Acórdão nº 50153341220178210073 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50153341220178210073
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001428392
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5015334-12.2017.8.21.0073/RS

TIPO DE AÇÃO: Homicídio qualificado (art. 121, § 2º)

RELATOR: Desembargador LUIZ MELLO GUIMARAES

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra JOSÉ CARLOS DE FARIAS JÚNIOR e FILIPE VARGAS DOS SANTOS, já qualificados, dando-os como incursos nas sanções do art. 121, §2º, I e IV, do CP.

Narrou a denúncia que:

No dia 13 de dezembro de 2017, por volta das 23h35min, na Praça Mário Totta, s/n, próximo ao Cemitério Municipal, em Tramandaí/RS, os denunciados FELIPE VARGAS DOS SANTOS e JOSÉ CARLOS DE FARIAS JÚNIOR, em conjugaão de esforços e vontades entre si, por motivo torpe e mediante recurso que dificultou a defesa do ofendido, mataram, mediante disparos de arma de fogo, a vítima Márcio Araújo da Silva, de alcunha Pepe.

Na ocasião, os denunciados, previamente, ajustados entre si, encontraram a vítima no local acima descrito e passaram a conversar com ela por cerca de cinco minutos. Ato contínuo, no momento em que se retiravam do local, os denunciados, de inopino, passaram a desferir diversos disparos de arma de fogo contra a vítima, causando-lhe a morte por traumatismo cranioencefálico produzido por instrumento pérfuro contundente (atestado de óbito da fl. 236 do Inquérito Policial).

A denúncia foi recebida e, após regular instrução, sobreveio sentença pronunciando os acusados nos seus exatos termos, o que foi mantido em julgamento de RSE defensivo por este Tribunal.

Cindido o feito para o réu José Carlos, foi o acusado FILIPE submetido a julgamento pelo tribunal do Júri, restando absolvido.

Inconformado, o Ministério Público apelou com fundamento na alínea d do inciso III do art. 593 do CPP.

Nas razões, alegou que os jurados contrariaram manifestamente a prova dos autos ao decidirem que o réu não foi o autor do crime, absolvendo-o, pois toda a prova dá conta de que ele foi o executor dos disparos que mataram o ofendido. Expôs a prova coligida, sustentando que é farta ao apontar a autoria ao ora acusado, e pediu a renovação do julgamento.

Foram apresentadas as contrarrazões.

Nesta instância, a douta Procuradoria de Justiça opina pelo provimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

Adianto que estou acolhendo a preliminar arguida nas contrarrazões recursais.

Isso porque, conquanto o efeito devolutivo das apelações interpostas contra decisões do Tribunal do Júri se restrinja aos termos da interposição, por força da súmula 713 do STF, é certo que, notadamente em se tratando de apelo ministerial, outro limitador expresso de referido efeito recursal é o conteúdo das razões recursais - sob pena, inclusive, de reformatio in pejus.

Exemplificando, no caso de réu absolvido em que o parquet interponha apelo com fulcro na alínea a do inciso III do art. 593 do CPP, ao Tribunal não será permitido determinar a renovação do julgamento por qualquer nulidade posterior à pronúncia que entenda presente; sua análise ficará adstrita, para muito além do dispositivo citado na interposição, ao(s) vício(s) que for(em) expressamente arguido(s) nas razões recursais.

O STJ, inclusive, já se manifestou nesse sentido, ao julgar o HC Nº 377.284/RS 1 - in verbis:

[...] Na espécie, o órgão ministerial interpôs recurso de apelação criminal com fundamento no artigo 593, inciso III, alíneas "a" e "d" do Código de Processo Penal, sustentando a nulidade do julgamento pela ausência de intimação da vítima para a sessão plenária, bem como a prolação de decisão manifestamente contrária à prova dos autos.

E, ao analisar a insurgência acusatória, a autoridade impetrada, após rejeitar a eiva arguida no reclamo, registrou que "o recurso ministerial devolveu a matéria atinente às invalidades processuais ocorridas após a pronúncia, notadamente aquelas ocorridas em plenário", vislumbrando "nulidade a macular a decisão proferida pelo Tribunal do Júri em relação ao réu Glauber", uma vez que "os jurados, após responderem afirmativamente aos quesitos atinentes à materialidade e autoria, negaram que o réu Glauber tenha tentado matar a vítima Rudinei, operando a desclassificação o delito", tendo, contudo, prosseguido na votação, absolvendo-o, o que revela que "os juízes leigos julgaram ação penal para a qual não eram competentes, haja vista não terem firmado sua competência no quesito anterior, desclassificando a conduta do réu" (e-STJ fl. 829).

Constata-se, portanto, que a Corte Estadual, embora tenha analisado as teses sustentadas pelo Ministério Público, anulou o julgamento por fundamento que sequer foi mencionado nas razões recursais, ampliando, assim, o efeito devolutivo do reclamo, e agravando, independentemente de provocação, a situação do paciente, procedimento que caracteriza indevida reformatio in pejus e que constitui manifesta afronta ao enunciado da 160 do Supremo Tribunal do Federal, verbis: [...]

Desse modo, trazendo o raciocínio para o caso concreto, em que o Ministério Público alega veredicto manifestamente contrário à prova dos autos, entendo que este colegiado não possa analisar, em prejuízo do réu, hipótese meritória não ventilada nas razões recursais; e, em virtude disso, o apelo não comporta conhecimento.

Digo-o porque o acusador limita-se a alegar que o veredicto é arbitrário em virtude de haver farta prova de que o réu executou os disparos contra a vítima, não se legitimando uma absolvição por negativa de autoria. Contudo, o que se vislumbra na votação dos quesitos é que o Conselho de Sentença RECONHECEU a autoria, absolvendo o réu no quesito genérico (Evento 4, PROCJUDIC22, pág. 37, dos autos de origem).

Nesse passo, não se podendo aqui analisar se a prova dos autos comportava ou não a absolvição no quesito genérico, pois quanto a isso o órgão acusador não teceu palavra nas razões recursais (em momento algum se manifestou quanto à impossibilidade de incidirem exculpatórias), revela-se inócuo o apelo, sendo clara a ausência de interesse recursal no ponto que é objeto (único) de insurgência. E tal redunda no não conhecimento.

Ante o exposto, voto por NÃO CONHECER do apelo.



Documento assinado eletronicamente por LUIZ MELLO GUIMARAES, Desembargador, em 25/2/2022, às 11:16:11, conforme art. 1º, III, "b", da Lei 11.419/2006. A autenticidade do documento pode ser conferida no site https://eproc2g.tjrs.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, informando o código verificador 20001428392v9 e o código CRC c4b7a5ea.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): LUIZ MELLO GUIMARAES
Data e Hora: 25/2/2022, às 11:16:11


1. Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 04/12/2018


Documento:20001737306
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

Apelação Criminal Nº 5015334-12.2017.8.21.0073/RS

RELATOR: Desembargador LUIZ MELLO GUIMARAES

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

VOTO DIVERGENTE

Rogando vênia ao eminente Relator, divirjo da solução apontada para conhecer do recurso, uma vez que devidamente fundado no artigo 593, inciso III, alínea "d" do CPP (ev. 04, PROCJUDIC23, fl. 16), não havendo falar em não conhecimento, uma vez que preenchidos os requisitos legais.

O Ministério Público sustentou que a decisão dos Jurados que absolveu o acusado é manifestamente contrária à prova dos autos, sendo o caso de provimento da irresignação.

De início, cabe referir que ao Júri, constitucionalmente, é assegurada a soberania dos veredictos (artigo 5º, alínea “c”, inciso XXXVIII, da Constituição Federal1) e, tal garantia só cede, quando a decisão proferida é arbitrária, equivale dizer, sem suporte verossímil no contexto probatório.

Nesse sentido é a jurisprudência:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. TRIBUNAL DO JÚRI. ABSOLVIÇÃO DO ACUSADO. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. POSSIBILIDADE DE REVISÃO PELO TRIBUNAL ESTADUAL. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. NÃO CABIMENTO. SÚMULA N. 7 DO STJ. INCIDÊNCIA.
1. A decisão proferida pelo tribunal do júri, desde que manifestamente contrária à prova dos autos, pode ser anulada pela corte estadual sem que tal providência caracterize ofensa ao princípio da soberania dos veredictos.
2. Incide a Súmula n. 7 do STJ se o recurso especial objetiva modificar as conclusões do acórdão estadual que anulou decisão do tribunal do júri em razão de manifesta contrariedade às provas dos autos.
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AREsp 1842485/MG, Rel.
Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUINTA TURMA, julgado em 17/08/2021, DJe 20/08/2021)

O acolhimento da pretensão de novo julgamento, conforme disposição da alínea “d”, inciso III, do artigo 593 do CPP, é medida excepcional, só se afigurando admissível quando a decisão proferida pelo Conselho de Sentença não tiver apoio em, pelo menos, parte da prova, ou quando este decisum esteja totalmente divorciado dos autos, descabendo a anulação por discordância na interpretação da prova.

Sobre a decisão manifestamente contrária à prova dos autos LIMA2, leciona que:

"para que seja cabível apelação com base nessa alínea e, de modo a se compatibilizar sua utilização com a soberania dos veredictos, é necessário que a decisão dos jurados seja absurda, escandalosa, arbitrária e totalmente divorciada do conjunto probatório constante dos autos. Portanto, decisão manifestamente contrária à prova dos autos é aquela que não encontra nenhum apoio no conjunto probatório, é aquela que não tem apoio em nenhuma prova, é aquela que foi proferida ao arrepio de tudo que consta dos...

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