Acórdão nº 50162791720208210033 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 15-02-2023

Data de Julgamento15 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50162791720208210033
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002917870
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5016279-17.2020.8.21.0033/RS

TIPO DE AÇÃO: Cartão de Crédito

RELATOR: Desembargador JORGE MARASCHIN DOS SANTOS

APELANTE: HIPERCARD BANCO MULTIPLO S.A. (RÉU)

APELADO: JAIRO ALVES DOS SANTOS (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por HIPERCARD BANCO MULTIPLO S.A., em face da sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, nos autos da ação declaratória de inexistência de débito c/c pedido de indenização por danos morais, que lhe move JAIRO ALVES DOS SANTOS, com o seguinte dispositivo:

Isso posto, com base no art. 487, inciso I do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos veiculados por JAIRO ALVES DOS SANTOS em face de HIPERCARD BANCO MULTIPLO S.A., para:

a) DECLARAR a inexigibilidade do débito de R$1.300,00, e encargos provenientes do mesmo;

b) DETERMINAR a imediata exclusão do nome do autor dos cadastros restritivos de crédito, o que concedo de forma liminar;

c) CONDENAR a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais em favor do autor no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), devendo o valor ser atualizado monetariamente pelo IGP-M, a contar do presente julgamento, nos termos da Súmula 362 do STJ, e acrescido de juros legais de 1% ao mês, a contar da data da citação.

Em razão da sucumbência, condeno a parte requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 20% sobre o valor da condenação, na forma do art. 85, §2°, do CPC.

Publique-se. Intime-se. Registre-se.

Havendo a interposição de recursos pelas partes, intime-se a parte recorrida para contrarrazões e após, remetam-se os autos ao egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

(Dra. JACQUELINE BERVIAN, Juíza de Direito do Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de São Leopoldo/RS).

Em suas razões, a parte ré, ora apelante, sustentou a inexistência de falha na prestação do serviço, uma vez que não é o detentor exclusivo dos dados pessoais e cadastrais do apelado. Afirmou que não concorreu para o ilícito, tendo em vista que a fraude foi praticada por terceiros e ocorreu fora do estabelecimento bancário. Alegou que a operação impugnada é legítima, pois foi realizada mediante utilização do cartão com chip e senha pessoal e intransferível. Discorreu acerca da ausência de responsabilidade do banco. Referiu da presunção de autoria da assinatura eletrônica. Defendeu a inexistência de danos morais. Em razão dos fatos, requereu o julgamento de improcedência dos pedidos.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 84).

Cumpridas as formalidades dos artigos 931 e 935 do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015).

É o relatório.

VOTO

ADMISSIBILIDADE.

O prazo para interposição de recurso de apelação pela parte ré encerrou em 08/09/2022 (evento 74), sendo o recurso interposto em 01/09/2022, devidamente preparado (evento 81). Assim, o recurso foi interposto dentro do prazo recursal previsto no artigo 1003, § 5º, do Código de Processo Civil, qual seja, de 15 dias.

BREVE RELATO DOS FATOS.

Trata-se de ação declaratória de inexistência de débito c/c pedido de indenização por danos morais, na qual o autor sustentou que, em 03/08/2020, recebeu uma ligação do departamento de segurança da Lojas Americanas para confirmar duas compras realizadas com o seu cartão, as quais não autorizou. Afirmou que ligou para a central do banco para cancelar os cartões, sendo orientado pelo suposto funcionário a redigir de próprio punho um pedido de cancelamento com os cartões cortados ao meio, os quais foram entregues ao portador do banco que deslocou-se até sua residência. Justificou que as senhas dos cartões não foram solicitadas em momento algum. Referiu que realizou um Boletim de Ocorrência, após contatar a instituição financeira e esta informar que não era responsável pelos fatos narrados. Discorreu acerca da negligência e falha no serviço da demandada, uma vez que as compras fugiam do seu padrão de consumo, porém não foram bloqueadas. Defendeu o dever de indenizar. Requereu, em sede de antecipação de tutela, a impossibilidade de inclusão de seu nome dos cadastros de inadimplentes. Postulou, em razão do ocorrido, a declaração de inexigibilidade do débito, bem como a condenação da parte demandada ao pagamento de indenização por danos morais.

Em sede de contestação, a parte demandada aduziu, preliminarmente, a necessidade de realização de audiência de instrução. No mérito, afirmou que a parte autora foi vítima de golpe, tendo colaborado para sua concretização. Alegou que o golpe ocorreu fora das dependências do banco e por culpa exclusiva da parte autora ou de terceiros, não havendo o que falar em responsabilidade da ré. Referiu o cumprimento do dever de informação e transparência. Justificou que as transações reclamadas estão em conformidade com o perfil da parte autora. Defendeu que o cartão foi bloqueado após informação de golpe sofrido pelo autor. Requereu o julgamento de improcedência dos pedidos.

Sobreveio sentença de parcial procedência (evento 62).

Feito um breve relato dos fatos, passo à análise do mérito.

ANÁLISE DA EXISTÊNCIA DE CULPA NA CONDUTA DO AUTOR.

Diante da alegação de fraude na utilização do cartão de crédito da parte autora, o banco demandado apresentou contestação, na qual sustentou que a compra impugnada foi realizada mediante a utilização de cartão bancário com chip e aposição de senha pessoal.

Acerca do tema, cito precedente do STJ:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DANOS CAUSADOS POR ATO DE TERCEIRO. USO DE CARTÃO DE CRÉDITO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
1. Modificar o entendimento do Tribunal local, acerca da ausência de culpa da instituição financeira, incorrerá em reexame de matéria fático-probatória, o que é inviável, devido ao óbice da Súmula 7/STJ, não sendo o caso de revaloração de provas.
2. Com efeito, a jurisprudência do STJ erigiu-se no sentido de que o titular do cartão de crédito é responsável pela sua guarda e manutenção do sigilo da respectiva senha de modo que a utilização indevida do cartão por terceiro, a quem foi entregue voluntariamente, ainda que não espontaneamente, porque o fora sob fraude praticada por terceiro, isenta o Banco de responsabilidade.
3. Agravo interno improvido.
(AgInt no REsp n. 1.948.050/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe de 18/5/2022.
) - grifei.

Como visto, consoante entendimento do STJ, o titular do cartão de crédito é responsável pela sua guarda e manutenção do sigilo da respectiva senha de modo que a utilização indevida do cartão por terceiro, a quem foi entregue voluntariamente, ainda que não espontaneamente, afasta a responsabilidade da instituição.

Assim, resta configurada a culpa do autor na situação narrada, no que se refere à utilização do cartão bancário por terceiros. Contudo, tal circunstância, não exime, de plano, a responsabilidade da instituição financeira demandada, devendo-se ater o Julgador às circunstâncias do caso concreto.

Passo, então, à análise da responsabilidade da instituição demandada na hipótese dos autos, com base na análise dos gastos realizados com o cartão de crédito do autor.

"GOLPE DO MOTOBOY". FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. OCORRÊNCIA.

Conforme se verifica dos autos, a pretensão se fundamenta na suposta falha da prestação de serviços perpetrada pela instituição financeira em face de débitos decorrentes de movimentações indevidas na conta corrente da parte autora, em razão da fraude intitulada “golpe do motoboy”.

Nesse tipo de golpe, o modus operandi utilizado pelos estelionatários consiste na realização de uma ligação telefônica à vítima, geralmente pessoa idosa, na qual alega ser preposto o banco. Na referida ligação, o estelionatário informa que o cartão da vítima foi clonado e solicita que ela digite sua senha pessoal no teclado do telefone, a fim de realizar um suposto cancelamento do cartão. Em seguida, o estelionatário informa que um motoboy irá buscar o cartão da vítima e que ela deve quebrá-lo antes de fazer a entrega. Após a entrega, são efetuadas diversas operações com o cartão da vítima em pouco tempo.1

Conforme recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, a falta de zelo da instituição financeira em permitir que fraudes como esta ocorram incorre em falha na prestação do serviço da instituição financeira, mais especificamente no dever de segurança inerente de sua atividade.

Além disso, deve-se atentar o julgador ao padrão das operações realizadas em curto período de tempo, ou seja, à quebra do padrão habitual do consumidor nas transações feitas.

Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIBILIDADE DE DÉBITO. CONSUMIDOR. GOLPE DO MOTOBOY. RESPONSABILIDADE CIVIL. USO DE CARTÃO E SENHA. DEVER DE SEGURANÇA. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO.
1. Ação declaratória de inexigibilidade de débito.
2. Recurso especial interposto em 16/08/2021. Concluso ao gabinete em 25/04/2022.
3. O propósito recursal consiste em perquirir se existe falha na prestação do serviço bancário quando o correntista é vítima do golpe do motoboy.
4. Ainda que produtos e serviços possam oferecer riscos, estes não podem ser excessivos ou potencializados por falhas na atividade econômica desenvolvida pelo fornecedor.
5. Se as transações contestadas forem feitas com o cartão original e mediante uso de senha pessoal do correntista, passa a ser do consumidor a incumbência de comprovar que a instituição financeira agiu com negligência, imprudência ou imperícia ao efetivar a entrega de numerário a terceiros. Precedentes.
6. A jurisprudência deste STJ consigna que o fato...

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