Acórdão nº 50155546120208210022 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Primeira Câmara Cível, 22-02-2023

Data de Julgamento22 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50155546120208210022
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Primeira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003233866
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

11ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5015554-61.2020.8.21.0022/RS

TIPO DE AÇÃO: Transporte de coisas

RELATOR: Desembargador GUINTHER SPODE

APELANTE: CHARQUEADAS TRANSPORTES LTDA (RÉU)

APELADO: JOSE CARLOS BENTO (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação cível interposto por CHARQUEADAS TRANSPORTES LTDA., porquanto inconformado com a sentença de procedência exarada na ação de indenização ajuizada por JOSÉ CARLOS BENTO.

Adoto o relatório do decisum, exarado nos seguintes termos:

Jose Carlos Bento, qualificado na exordial, propôs ação indenizatória em desfavor de Charqueadas Transportes Ltda, igualmente qualificada, requerendo a condenação da requerida ao pagamento de R$ 5.102,66, valor correspondente ao dobro dos valores dos fretes realizados. Por fim, pugnou pela concessão do benefício da gratuidade de justiça.

Narrou, em síntese, que foi subcontratado pela empresa requerida como transportador de cargas para realizar os fretes descritos na exordial, percebendo a quantia de R$ 2.551,33. Referiu que não recebeu qualquer valor a título de vale-pedágio, razão pela qual postula pelo pagamento em dobro das verbas percebidas pelo frete.

Com a inicial, juntou documentos (evento 1).

Deferido o benefício da gratuidade de justiça (evento 3).

Devidamente citada, a requerida apresentou resposta (evento 14).

Preliminarmente, arguiu o adimplemento da obrigação, alegando que o valor referente ao Adiantamento de Viagem, que consta no Contrato de Prestação de Serviços de Transporte/Frete de nº 171628/1 juntado à inicial, seria suficiente para o pagamento dos pedágios do trajeto. Ainda, pugnou pelo reconhecimento da prescrição. No mérito, referiu ausência de comprovação de pagamento de pedágio, abusividade da indenização pleiteada, bem como insconstitucionalidade da multa do artigo 8º, da Lei nº 10.299/01. Alternativamente, requereu a redução equitativa da multa.

Réplica no evento 17, ocasião em que foram reafirmados os argumentos da exordial e rechaçados os contestatórios.

Inexitosa a tentativa de conciliação, eis que não houve possibilidade de entendimento (evento 55).

Os autos vieram conclusos para sentença.

Acrescento que o dispositivo da sentença possui o seguinte teor:

DIANTE DO EXPOSTO, julgo procedente a demanda aforada por Jose Carlos Bento em desfavor de Charqueadas Transportes Ltda, igualmente qualificada, para condenar a requerida ao pagamento de R$ 5.102,66 a ser corrigido pelo IGP-M e acrescido de juros moratórios de 1% ao mês, a contar da citação.

Condeno, outrossim, a requerida ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios devidos ao procurador da parte autora que vão fixados em 15% do valor atualizado da causa, na forma do art. 85, §2º, do CPC.

Em suas razões recursais, a demandada busca a reversão da sentença recorrida, alegando a ausência de nexo de causalidade entre o valor do pedágio e o do frete, bem como tece considerações a respeito da abusividade do valor da indenização imposta. Invocando a desproporcionalidade do valor imposto, invoca os artigos 412, 413 e 944, parágrafo único, todos do Código Civil. pleiteia a redução do monyante para 10% sobre o equivalente ao dobro dos fretes. Iguamente busca a modificação do fator de correção para a taxa SELIC. Colaciona precedentes e requer o provimento do recurso.

Sobreveio a comprovação do preparo.

No prazo legal, o autor/apelado ofertou contrarrazões, pugnando pela ratificação da sentença apelada, mediante a reprise de suas teses.

Vieram conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Inicio pela análise da prejudicial de mérito da prescrição da pretensão autoral, invocando o prazo anual previsto pelo art. 8º, parágrafo único, da Lei nº 10.209/2001, tópico que não comporta êxito.

Isso porque em nosso ordenamento jurídico vigora a regra da irretroatividade da lei nova e, assim, incabível aplicar a atos e fatos ocorridos na vigência da lei anterior prazos prescricionais especiais que somente foram concebidos recentemente, na lei nova.

Nesse sentido, inclusive, há precedente nesta Corte:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRANSPORTE. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. VALE-PEDÁGIO. PRESCRIÇÃO. PRAZO DECENAL. 1) Pretende o agravado a indenização prevista no art. 8º da Lei 10.209/2001, que recentemente foi objeto de alteração legislativa (Lei nº 14.229/21), onde definido o prazo prescricional de 12 (doze) meses a contar da data da realização do transporte. Ante o princípio da irretroatividade da lei, aplicável ao caso o prazo decenal previsto no art. 205 do CC, conforme reconhecido por este Órgão Fracionário. 2) Inaplicável o prazo prescricional trienal, considerando que a pretensão não tem caráter indenizatório, consistindo cobrança de penalidade legalmente prevista, aplicando-se, portanto, a regra geral. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 52240005320218217000, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cláudia Maria Hardt, Julgado em: 24-03-2022)

Passo ao exame da questão de fundo propriamente dita.

Trata-se de ação por meio da qual reclama o autor a condenação da parte ré, ao pagamento da multa prevista no artigo 8º da Lei nº 10.209/2001, em razão da não antecipação obrigatória do vale-pedágio.

A Lei nº 10.209/2001, ao instituir o denominado "vale-pedágio obrigatório" estabeleceu que, se o transportador for veículo de carga, o custo será devido pelo "embarcador" ou pelo "equiparado" (contratante do serviço de transporte, proprietário ou não da carga, ou a empresa que subcontratar o serviço).

Ademais, a referida Lei, no § 2º do art. 3º, que:

"o Vale-Pedágio obrigatório deverá ser entregue ao transportador rodoviário autônomo no ato do embarque decorrente da contratação do serviço de transporte no valor necessário à livre circulação entre a sua origem e o destino.”

Art. 8º Sem prejuízo do que estabelece o art. 5º, nas hipóteses de infração ao disposto nesta Lei, o embarcador será obrigado a indenizar o transportador em quantia equivalente a duas vezes o valor do frete.

Inicialmente, válido o registro de que o entendimento desta Câmara Cível, na esteira do entendimento do egrégio Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da ADI nº 6.031/DF, é no sentido da constitucionalidade da previsão legal acima destacada, tornando obrigatória a indenização equivalente a duas vezes o valor do frete, diante da não demonstração do adiantamento do vale-pedágio.

Reforça o entendimento supra, a orientação pacificada pelo colendo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a multa prevista no artigo 8º da Lei nº 10.209/2001 configura uma sanção legal, de caráter especial, prevista na lei que instituiu o Vale-Pedágio obrigatório para o transporte rodoviário de carga. Assim sendo, incabível o cotejo da previsão da lei especial com as disposições dos artigos 412 e 413 do Código Civil, em face do que impossível a convenção das partes para lhe alterar o conteúdo.

Nesse sentido, colaciono:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. TRANSPORTE DE CARGA. VALE PEDÁGIO. LEI 10.209/2001. "DOBRA DO FRETE". NORMA COGENTE. INAPLICABILIDADE DO INSTITUTO DA SUPRESSIO. PENALIDADE QUE NÃO ADMITE A CONVENÇÃO DAS PARTES. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Não se aplica o instituto da 'supressio' na relação entre o transportador e o contratante do serviço de transporte a fim de tornar inexigível o pagamento do vale-pedágio de forma adiantada e em separado, tendo em vista a natureza cogente da norma que institui a multa denominada de "dobra do frete".
2. "A penalidade prevista no art. 8º da Lei nº 10.209/2001 é uma sanção legal, de caráter especial, prevista na lei que instituiu o Vale-Pedágio obrigatório para o transporte rodoviário de carga, razão pela qual não é possível a convenção das partes para lhe alterar o conteúdo, bem assim a de se fazer incidir o ponderado art.
412 do CC/02" (REsp 1.694.324/SP, Rel.
p/ acórdão Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/11/2018, DJe de 05/12/2018).
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1532681/SP, Rel.
Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 04/02/2020, DJe 13/02/2020)

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