Acórdão nº 50157085220198210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sétima Câmara Cível, 23-01-2023

Data de Julgamento23 Janeiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50157085220198210010
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Sétima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003171178
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

17ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5015708-52.2019.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Aquisição

RELATORA: Desembargadora ROSANA BROGLIO GARBIN

APELANTE: BRUNA SEGHETTO VIDAL (AUTOR)

APELANTE: JOSE PALMEIRA DE SOUZA (AUTOR)

APELANTE: CLADIR DE FREITAS BERNARDI (AUTOR)

APELANTE: TERESA DE PICOLI MACIEL (AUTOR)

APELANTE: ROMEU PEREIRA (AUTOR)

APELANTE: NIVIO DIAS DE CASTRO (AUTOR)

APELANTE: JUCILEI DE FATIMA VENS (AUTOR)

APELANTE: JOCELIA DA SILVA (AUTOR)

APELANTE: JANETE FATIMA SEGHETTO (AUTOR)

APELANTE: INES NUNES BOEIRA (AUTOR)

APELANTE: GLADIS TERESINHA PEREIRA (AUTOR)

APELANTE: ELAINE NUNES BOEIRA (AUTOR)

APELANTE: CLENI DA SILVA CHICATTE (AUTOR)

APELANTE: ANTONIO RIBEIRO DA SILVA (AUTOR)

APELADO: HUGOBEL EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por ANTONIO RIBEIRO DA SILVA, BRUNA SEGHETTO VIDAL, CLENI DA SILVA CHICATTE, ELAINE NUNES BOEIRA, GLADIS TERESINHA PEREIRA, INES NUNES BOEIRA, JANETE FATIMA SEGHETTO, JOCELIA DA SILVA, JUCILEI DE FATIMA VENS, NIVIO DIAS DE CASTRO, ROMEU PEREIRA e TERESA DE PICOLI MACIEL da sentença que, na ação de usucapião proposta contra o HUGOBEL EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA, forte no art. 485, incisos VI, do CPC, julgou extinto o feito (evento 172, SENT1).

Em razões recursais (evento 191, APELAÇÃO1), relatam os recorrentes, em suma, que merece reforma a sentença prolatada pelo magistrado de origem, tendo em vista que presentes as condições da ação no caso concreto. Referem que os lotes adquiridos pelos apelantes integram loteamento Glória, que foi regularizado pelo Município de Caxias do Sul, porém, estes lotes não integraram essa regularização pois a empresa proprietária registral se encontra inativa. Alegam que preenchem todos os requisitos para usucapir o imóvel, sendo que o julgamento de extinção por ausência de interesse processual se mostra prematuro. Mencionam, ainda, que lotes que pretendem usucapir pertencem a todo maior, de propriedade da recorrida e que não houve a possibilidade da transmissão pelo modo derivado, merecendo ser desconstituída a sentença prolatada. Pedem, assim, o provimento do recurso de apelação, com a reforma da sentença e prosseguimento do feito no juízo de origem.

A parte demandada apresentou contrarrazões (evento 194, CONTRAZ1).

Sobreveio parecer exarado pelo Ministério Público, opinando pelo provimento do apelo, para fins de desconstituir a sentença de origem.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso e passo, de pronto, ao exame da irresignação.

Trata-se de ação de usucapião extraordinária proposta pelos recorrentes tendo por objeto um terreno urbano, dividido nos lotes ocupados pelos autores, integrantes do Loteamento Glória, localizado no Bairro Nossa Senhora das Graças, no Município de caxias do Sul/RS, descrito na matrícula nº 3.663 do RI da 2ª Zona da Comarca de Caxias do Sul.

Apreciando os autos, concluiu o Juízo de origem por julgar extinta a ação, argumentando que "o manejo da presente ação pela autora é via inadequada e desnecessária para os fins pretendidos, mesmo que resida no imóvel, impondo-se por consectário lógico a extinção do feito, por carência de ação, em razão da falta de interesse de agir."

Refere o Magistrado a quo que o pedido inicial é, na verdade, verdadeiro pedido de regularização de área que deveria ter sido objeto de parcelamento de solo urbano, o que não ocorreu, de forma que o pedido de usucapião, por se tratar de forma originária de aquisição de propriedade, deveria vir acompanhado dos requisitos autorizadores, o que não ocorreu.

Adianto, de pronto, que merece reforma a sentença recorrida, tendo em vista que embora a área objeto da presente demanda encontre-se loteamento irregular, tal fato, por si só, não tem o condão de afastar o interesse processual dos demandantes na ação de usucapião.

Isso porque, a usucapião é modo de aquisição originária da propriedade, independente de qualquer relação com os anteriores titulares, cabendo unicamente o exame do preenchimento dos seus pressupostos.

Nesse sentido, transcreve-se, por oportuno, os seguintes trechos do parecer da Procuradoria de Justiça (evento 9, PARECER1):

"Tanto estabelecido, tenho que é caso de provimento do recurso de apelação, com a desconstituição da sentença vergastada.

Primeiro, porque o fato de a área que se pretende usucapir situar-se em loteamento irregular não tem o condão de impedir o pleito prescricional aquisitivo.

Com efeito, o usucapião é modo originário de aquisição da propriedade, que se perfaz, tão só, pela satisfação dos seus pressupostos. E por tratar-se de modo originário de aquisição, a propriedade passa ao patrimônio dos adquirentes em toda a sua plenitude, surgindo sem dependência com qualquer relação anterior, não sofrendo as limitações impostas aos antecessores do proprietário. Gera, no plano registral, por consectário, a abertura de matrícula nova, inédita. Não há, em casos tais, preservação do princípio da continuidade dos registros. Assim, o que delimita a área usucapienda é a posse sobre ela exercida. Não há correlação necessária entre a área que se pretende usucapir e a área registrada no Álbum Imobiliário. O que delimita a primeira, como já dito, é a posse e esta, como fato que é, não corresponde necessariamente ao que está descrito na matrícula. No caso, se evidenciado o aperfeiçoamento dos pressupostos objetivos e subjetivos do usucapião esgrimindo, a declaração de domínio é consequência natural. As questões relativas à regularização loteamento (tais como abertura ou ampliação de vias públicas e demais áreas de interesse de toda comunidade, por exemplo) não impedem o reconhecimento da propriedade pelo modo originário, cujas consequências deverão ser resolvidas com as medidas cabíveis, caso se revelem necessárias. Este órgão fracionário, aliás, já se pronunciou em caso análogo, a saber:

“APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO (BENS IMÓVEIS). AÇÃO DE USUCAPIÃO ESPECIAL URBANO. MODALIDADE CONSTITUCIONAL (ART. 183 DA CF/88). SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. I. Ação de usucapião cujo contexto da posse ad usucapionem se enquadra na modalidade constitucional (art. 183 da Constituição da República de 1988). II. Tratando-se a ação de usucapião de aquisição originária de propriedade, a eventual irregularidade do loteamento onde inserida a área usucapienda não impede o seu reconhecimento. No caso, necessária a regularização do polo ativo, visto haver composse ‘ad usucapionem’. A posse sobre o imóvel usucapiendo é exercida pelo autor e esposa, sendo assim deve esta integrar a lide, em face da composse que inviabiliza a pretensão aquisitiva apenas em favor de um dos possuidores. Acolhimento do parecer do Ministério Público para desconstituir a sentença. À UNANIMIDADE, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO PARA DESCONSTITUIR A SENTENÇA” (grifou-se, Apelação Cível n.º 70077778421, 17ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Relatora: Liége Puricelli Pires, julgado em 13.09.2018).

“APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO (BENS IMÓVEIS) LOTEAMENTO. AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO NO REGISTRO DE IMÓVEIS. EXTINÇÃO DO FEITO. DESCONSTITUIÇÃO. I - Hipótese em que o autor adquiriu terrenos em um loteamento que não foi regularizado. II - Dificuldade de obtenção do registro dos imóveis, sobretudo porque os lotes não estão individuados e delimitados. III - Considerando as peculiaridades do caso concreto, sobretudo as alegações do autor de que exerce a posse do imóvel por mais de doze anos, de forma mansa e pacífica, mister a desconstituição da sentença a fim de oportunizar a instrução probatória. APELO PROVIDO” (Apelação Cível n.º 70072746167, 17ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Relator: Gélson Rolim Stocker, julgado em 25.05.2017).

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. USUCAPIÃO (BENS IMÓVEIS). SUSPENSÃO DO PROCESSO POR TRAMITAÇÃO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA VERSANDO SOBRE A REGULARIDADE DO LOTEAMENTO ONDE INSERIDO O IMÓVEL USUCAPIENDO. AFASTAMENTO DA SUSPENSÃO. Não se está frente a hipótese de suspensão do processo, haja vista que a usucapião é forma de aquisição originária da propriedade em que o possuidor já tem o domínio do imóvel (de forma ficta, é claro) no instante em que completa o lapso temporal exigido em lei, com o preenchimento das exigências pessoais, reais e formais específicas da modalidade aplicada. Eventual regularidade do loteamento onde inserido o bem usucapiendo não trará consequências ao reconhecimento da propriedade em nome do agravante. RECURSO PROVIDO À UNANIMIDADE” (Agravo de Instrumento n.º 70061732319, 17ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Relatora: Liége Puricelli Pires, julgado em 27.11.2014).

Como visto, a irregularidade do loteamento onde inseridos os imóveis usucapiendos não inviabiliza o reconhecimento da propriedade em nome da parte prescribente, uma vez que o usucapião, como já dito, é forma de aquisição originária da propriedade, em que o possuidor já tem o domínio do imóvel (de forma ficta) no instante em que completa o preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos exigidos pela modalidade prescricional aplicada.

Segundo, porque não se mostra possível, na espécie, a transmissão da propriedade pela via derivada. Em casos tais, por primeiro, deve ser respondido se a parte autora pode adquirir a propriedade pela via derivada e se tal possibilidade inibe o pleito prescricional aquisitivo. Esta última questão – a possibilidade de aquisição pelo modo derivado que culmina por inibir o usucapião – é “thema” que comporta duas visões. Há posição doutrinária/jurisprudencial que consagra que, em casos tais, há uma via eletiva em que o titular do direito pode optar pelo manejo do modo originário ou...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT