Acórdão nº 50152909020208210039 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, 15-02-2023

Data de Julgamento15 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50152909020208210039
ÓrgãoSétima Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003190093
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5015290-90.2020.8.21.0039/RS

TIPO DE AÇÃO: Abandono Intelectual

RELATOR: Desembargador SERGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES

RELATÓRIO

Trata-se da irresignação de DENNER M. P. e NATHALLY G. B. S., representados pela Defensoria Pública na qualidade de curadora especial, com a r. sentença que julgou procedente a ação de destituição do poder familiar com pedido liminar de suspensão do poder familiar e encaminhamento imediato à família substituta que lhes move o MINISTÉRIO PÚBLICO, destituindo-os do poder familiar em relação ao filho TAYLOR B. B. M.

Sustenta a Defensoria Pública, na qualidade de curadora especial, que reitera a contestação, manifestando-se por negativa geral quanto ao mérito. Diz que a destituição do poder familiar é medida drástica que deve ser utilizada como último recurso, pois deve ser priorizada a convivência familiar como um direito fundamental da criança e do adolescente, como dispõe o art. 19 do ECA. Diz que somente a total inviabilidade do exercício do encargo autoriza a destituição do poder familiar, o que exige uma prova robusta, o que inocorre no caso em tela. Pondera que toda a criança ou adolescente tem o direito a ser criado e educado no seio de sua família, destacando que a avó materna se propôs a exercer a guarda do neto. Pretende seja julgada improcedente a ação. Pede o provimento do recurso.

Intimado, o recorrido apresentou contrarrazões pugnando pelo desprovimento do recurso.

Com vista dos autos, lançou parecer a douta Procuradoria de Justiça opinando pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

Estou confirmando a r. sentença pelos seus próprios e jurídicos fundamentos.

Com efeito, trata-se de irresignação dos genitores, representados pela Defensoria Pública, na condição de curadora especial, com a r. sentença que julgou procedente a ação de destituição do poder familiar deles em relação ao filho TAYLOR B.B.M.

Primeiramente, cumpre destacar que o recurso dos recorrentes DENNER e NATHALLY, que estão representados por curador especial, apresentam impugnação à sentença por 'negativa geral' quanto ao mérito, reiterando os termos da contestação juntada no evento 3 -PROCJUDIC9, fls. 33/35... No entanto, essa prerrogativa de impugnar por negativa geral somente é admissível quando se trata de contestação oferecida pelo curador especial, consoante dispõe o art. 341, parágrafo único, do CPC, não sendo cabível em sede recursal.

De fato, tem clareza solar o art. 1.010, inc. II, do CPC quando estabelece, de forma expressa, que o recurso de apelação deve ser dirigido diretamente ao Juiz e deve conter a exposição do fato e do direito. Ou seja, a rigor não deveria sequer ser conhecido o recurso, pois não se admite recurso contendo impugnação genérica ou superficial.

No entanto, passo ao exame do mérito diante da gravidade da situação posta nos autos, já que a ação de destituição do poder familiar é um procedimento grave, pois busca a ruptura dos liames jurídicos entre pais e filhos, possibilitando até a adoção como forma de inserção da criança em família substituta. E, por esse motivo, a análise dos fatos reclama interpretação cuidadosa.

Os autos mostram com clareza a triste situação pessoal do núcleo familiar, bem como a total inaptidão dos genitores para atenderem o filho nas suas necessidades, sendo imperioso que se tenha em vista que os filhos não são propriedade dos pais, cabendo a estes o poder-dever de protegê-los e guiar-lhes a educação, mas quando reúnem condições para tanto...

Verifica-se, pois, que os recorrentes são usuários contumazes de drogas e moradores de rua, não aderem aos tratamentos que lhes são disponibilizados pela rede de proteção, não demonstrando nenhum interesse em se organizar para ter o filho junto deles.

Em decorrência, TAYLOR, nascido em 05 de outubro de 2019, está desde a alta hospitalar, em 21.10.2019 acolhido em abrigo em razão da situação de risco e negligência a qual foi exposto por seus genitores. E, sendo assim, a destituição do poder familiar se mostra necessária para que o infante que já se encontra inserido em família substituta possa se desenvolver de forma saudável e ter uma vida com um mínimo de dignidade.

Convém gizar que o instituto do poder familiar é um encargo de ordem pública que o Estado comete aos pais, constituindo um conjunto de direitos-deveres destinados a proteger a pessoa do filho a fim de prepará-lo adequadamente para os embates da vida, cumprindo proporcionar ao filho uma instrução e uma formação mínima capaz de permitir-lhe o exercício de algum labor ou atividade lícita com a qual possa prover o próprio sustento, tornando-se uma pessoa socialmente útil.

A potestade do pai não é instituída no seu interesse, mas sim no interesse do filho. O poder familiar, mais do que faculdade ou direito, constitui dever dos pais e é, pela sua natureza, indisponível, irrenunciável e intransferível.

As únicas exceções lícitas contempladas são a adoção, onde os pais restam demitidos do vínculo parental, e a transferência de guarda, que é uma forma de delegação de poderes paternos, mas é transitória e excepcional. E, em ambas, há que se aquilatar, necessariamente, a conveniência da medida para a criança ou o adolescente, sendo imperiosa a intervenção judicial, não bastando a mera manifestação de vontade dos genitores.

Cumpre ressaltar que o exercício do poder familiar implica na obrigação de prestar cuidado existencial, proteção e zelo, o que se deve interpretar da forma mais abrangente possível, compreendendo aspectos de saúde, higiene, educação, lazer, desenvolvimento pessoal, intelectual e afetivo. Mas tais obrigações foram totalmente descuradas.

Deve-se buscar a possibilidade mais vantajosa para a formação e o desenvolvimento do infante, porquanto esse é o bem jurídico mais relevante a ser preservado.

Com tal enfoque, estou acolhendo a r. sentença de lavra da ilustre Magistrada, DRA. PRISCILA GOMES PALMEIRO, que peço vênia para transcrever, in verbis:

1. Relatório.

O MINISTÉRIO PÚBLICO, no uso de suas atribuições legais, ajuizou ação de destituição do poder familiar com pedido liminar de suspensão do poder familiar e encaminhamento imediato à família substituta, em prol de TAYLOR B. B. M., nascido em 05.10.2019., em face de seus genitores NATHALLY G. B. S. e DENNER M. P. Aduz a inicial que, em que pesem todos os esforços despendidos pela Rede de Proteção, os requeridos não possuem condições de manter o poder familiar em relação ao filho, que encontra-se acolhido institucionalmente. O Ministério Público na busca de garantir ao menor um desenvolvimento saudável e isento de máculas de uma infância marcada pelo desrespeito, postulou, liminarmente, a suspensão do poder familiar dos requeridos, e, ao final, a procedência da ação, com a destituição do poder familiar. Juntou documentos.

Em liminar, restou suspenso o poder familiar dos genitores, sendo determinado o acolhimento da criança e sua inserção em família substitutas.

Citados por edital, foi nomeada a Defensoria Pública curadora especial, que apresentou contestação por negativa geral.

Designada audiência de instrução, oportunidade em que foi realizada a oitiva das testemunhas. Encerrada a instrução, os debates orais foram apresentados em audiência (evento 48).

A defesa apresentou memoriais escritos.

Vieram, então, os autos conclusos para sentença.

É o relatório.

Decido.

2. Fundamentação

Trata-se de ação de destituição de poder familiar ajuizada pelo Ministério Público em desfavor de NATHALLY G. B. S. e DENNER M. P., em face da negligência e violação de direitos a que a criança Taylor, menor incapaz, estava exposta na companhia dos genitores.

O poder parental – exercido por ambos os genitores – tem como característica fundamental ser um encargo público. Ausente a efetiva demonstração de que os genitores ou um deles estejam cumprindo a contento tal múnus, ostenta-se imprescindível a intervenção estatal para afastar a criança ou o adolescente de situação de risco ou contrária ao seu interesse.

Com efeito, estabelece o art. 229 da Constituição Federal que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.

Outrossim, na esteira do que dispõe o art. 1.634 do Código Civil, compete a ambos os pais, (...) qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: dirigir-lhes a criação e a educação; exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584; (...) representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição”.

Precisamente no que tange aos filhos que ainda não alcançaram a maioridade, o art. 227 da Constituição Federal, dispõe que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Dita norma constitucional foi recepcionada pelo art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente ao afirmar que “é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos...

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