Acórdão nº 50152912920198210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 11-05-2022

Data de Julgamento11 Maio 2022
ÓrgãoVigésima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50152912920198210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002064435
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5015291-29.2019.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Esbulho / Turbação / Ameaça

RELATOR: Desembargador CARLOS CINI MARCHIONATTI

APELANTE: REGINA HELENA BICA LINCK (RÉU)

APELADO: ALBANO LIMA LINCK JUNIOR (AUTOR)

APELADO: MARIA DO CARMO LINCK GONCALVES DA SILVA (AUTOR)

APELADO: ROSANE BEATRIZ ALTENHOFER LINCK (AUTOR)

APELADO: ZILA LOURDES FONTANIVE LINCK (AUTOR)

RELATÓRIO

REGINA HELENA BICA LINCK interpõe apelação à sentença (Evento 192 do 1º Grau) que julgou procedente em parte a ação de reintegração de posse e de indenização por perdas e danos ajuizada por ALBANO LIMA LINCK JÚNIOR, MARIA DO CARMO LINCK GONÇALVES DA SILVA, ROSANE BEATRIZ ALTENHOFER LINCK e ZILÁ LOURDES FONTANIVE LINCK.

Transcrevo a sentença, que serve ao relatório e ao voto:

VISTOS, etc.

ALBANO LIMA LINCK JÚNIOR e OUTROS, já qualificados nos autos, propuseram ação de reintegração de posse contra REGINA HELENA BICA LINCK, alegando, em síntese, serem proprietários e possuidores indiretos do bem imóvel descrito na inicial, o qual estaria sendo objeto de esbulho pela parte ré. Contaram que, no ano 2000, permitiram, por liberalidade, que a ré permanecesse residindo naquele bem até o término da obrigação de pagar alimentos à filha e neta dos autores Albano e Zila. Relataram que, em agosto de 2014, o genitor e ex-companheiro da ré ingressou com ação para desoneração daquela obrigação, a qual foi julgada procedente em 27 de fevereiro de 2015. Mencionaram, então, que no dia 04 de junho de 2019, notificaram a parte requerida para desocupação do bem, no prazo de 30 dias, porquanto estaria extinta a obrigação – de pagar alimentos – que autorizava a sua manutenção na posse do imóvel. Aduziram, todavia, que apesar da notificação extrajudicial, a demandada permaneceu no bem, dado que configuraria a mora e o esbulho possessório. Discorreram sobre a subsunção dos fatos à norma permissiva à ação possessória, porquanto a requerida estaria em posse injusta desde 04.06.2019. À vista disso, postularam pela procedência da ação para reintegração de posse e a condenação da ré ao pagamento de perdas e danos, a título de aluguel mensal, a partir de julho de 2019. Juntaram documentos.

Por determinação, os autores emendaram a inicial.

Recebida a emenda, foi determinada a complementação das custas. Com o cumprimento, a ré foi citada.

Regularmente citada, a requerida apresentou contestação. De plano, requereu a concessão da AJG e a realização de audiência de conciliação. No mérito, arguiu que sempre teve consciência de ser a dona legítima do imóvel, de modo que foi surpreendida quando da notificação. Aduziu que sempre foi ajustado com os autores que teria a propriedade vitalícia do bem. Mencionou que já teria sido proprietária registral do imóvel, o qual somente foi transferido aos seus sogros para facilitar os procedimentos de garantia do bem em outro negócio jurídico. Sustentou que, quando da separação, foi consignado o seu direito de usufruir do imóvel enquanto perdurasse o dever do autor Albano Júnior de pagar alimentos à sua filha, mas que tinha a interpretação de que poderia utilizá-lo vitaliciamente, o que argumentou ter sido acertado verbalmente com os autores. Disse que a presente demanda seria uma retaliação aos litígios propostos contra o ex-marido devido ao atraso no pagamento das pensões alimentícias. Alegou que teria sido ludibriada pelo ex-companheiro, o qual a teria convencido que poderia, de boa-fé, residir no imóvel até o fim de sua vida. Discorreu sobre a impossibilidade de concessão da liminar para imissão na posse. Invocou à exceção de defesa da usucapião, fulcrada no artigo 1.240-A, do CC, aduzindo ter gozado da posse mansa e pacífica do bem por quatro anos e três meses. Rechaçou a pretensão à condenação por perdas e danos, através dos pagamentos dos alugueres. Ao final, requereu a improcedência da ação principal e a declaração do seu direito de propriedade pela usucapião. Acostou documentos.

Da contestação, replicaram os autores.

Instadas as partes sobre o interesse na produção de outras provas e na possibilidade de conciliação, ambos se manifestaram.

Houve designação de audiência, cuja solenidade foi suspensa, em face ao art. 3º, caput, da Resolução nº 002/2020-P.

Oportunizada vista às partes sobre a manutenção no interesse na produção da prova pericial e testemunhal, apenas a parte autora se manifestou, postulando o julgamento antecipado do feito.

Houve manifestação da ré, postulando a designação de audiência de conciliação.

Consignada a desistência da prova oral e pericial, foi indeferido, naquele momento, a remarcação da audiência, face as restrições impostas pelo Coronavírus.

Houve manifestação dos autores, acostando documentos, dos quais foi oportunizada vista à ré, que se manteve inerte.

As partes foram intimadas para dizer sobre o interesse na realização de audiência virtual e para informar o rol de testemunhas, oportunidade em que ambas peticionaram, tendo a ré requerido a solenidade de forma presencial.

Indeferido o pedido da ré, foi aberto prazo para o cumprimento da diligência supramencionada, tendo esta silenciado.

Consignada desistência da prova postulada pela requerida, as partes foram devidamente intimadas e nada mais requereram.

É o relatório.

DECIDO.

Cuida-se de ação por meio da qual pretende a parte autora ser reintegrada na posse do imóvel localizado na Avenida Protásio Alves, nº 2484, apartamento 11, nesta Capital.

Para tanto, os demandantes alegam que o bem foi cedido em comodato à ré durante o período em que perdurou a obrigação de pagar alimentos à filha do autor Albano, que findou no ano de 2015, através da procedência da ação de exoneração. Ato contínuo, os autores sustentam ter notificado extrajudicialmente a requerida para desocupação do bem, com o prazo de 30 dias, o que não foi cumprido, incidindo à demandada em mora e o seu direito a perdas e danos consubstanciado no pagamento de alugueres.

A ré, por sua vez, invoca a exceção da usucapião fulcrada no artigo 1.240-A, do CC, aduzindo ter exercido a posse do imóvel como se dona fosse, bem como rechaça a pretensão ao pagamento dos alugueres e o quantum atribuído a título destes na inicial.

O artigo 579, do Código Civil dispõe que o comodato é empréstimo gratuito de coisas não fungíveis perfazendo-se com a tradição do objeto. O contrato em comento caracteriza-se pela unilateralidade, pois, em regra, somente o comodatário assume obrigações; gratuidade, por ser cessão sem contraprestação; intuito personae; infungibilidade do bem, pois deverá ser restituído; temporariedade, já que o uso deverá ser temporário, possibilitando-se a indeterminação do prazo e obrigatoriedade de restituição da coisa após o seu uso, pois o comodante não perde o domínio.

No caso em concreto, apesar da assertiva inicial da ré na contestação de que acreditava ter a posse vitalícia do bem, vislumbro que não há qualquer negativa a respeito da validade do contrato de comodato acostado com a exordial (evento 1 – OUT12), dado que, apesar de não ter sido firmado pela demandada, passa a gozar de presunção dos seus devidos efeitos jurídicos.

Assim, pelo conjunto das argumentações da requerida em contraponto aos documentos colacionados, tem-se que a demandada tinha ciência das condições para sua manutenção do imóvel, qual seja, durante o período de vigência da obrigação de pagar alimentos à sua filha, até porque aquele contrato é claro e específico no ponto.

A assertiva da demandada no sentido de que teria consciência de ser a dona legítima do imóvel, tampouco, sobressai do conjunto probatório produzido por ela e pelos autores, já que em contrapartida a tal alegação, a matrícula do imóvel (evento 1 – MATRIMÓVEL11) denota que a propriedade registral do bem pertence aos autores, outorgada por decorrência da herança e doação.

Não obstante, é incontroverso que a demandada não mais se encontra em matrimônio com o autor Albano Júnior, assim como não há comprovação de que, quando do divórcio do casal, teria esta direito à quota parte do imóvel, situação que, em conjunto à existência do contrato de comodato, malfere a ideia de que teria exercido a posse do bem como se proprietária fosse.

No que pertine à eventual vício de conhecimento dos termos do comodato e com relação ao divórcio, a assertiva não sobressai pela análise das provas produzidas nos autos, ônus que incumbia à ré, na forma do artigo 373, inciso II, do CPC.

Logo, diante da existência do contrato de comodato com prazo determinado, não há como acolher a tese da ré de que teria exercido a posse mansa e pacífica desde o ano 2000.

Com relação à exceção da usucapião, entendo que, de igual forma, melhor sorte não assiste à parte ré.

Inicialmente, consigno que, muito embora a inicial denote que o encaminhamento da notificação para desocupação do bem ocorreu em 04.06.2019 (evento 1 – NOT13), ao compulsar o feito, verifico que o pedido de desocupação já havia sido encaminhado extrajudicialmente no ano de 2016, com cumprimento no 25.02.2016 (evento 135 – OUT2), ato que foi devidamente autenticado pelo oficial do registro e que, por consequência, goza de fé pública, nos moldes do artigo 3º, da Lei nº 8.935/1994.

Logo, mesmo que outra notificação tenha sido encaminhada à ré no ano de 2019 (evento 1 – NOT13), tenho que equivocada a data mencionada na inicial, de modo que a demandada já tinha ciência sobre a necessidade de desocupação do imóvel em fevereiro de 2016, cujo prazo findou em 07 de abril daquele ano, se contados os dias pelo calendário e de acordo com a norma processual civil.

Não obstante, computando o prazo para recurso através da nota de expediente nº 112/2015, do processo de exoneração de alimentos (nº...

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