Acórdão nº 50164547320218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Número do processo50164547320218210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001379323
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5016454-73.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: ICMS/ Imposto sobre Circulação de Mercadorias

RELATOR: Desembargador CARLOS ROBERTO LOFEGO CANIBAL

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (INTERESSADO)

APELADO: DELTASUL UTILIDADES LTDA (IMPETRANTE)

RELATÓRIO

Trata-se de remessa necessária e recurso de apelação interposto pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, contra sentença que, em sede de mandado de segurança impetrado por DELTASUL UTILIDADES LTDA contra suposto ato coator do SUBSECRETÁRIO DA RECEITA ESTADUAL DO RIO GRANDE DO SUL, concedeu a segurança postulada, para (a) "assegurar que o impetrante não seja obrigado a estornar o imposto presumido das mercadorias que detiver em estoque 'no fim do último dia do período de apuração imediatamente anterior àquele em que deixar de apurar o ajuste, conforme art. 25-A'" e (b), na ocasião do estorno ter sido levado a cabo, garantir "o direito ao creditamento dos valores indevidamente recolhidos a este título, compensando-se na apuração do ICMS, na forma do art. 60, inciso I, Livro I do RICMS" (ev. 19, Sentença 1 , autos originários).

Opostos embargos de declaração, restaram rejeitados.

Inconformada, a parte recorrente alega, preliminarmente, que a decisão dos aclaratórios deve ser anulada, uma vez que fundamentada de forma genérica. De maneira subsidiaria, sustenta a nulidade da própria sentença, pois não enfrentou a totalidade dos argumentos expendidos pelo Estado. Ainda em sede preliminar, advoga a inadequação da via mandamental, porquanto impetrada contra lei em tese. No mérito, argui que a concessão da segurança ensejará enriquecimento ilícito, já que, ao trocar a sistemática de apuração - decorrente da determinação do Governo -, do Ajuste ST, prevista no art. 25-A, Livro III, do RICMS para a prevista em seu art. 25-B, a impetrante busca não realizar o estorno exigido. Discorre sobre a fundamentação dos Decretos n° 54.938/2019 e 55.297/2020 a fim de sustentar que a natureza do credito na substituição tributária não é puramente contábil, como alegam a impetrante e o juízo a quo, uma vez que, "após fechada a subapuração do ajuste, é efetivamente utilizado na GIA para reduzir o imposto a ser recolhido ao Estado" (sic. fl. 18). Opõe-se à afirmação da apelada de que só haveria uma presunção dos créditos, alegando que tais créditos foram escriturados quando ocorreu a entrada da mercadoria no estabelecimento. Isso posto, arrazoa que o estorno dos créditos é consequência lógica e razoável, em face da nova sistemática do Ajuste ST e do princípio da vedação do enriquecimento ilícito. Defende a possibilidade desta exigência por meio de decreto. Contesta a hipótese de retroatividade tributária, visto que apenas os fatos geradores futuros seriam afetados pela nova forma de cálculo. Disputa não se tratar de direito adquirido, já que a ação do Fisco se justifica ao defender o interesse público e ao aprimorar a legislação. Tendo em vista os princípios da livre concorrência, da não-cumulatividade e da vedação ao enriquecimento sem causa, denuncia a manutenção da decisão proferida, em prejuízo de "indevida chancela a uma repetida aquisição de créditos do ICMS para uma mesma operação" (sic. fl. 24). Pugna, caso a r. sentença for mantida, a apreciação da inconstitucionalidade do dito dispositivo da legislação por Órgão Especial do egrégio TJRS. Requer, subsidiariamente, o acolhimento das preliminares. Sendo desacolhidas todas as prefaciais, pede deferimento para denegar-se a segurança (ev. 47@ autos originários).

Em contrarrazões, a parte recorrida alega que o Estado busca legitimar a violação aos direitos dos contribuintes, sob fundamento daquilo que foi decidido no RE nº 593.849/MG pelo STF. Discorre que esta decisão da Suprema Corte não se delimita a aprimorar o regime da substituição tributária, como pretende a recorrente. Combate as questões preliminares apresentadas na apelação e defende a impetração do mandado de segurança preventivamente, de modo a impedir a exigência ilegal do estorno. Argumenta que, frente ao possível "descompasso entre o momento da adjudicação do imposto presumido (crédito) e o momento do lançamento do respectivo débito (débito)" (sic. fl. 7), a solução postulada pelo Poder Executivo é inconstitucional e indevida, pois carece de lei em sentido estrito. Argui que se o ato administrativo em questão tiver sua consecução, haverá um novo pagamento, não um estorno. Rememora as questões concernentes à proteção do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da irretroatividade tributária. Requer o desprovimento do recurso de apelação (ev. 50@ autos originários).

O órgão do Ministério Público opina pelo desprovimento do apelo (ev. 7@).

É o relatório.

VOTO

1. Admissibilidade.

Conheço do recurso, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

2. Preliminares.

Em preliminar, assevera o Estado (I) a nulidade da decisão que julgou os embargos de declaração, por "invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão", na forma do art. 489, § 1º, inciso III do CPC; (II) a nulidade da própria sentença, por "não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador", nas lindes do art. 489, § 1º, inciso IV do CPC; e (III) o descabimento da via mandamental, porquanto impetrada contra lei em tese (enunciado da Súmula 266 do STF).

Quanto às duas primeiras preliminares, a meu sentir, ambas as decisões foram suficientemente fundamentadas e não padecem de vício.

A questão relacionada à generalidade da decisão deve atentar que se estava em sede de embargos de declaração, recurso para o qual as hipóteses de cabimento são restritas (art. 1.022 do CPC) e no qual, invariavelmente, a tentativa é de efetiva reforma da posição proferida na decisão embargada, como no caso.

Logo, o fato de a decisão poder ser usada em outros embargos de declaração em que o intento é o rejulgamento do mérito do feito evidentemente não a macula ou caracteriza prestação jurisdicional deficiente.

É pertinente recordar que "o julgador não é obrigado a se manifestar sobre todas as teses expostas no recurso, ainda que para fins de prequestionamento, desde que demonstre os fundamentos e os motivos que justificaram suas razões de decidir, não configurando deficiência na prestação jurisdicional" - (EDcl no AgRg no REsp n. 1.989.982/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 7/6/2022, DJe de 13/6/2022.)

Assim, não há que se falar em nulidade, seja da decisão que desatou os aclaratórios, seja da sentença.

De outro lado, igualmente não prospera a arguição de inadequação da via do mandado de segurança.

No caso há uma ameaça concreta de vir o contribuinte a sofrer a cobrança do estorno previsto no art. 25-A, inciso I, Nota 6, do Livro III, do RICMS e até mesmo embaraço em sua atividade pela ausência de implementação deste, diante da necessária migração de regime de tributação (para a qual é exigido o referido estorno - art. 25-A, inciso I, Nota 7 c/c a parte inicial Nota 6, do Livro III, do RICMS).

Vale dizer, a ameaça de violação ao direito líquido e certo, ou seja, a possível (ou, melhor dizendo, a obrigatória, pois se trata de atividade vinculada) autuação fiscal futura é o ato contra o qual se insurge o impetrante. Não é contra a lei em tese.

É aspecto já assentado na doutrina e na jurisprudência a separação entre lei em tese e lei com efeitos concretos, hipótese esta que enseja a impetração de forma preventiva.

No caso, procura o impetrante atacar não a vigência da lei em tese, mas sim os seus efeitos concretos de forma preventiva. Com efeito, “a Constituição garante não apenas a reparação, mas também a prevenção. E ao aplicador da norma constitucional não é lícito desconhecer que na verdade prevenir é melhor do que reparar, proteger é melhor que recompor, porque de fato nenhuma lesão é completamente reparada ou composta” (MACHADO, Hugo de Brito. Mandado de Segurança em Matéria Tributária. 3ª ed., Dialética, 1998, p. 216).

Diga-se de passagem, tal matéria já está pacificada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, como se observa da ementa abaixo colacionada:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ISS. SUPOSTA IMPETRAÇÃO CONTRA LEI EM TESE. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 489 E 1.022 DO CPC/2015. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS, NO ACÓRDÃO RECORRIDO. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. PEDIDO INCIDENTAL DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE ATO NORMATIVO, EM CONTROLE DIFUSO, PARA AFASTAR A EXIGÊNCIA FISCAL, O QUE NÃO CONFIGURA IMPETRAÇÃO CONTRA LEI EM TESE. SÚMULA 266/STF. INAPLICABILIDADE.
RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

I. Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015.

II. Trata-se, na origem, de Mandado de Segurança, objetivando afastar o "ISS incidente sobre a cessão do direito de uso dos jazigos, ou semelhantes, por prazo determinado ou indeterminado, declarando-se, em caráter incidental, a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº. 2.251/2017, na parte em que dispôs sobre a hipótese de incidência tributária do ISS sobre a cessão dos jazigos de cemitérios, assim como a inconstitucionalidade do item 25.05 da lista anexa à LC n. 116/2003, indevidamente acrescido pela LC n. 157/16, por violação frontal ao artigo 156, III da Constituição Federal". O Juízo singular extinguiu liminarmente o feito, sem resolução do mérito, em razão da incidência da Súmula 266 do STF: "Não cabe mandado de segurança contra lei em tese". O Tribunal de origem, mantendo a sentença, negou provimento à Apelação da parte ora recorrente.
(...)
V. Nos termos da Súmula 266 do STF,
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