Acórdão nº 50163678820208210022 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 27-04-2022

Data de Julgamento27 Abril 2022
Classe processualApelação
Número do processo50163678820208210022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002062746
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5016367-88.2020.8.21.0022/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano moral

RELATOR: Desembargador TASSO CAUBI SOARES DELABARY

APELANTE: MARIA DA CONCEICAO AMARAL ISQUIERDO (AUTOR)

APELANTE: JOSUE AMARAL ISQUIERDO (AUTOR)

APELADO: PRONTOCOR ATENDIMENTO CLINICO DE URGENCIA LTDA. (RÉU)

RELATÓRIO

Inicialmente, adoto o relatório da sentença:

Maria da Conceição Amaral Isquierdo e Josué Amaral Isquierdo ajuizaram ação de indenização por danos morais em face de Prontocor.

Narraram que a autora Maria chegou à clínica da ré em estado grave de hiperglicemia, com risco de morte, contudo, não recebeu atendimento adequado e foi encaminhada para o Pronto Socorro sem acompanhamento de um profissional ou em transporte adequado à situação de risco. Afirmaram que a negligência e a imperícia com que houve a ré agravou o risco à saúde da autora e foi motivo de aflição e humilhação do autor Josué, apontado como negligente nos cuidados com sua mãe pelos profissionais do Pronto Socorro.

Requereram a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$10.000,00, para cada autor. Pugnaram pelo benefício da ajg e juntaram documentos (evento 1).

A inicial foi recebida e foi deferida a gratuidade (evento 3).

Citada (evento 5), a ré contestou (evento 6). Requereu o chamamento ao processo da médica responsável pelo atendimento da autora, Dra Inaê Gomes Oppelt. Discorreu acerca da diferença entre uma unidade de pronto atendimento e unidade de pronto socorro. Afirmou que realizou o atendimento básico à autora de acordo com o que a clínica oferece, mas por verificar que o estado da autora era grave, e não possuir estrutura necessária para continuar o atendimento, encaminhou -a ao Pronto Socorro. Aduziu que foi opção dos autores que o transporte ocorresse por veículo próprio. Sustentou inexistir nexo de causalidade entre sua conduta e os danos que os autores afirmam ter suportado. Juntou documentos.

Houve réplica, ocasião em que os autores impugnaram o chamamento ao processo da Dra. Inaê Gomes Oppelt e reiteraram a tese da inicial (evento 12).

Foi proferida decisão de saneamento, oportunidade em que foi indeferido o chamamento ao processo, foram fixados os pontos controvertidos e distribuído o ônus da prova (evento 14). Os autores pugnaram pelo julgamento (evento 19). A ré requereu a oitiva de testemunhas e depoimento pessoal dos autores (evento 20).

Realizada a audiência de instrução e julgamento, foram ouvidas as testemunhas arroladas e houve a desistência do depoimento pessoal dos autores (evento 39).

As partes apresentaram alegações finais (eventos 41 e 42).

Sobreveio dispositivo declarando a improcedência dos pedidos, condenando a parte autora ao pagamento do ônus da sucumbência, suspensa a exigibilidade por litigar sob o amparo da gratuidade judiciária.

Inconformada, a parte autora interpõe recurso de apelação.

Em suas razões recursais, refere que no dia 19-08-2020 a apelante Maria, que é portadora de diabetes mellitus tipo 2 (CID 10 – E.11), encontrava-se debilitada em razão de mal-estar provocado por crise hiperglicêmica, de modo que acionou seu filho Josué, também apelante, para que fosse socorrida. Levada à clínica demandada, alega que no atendimento médico prestado ocorreram diversas falhas que agravaram o estado de saúde da apelante Maria, inclusive expondo-a a altíssimo risco de óbito, sendo que seu estado de saúde agravou-se de tal maneira que fora necessário, inclusive, internação em UTI e posteriormente amputação de partes do pé, fatos que ocasionaram lesões em ambos os apelantes. Argumenta não ter sido observado os protocolos médicos que orientam o atendimento em casos semelhantes ao quadro clínico apresentado pela apelante Maria, os quais dispõem acerca da necessidade de aplicação de insulina, líquidos e eletrólitos, a serem administrados na veia do paciente. Assevera que, em que pese existir insulina à disposição para uso nas dependências do apelado, conforme confessado no depoimento prestado pela médica responsável pelo atendimento da autora no local (Dra. Inaê Oppelt), não fora administrado na apelante, tampouco fora administrado soro para hidratação. Defende que a afirmação da médica quanto à necessidade de sofisticados aparelhos para que se pudesse fazer a correta administração do medicamento e de exames médicos para monitoramento do quadro da autora, se trata de falácia tendo em vista que em nenhum protocolo médico consta a necessidade de tal estrutura complexa para administração correta de insulina, ao contrário, consta expressamente nos referidos protocolos a necessidade de infusão de insulina simples e hidratação. Sustenta que a apelante Maria somente fora examinada de forma superficial, não tendo sido realizado qualquer procedimento para que se amenizasse ou estabilizasse o quadro clínico da autora (insulina simples, hidratação etc), apesar de tais procedimentos estarem ao alcance da apelada. Acrescente que, após o péssimo atendimento, foram orientados, então, a buscarem atendimento médico adequado junto ao Pronto Socorro da cidade por meios próprios e sem terem recebido o atendimento médico adequado, conforme consta no atestado médico carreado aos autos originários. Aduz que o local ainda não possuía ambulância, sendo tal fato, também, grave falha na prestação do serviço, eis que a apelada é renomada clínica de atendimento médico de urgência e emergência. Alega que houve erro médico no atendimento prestado pela empresa apelada, eis que seus prepostos não adotaram as medidas necessárias e que encontravam-se facilmente ao alcance, bem como a ocorrência de falha na prestação do serviço, eis que a empresa não dispunha de transporte adequado nem mesmo preocupou-se em contatar serviço de ambulância de terceiros, seja público ou privado, para que a apelante pudesse se deslocar com segurança até o local onde receberia o atendimento médico adequado. Argumenta pela configuração dos danos morais reclamados, tendo em vista que, como pontuado, a apelante não recebeu o devido atendimento médico, certamente teve suas chances de óbito alargadas, sendo um verdadeiro milagre que tenha sobrevivido à crise que a acometeu em Agosto de 2020. Acrescenta que o apelante Josué foi duramente repreendido, em público, pelos funcionários do Pronto Socorro, eis que, conforme dito pelos próprios profissionais do local, a apelante Maria deveria ter sido encaminhada até o local de ambulância, sendo que deveria ter recebido aplicação de insulina simples e soro fisiológico já no deslocamento até o Hospital. Pondera que a responsabilidade da demandada é objetiva, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, estando presentes os pressupostos do dever de indenizar. Requer o provimento do apelo.

Transcorrido in albis o prazo das contrarrazões, foram os autos remetidos a este Tribunal e vieram a mim conclusos para julgamento.

É o relatório.

Decido.

VOTO

Eminentes Colegas.

Conheço do recurso, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

Cuida-se de ação em que a parte autora reclama indenização por danos morais em razão de alegado erro médico cometido quando do atendimento dispensado pela clínica médica de pronto-atendimento demandada, consubstanciada no fato de não ter sido acionada ambulância para a remoção da Sra. Maria da Conceição ao Pronto Socorro, que apresentava quadro hiperglicêmico e necrose no membro inferior esquerdo causados por diabetes tipo 2, o que teria agravado o risco à sua integridade física e à sua vida por ter sido conduzida em veículo particular de seu filho, o qual, ao chegar no Pronto Socorro, teria sido agredido verbalmente pelas enfermeiras e técnicas de enfermagem, sendo repreendido pela forma de remoção da paciente.

Diante da sentença de improcedência, recorre a parte autora, devolvendo à apreciação a totalidade das questões controvertidas.

Pois bem. Em sendo atribuído à clínica médica demandada a responsabilidade pelos danos sofridos, decorrente de alegada falha no atendimento médico dispensado, tratando-se de pessoa jurídica prestadora de serviço, sua responsabilidade vem regrada na legislação consumerista (art. 14, CDC).

Com efeito, de saída, impende salientar que os hospitais e centros clínicos são estabelecimentos prestadores de serviços e, nessa qualidade, respondem de forma objetiva pela reparação dos danos causados aos consumidores quando o fato lesivo apontado circunscreve-se apenas aos serviços única e exclusivamente relacionados com o estabelecimento empresarial propriamente dito, ou seja, aqueles que digam respeito à estadia do paciente (internação), instalações, equipamentos, serviços auxiliares (exames, radiologia), etc. Quando o evento danoso estiver relacionado aos serviços técnico-profissionais dos médicos, enfermeiros e demais profissionais da saúde que atuam no hospital, a responsabilidade passa a ter caráter subjetivo nos termos do § 4º do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor.

Embora o Código do Consumidor preveja a responsabilidade objetiva dos prestadores de serviço, inegavelmente excepcionou a regra geral ao tratar dos profissionais liberais1, quando no artigo 14, § 4º, previu que atinente a estes a responsabilidade pessoal será apurada mediante a verificação de culpa.

Disso resulta que não se pode atribuir responsabilidade objetiva quando o fato decorre exclusivamente de serviços médicos prestados, como no caso dos autos.

Nesse sentido, o entendimento manifestado por RUY STOCO, transcrito por Miguel Kfouri Neto, in Culpa Médica e Ônus da Prova, ed. RT, 2202, p. 152, ao registrar:

‘Em conferência proferida no I Seminário Nacional sobre Responsabilidade Civil (IBAJ 24.08.1996, Hotel Glória-RJ),...

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