Acórdão nº 50168872320218210019 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Criminal, 16-02-2023
Data de Julgamento | 16 Fevereiro 2023 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Classe processual | Recurso em Sentido Estrito |
Número do processo | 50168872320218210019 |
Tipo de documento | Acórdão |
Órgão | Terceira Câmara Criminal |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20003177543
3ª Câmara Criminal
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Recurso em Sentido Estrito Nº 5016887-23.2021.8.21.0019/RS
TIPO DE AÇÃO: Feminicídio (art. 121, §2º, VI e §2º-A)
RELATORA: Desembargadora JANE MARIA KOHLER VIDAL
RECORRENTE: SEGREDO DE JUSTIÇA
RECORRENTE: SEGREDO DE JUSTIÇA
RECORRIDO: SEGREDO DE JUSTIÇA
RELATÓRIO
Trata-se de recursos em sentido estrito interpostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO e por PAULO CESAR VIEIRA em face da decisão de pronúncia proferida nos autos da ação penal.
Inicialmente, adoto o relatório lançado na decisão de pronúncia (evento 176, SENT1):
PAULO CESAR VIEIRA, brasileiro, solteiro, de cor branca, portador do RG n.º 4084533589, natural de Espumoso/RS, filho de José Vieira e Santina Vieira, nascido em 11/03/1980 (com 41 anos na data do fato), residente e domiciliado na Rua Osvaldo Cruz, n.º 572, Bairro Primavera, Novo Hamburgo/RS, CEP 93340-000, foi denunciado pela prática dos seguintes fatos delituosos:
“No dia 14 de agosto de 2021, por volta das 22h13min, na Rua Osvaldo Cruz, n.º 572, Bairro Primavera, em Novo Hamburgo/RS, o denunciado PAULO CESAR VIEIRA, por motivo torpe, mediante meio cruel, com recurso que dificultou a defesa da ofendida e contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, agindo com animus necandi ou, no mínimo, assumindo o risco de causar-lhe a morte, deu início ao ato de matar sua companheira ODETE PICININI MUELLER, não consumando o crime por circunstâncias alheias à sua vontade.
Na ocasião, o denunciado, imaginando que um suposto amante da vítima rondava sua residência, de inopino e com animus necandi ou, no mínimo, assumindo o risco de matar, passou a agredir a vítima com uma extensão, batendo-lhe com o objeto no corpo inteiro, puxando-lhe os cabelos e jogando-a contra a parede diversas vezes, causando-lhe as lesões descritas no boletim de atendimento médico, que apontam: “face com edema importante em fronte; equimose em região periorbital; edema e escoriação em dorso nasal; cervical com limitação de movimento; presença de hematomas e escoriações em abdome, dorso, membros inferiores; edema e dor no pulso esquerdo e no quarto dedo da mão esquerda”(Evento 58 – OUT7).
A tentativa de feminicídio foi praticada por motivo torpe, porquanto o denunciado imaginou que um suposto amante da vítima estaria rondando a sua residência a demonstrar seu nítido sentimento de posse sobre a vítima e seu ciúme doentio.
A tentativa de feminicídio foi praticada mediante meio cruel, na medida em que a violência empregada pelo denunciado contra a vítima foi extrema, causando à ofendida intenso sofrimento físico e psicológico.
A tentativa de feminicídio foi praticada mediante recurso que dificultou a defesa da ofendida, uma vez que o denunciado atuou com superioridade de forças, agredindo covardemente a vítima, que estava desarmada e com reduzida possibilidade de defesa, tendo, inclusive, trancado a residência quando da chegada da Polícia.
A tentativa de feminicídio foi praticada contra mulher por razões da condição de sexo feminino, na medida em que a vítima era sua companheira, tendo o denunciado se prevalecido de uma relação doméstica mantida com ODETE.
A tentativa de feminicídio só não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do denunciado, porquanto a Polícia foi rapidamente acionada e chegou ao local a tempo de impedi-lo, sendo a vítima prontamente encaminhada ao hospital, onde recebeu o tratamento adequado.".
A denúncia foi recebida em 31/08/2021 (evento 4, DOC1).
O acusado foi citado e apresentou resposta à acusação ( evento 13, DOC1 e evento 11, DOC1 ).
No curso da instrução foram inquiridas as vítimas e as testemunhas e interrogado o acusado ( evento 74, DOC1 e evento 134, DOC1).
O Ministério Público, em memoriais (evento 171, DOC1), requereu que fosse o réu pronunciado e levado a julgamento pelo Tribunal Popular, nos termos da denúncia, uma vez que comprovada a materialidade e os indícios de autoria.
A defesa do acusado, em memoriais, requereu, a impronúncia do acusado nos termos do artigo 414 do CPP. Subsidiariamente, a desclassificação do delito para aquele do artigo 129 do CP com base no artigo 419 do CPP e, ainda, em caso da não desclassificação, requereu o afastamento das qualificadoras.(evento 174, DOC1).
Sobreveio decisão de pronúncia, submetendo o acusado ao julgamento pelo Tribunal do Júri, como incurso nas sanções do artigo 121, §2º, inciso I, III, IV e VI, §2º-A, I c/c artigo 14, inciso II, todos do Código Penal, na forma da Lei nº 8.072/90 e concedendo a liberdade provisória ao acusado.
Inconformado, o acusado interpôs recurso em sentido estrito (evento 202, RAZRECUR1). Em suas razões, sustentou a ausência de animus necandi. Disse que a tentativa de homicídio qualificado reclama como elemento nuclear de concreção, a existência do dolo na conduta do agente. Mencionou a inexistência de provas suficientes para o decreto condenatório. Discorreu acerca do afastamento das qualificadoras. Pugnou pelo provimento do recurso em sentido estrito para o efeito de impronunciar o acusado. Alternativamente, pediu a desclassificação do crime para o de lesão corporal, previsto no art. 129 do CP.
Contrarrazões (evento 213, CONTRAZ1).
O Ministério Público, também interpôs recurso em sentido estrito pretendendo a manutenção da prisão preventida do réu, nos termos das razões recursais (evento 215, RAZRECUR1).
Contrarrazões (evento 221, CONTRAZ1).
Em juízo de retratação, a decisão de pronúncia foi mantida (evento 228, DESPADEC1).
Neste grau de jurisdição, o Ministério Público apresentou parecer, opinando pelo desprovimento do recurso do acusado e provimento do recusro ministerial (evento 8, PROMOÇÃO1).
É o relatório.
VOTO
Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço dos recursos.
Pretende a defesa, em síntese, a impronúncia do acusado, desclassificação do crime para lesão corporal e afastamento das qualificadoras. O Ministério Público recorre pretendendo o decreto da prisão preventiva do réu.
Adianto que a insurgência do acusado não prospera.
Inicialmente, destaco que, no procedimento relativo aos processos da competência do Tribunal do Júri, a fase do sumário da culpa funciona como juízo de prelibação. A cognição restringe-se à verificação da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.
Oportuno transcrever o disposto no art. 413 do Código de Processo Penal:
Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)
§ 1o A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
§ 2o Se o crime for afiançável, o juiz arbitrará o valor da fiança para a concessão ou manutenção da liberdade provisória. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
§ 3o O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código.
Segundo dispõe o art. 5°, inciso XXXVIII, alínea 'd', da Constituição Federal, é reconhecida a competência do conselho de sentença para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Por essa razão, na decisão de pronúncia, não cabe fundamentação que evidencie juízo de convencimento acerca da autoria, sob pena de excesso de linguagem. Dessa forma, dá-se a valoração racional da prova em instrução preliminar.
Nesse contexto, o standard probatório para o juízo de pronúncia deve se pautar na preponderância das provas produzidas em contraditório judicial, não podendo se valer, exclusivamente, de elementos de informação colhidos na fase de investigação.
A título ilustrativo, destaco a ementa do Recurso Extraordinário n° 1067392/CE, proferido pelo Supremo Tribunal Federal:
Penal e Processual Penal. 2. Júri. 3. Pronúncia e standard probatório: a decisão de pronúncia requer uma preponderância de provas, produzidas em juízo, que sustentem a tese acusatória, nos termos do art. 414, CPP. 4. Inadmissibilidade in dubio pro societate: além de não possuir amparo normativo, tal preceito ocasiona equívocos e desfoca o critério sobre o standard probatório necessário para a pronúncia. 5. Valoração racional da prova: embora inexistam critérios de valoração rigidamente definidos na lei, o juízo sobre fatos deve ser orientado por critérios de lógica e racionalidade, pois a valoração racional da prova é imposta pelo direito à prova (art. 5º, LV, CF) e pelo dever de motivação das decisões judiciais (art. 93, IX, CF). 6. Critérios de valoração utilizados no caso concreto: em lugar de testemunhas presenciais que foram ouvidas em juízo, deu-se maior valor a relato obtido somente na fase preliminar e a testemunha não presencial, que, não submetidos ao contraditório em juízo, não podem ser considerados elementos com força probatória suficiente para atestar a preponderância de provas incriminatórias. 7. Dúvida e impronúncia: diante de um estado de dúvida, em que há uma preponderância de provas no sentido da não participação dos acusados nas agressões e alguns elementos incriminatórios de menor força probatória, impõe-se a impronúncia dos imputados, o que não impede a reabertura do processo em caso de provas novas (art. 414, parágrafo único, CPP). Primazia da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF ...
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