Acórdão nº 50169232920208210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Cível, 27-04-2022

Data de Julgamento27 Abril 2022
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50169232920208210010
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002035275
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5016923-29.2020.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Dívida Ativa

RELATOR: Desembargador RICARDO TORRES HERMANN

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (EMBARGADO)

APELADO: JHONATAN FELIPE PELLIN (EMBARGANTE)

APELADO: WILLIAM PELLIN (EMBARGANTE)

RELATÓRIO

Vistos.

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL interpõe recurso de apelação, nos autos em que contende com JHONATAN FELIPE PELLIN e WILLIAM PELLIN, em face da sentença que acolheu o pedido formulado pelos últimos, em sede de embargos de terceiro, nos seguintes termos:

ISSO POSTO, julgo PROCEDENTE o pedido nos embargos de terceiro, a fim de desconstituir, de forma definitiva, a penhora sobre o imóvel objeto da matrícula nº 48.810.

Condeno o ente embargado aos honorários de sucumbência em 10% sobre o valor atualizado da causa, observando o art. 85 do CPC, corrigido pelo IPCA-E desde o ajuizamento. Isento de custas processuais em razão da Lei n° 14.634/14.

Com o trânsito em julgado, certifique-se na ação executiva e oficie-se ao Cartório de Registro de Imóveis - 1° Zona desta cidade.

Cumpra-se

Intimem-se.

Em suas razões, o ente público reitera a tese de que, no caso dos autos, há fraude à execução não acolhida pelo juízo recorrido, na medida que se trata de doação de pai para filhos, com reserva de usufruto, com quadro de endividamento da empresa, que acumula débito de 700 milhões somente neste processo. Diz que a doação configura ato de mera simulação e, como tal, absolutamente nula. Menciona que, após a inscrição em dívida ativa, restou o imóvel em questão doado em fraude à execução, nos termos do art. 185 do CTN, com respaldo na súmula 435 do STJ. Sustenta que, ao tempo da execução, o apelado Willian possuía apenas 6 anos de idade, ao passo que o Jhonatan possuía apenas 13 anos, sendo ambos menores, servindo de ponte para a salvaguarda de patrimônio. Discorre sobre o direito aplicável. Pede provimento.

São apresentadas contrarrazões.

Vêm os autos à conclusão para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes colegas.

Adianto encaminhar voto no sentido de negar provimento ao apelo interposto, mantendo integralmente a sentença recorrida.

O cerne do recurso diz com a contrariedade do Estado do julgamento de procedência do pedido vertido nos embargos de terceiro, sustentando, em síntese, a ocorrência doação simulada, configurando fraude à execução.

Notadamente, presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.

Assim estabelece o artigo 185 do CTN:

Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.

Na mesma linha, o Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp. nº 1141990/PR, pelo rito dos recursos repetitivos (Tema n. 290), pacificou o entendimento no sentido de que se o ato translativo foi praticado a partir de 09.06.2005, data de início da vigência da Lei Complementar n.º 118/2005, basta a efetivação da inscrição em dívida ativa para a configuração da figura da fraude. Na mesma oportunidade, ficou acertado que a simples alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo por quantia inscrita em dívida ativa pelo sujeito passivo, sem reserva de meios para quitação do débito, gera presunção absoluta de fraude à execução, mesmo diante da boa-fé do terceiro adquirente e ainda que não haja registro de penhora do bem alienado, bem como que a alienação engendrada até 08.06.2005 exige que tenha havido prévia citação no processo judicial para caracterizar a fraude de execução.:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. DIREITO TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE TERCEIRO. FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL. ALIENAÇÃO DE BEM POSTERIOR À CITAÇÃO DO DEVEDOR. INEXISTÊNCIA DE REGISTRO NO DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO - DETRAN. INEFICÁCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. ARTIGO 185 DO CTN, COM A REDAÇÃO DADA PELA LC N.º 118/2005. SÚMULA 375/STJ. INAPLICABILIDADE.

1. A lei especial prevalece sobre a lei geral (lex specialis derrogat lex generalis), por isso que a Súmula n.º 375 do Egrégio STJ não se aplica às execuções fiscais.

2. O artigo 185, do Código Tributário Nacional - CTN, assentando a presunção de fraude à execução, na sua redação primitiva, dispunha que: "Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa em fase de execução. Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados pelo devedor bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida em fase de execução."

3. A Lei Complementar n.º 118, de 9 de fevereiro de 2005, alterou o artigo 185, do CTN, que passou a ostentar o seguinte teor: "Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa. Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita."

4. Consectariamente, a alienação efetivada antes da entrada em vigor da LC n.º 118/2005 (09.06.2005) presumia-se em fraude à execução se o negócio jurídico sucedesse a citação válida do devedor; posteriormente à 09.06.2005, consideram-se fraudulentas as alienações efetuadas pelo devedor fiscal após a inscrição do crédito tributário na dívida ativa.

5. A diferença de tratamento entre a fraude civil e a fraude fiscal justifica-se pelo fato de que, na primeira hipótese, afronta-se interesse privado, ao passo que, na segunda, interesse público, porquanto o recolhimento dos tributos serve à satisfação das necessidades coletivas.

6. É que, consoante a doutrina do tema, a fraude de execução, diversamente da fraude contra credores, opera-se in re ipsa, vale dizer, tem caráter absoluto, objetivo, dispensando o concilium fraudis. (FUX, Luiz. O novo processo de execução: o cumprimento da sentença e a execução extrajudicial. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 95-96 / DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 278-282 / MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 210-211 / AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 472-473 / BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 604).

7. [...]

8. A inaplicação do art. 185 do CTN implica violação da Cláusula de Reserva de Plenário e enseja reclamação por infringência da Súmula Vinculante n.º 10, verbis: "Viola a cláusula de reserva de plenário (cf, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte."

9. Conclusivamente: (a) a natureza jurídica tributária do crédito conduz a que a simples alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, pelo sujeito passivo por quantia inscrita em dívida ativa, sem a reserva de meios para quitação do débito, gera presunção absoluta (jure et de jure) de fraude à execução (lei especial que se sobrepõe ao regime do direito processual civil); (b) a alienação engendrada até 08.06.2005 exige que tenha havido prévia citação no processo judicial para caracterizar a fraude de execução; se o ato translativo foi praticado a partir de 09.06.2005, data de início da vigência da Lei Complementar n.º 118/2005, basta a efetivação da inscrição em dívida ativa para a configuração da figura da fraude; (c) a fraude de execução prevista no artigo 185 do CTN encerra presunção jure et de jure, conquanto componente do elenco das "garantias do crédito tributário"; (d) a inaplicação do artigo 185 do CTN, dispositivo que não condiciona a ocorrência de fraude a qualquer registro público, importa violação da Cláusula Reserva de Plenário e afronta à Súmula Vinculante n.º 10, do STF.

[...]

11. Recurso especial conhecido e provido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C do CPC e da Resolução STJ n.º 08/2008.

(REsp 1141990/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/11/2010, DJe 19/11/2010)

A propósito:

TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO DO BEM APÓS A INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. FRAUDE À EXECUÇÃO CONFIGURADA. PRESUNÇÃO ABSOLUTA. DESPICIENDA A DISCUSSÃO ACERCA DA BOA-FÉ DO TERCEIRO ADQUIRENTE. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 375/STJ. RESP 1.141.990/PR, REL. MIN. LUIZ FUX, DJE 19.11.2010, JULGADO PELO RITO DO ART. 543-C DO CPC/1973. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. AGRAVO INTERNO DO PARTICULAR A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Ao julgar o REsp. 1.141.990/PR, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 19.11.2010, representativo da controvérsia, o Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que não se aplica à execução fiscal o Enunciado 375 da Súmula de sua jurisprudência, segundo o qual o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.

2. Sendo assim, há presunção absoluta de fraude à execução quando a alienação é efetivada após a inscrição em dívida ativa, sendo desnecessária, portanto, a discussão acerca da má-fé ou não do adquirente. Ressalva do ponto de vista do Relator.

3. Agravo Interno do Particular a que se nega provimento.

(AgInt no REsp...

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