoras mantidas.

3. CAUSAS DE DIMINUIÇÃO DE PENA. RECONHECIMENTO. INADEQUAÇÃO. Nesta fase, em que se está a desafiar a decisão que pronunciou o réu, descabe a este Sodalício tecer considerações acerca de eventuais causas de diminuição de pena, que deverão ser debatidas no Sinédrio do Júri, perante o Conselho de Sentença.

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO DEFENSIVO DESPROVIDO.

Cumpridas as formalidades do artigo 422 do Código de Processo Penal, em sessão de julgamento do dia 15/12/2021, foi iniciada a sessão plenária, oportunidade em que o Conselho de Sentença condenou o réu JOSÉ WALDEMAR ENGELMAN, como incurso nas sanções do artigo 121, §2º, incisos I, IV (duas vezes) e VI, do Código Penal, à pena de 17 anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado (evento 70, SENT1).

A dosimetria da pena foi redigida nos seguintes termos pelo Juiz-Presidente do Tribunal do Júri, Dr. Vancarlo Andre Anacleto (evento 70, SENT1):

Adianto que, havendo o reconhecimento, pelos senhores jurados, de quatro qualificadoras, uma delas já sendo suficiente para aumentar o apenamento mínimo, as demais serão consideradas ou na valoração do artigo 59 do Código Penal ou como agravantes, na ordem em que foram quesitadas, já que todas também estão previstas no artigo 61, inciso II, do Código Penal.

Assim, o motivo torpe, porque o crime ocorreu em razão do réu não aceitar a separação, qualifica o delito.

O recurso que dificultou a defesa da vítima, porque o acusado fez manobra com veículo automotor de forma a impedir que a vítima fugisse com o carro que conduzia, será usada no apenamento base, como circunstância.

Já o recurso que dificultou a defesa da vítima, porque o acusado disparou com arma de fogo contra a vítima que estava dentro de um carro e não...

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