Acórdão nº 50173780520228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quinta Câmara Cível, 31-05-2022

Data de Julgamento31 Maio 2022
ÓrgãoVigésima Quinta Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo50173780520228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002047999
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

25ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5017378-05.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Ensino Fundamental e Médio

RELATORA: Desembargadora HELENA MARTA SUAREZ MACIEL

AGRAVANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

AGRAVADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo MUNICÍPIO DE CAXIAS DO SUL contra decisão proferida nos autos da ação que lhe promove V. R. C.

A decisão agravada foi redigida nos seguintes termos:

"Vistos.

Recebo a inicial.

Inicialmente, ao Cartório para que readeque a autuação do feito, devendo constar a genitora como representante legal.

Outrossim, passo a apreciar o pedido liminar de concessão de vaga em escola de educação infantil próxima à residência da parte autora em turno integral.

Nesse passo, no que se refere à questão acerca do tempo de duração do dia letivo, meio turno ou turno integral, sublinhe-se que se trata de temática não contemplada no título judicial objeto da execução coletiva.

É forçoso o exame do panorama legislativo que versa sobre o assunto, a fim de verificar a eventual previsão cogente da qual advenham eventuais direitos a serem tutelados no bojo da citada execução de julgado.

Nesse norte, apenas na norma infraconstitucional de regência, a Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394/1996), há a previsão quanto à duração do dia letivo, que ora se transcreve (sem grifos no original):

Art. 31. A educação infantil será organizada de acordo com as seguintes regras comuns:

I – avaliação mediante acompanhamento e registro do desenvolvimento das crianças, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental;

II – carga horária mínima anual de 800 (oitocentas) horas, distribuída por um mínimo de 200 (duzentos) dias de trabalho educacional;

III – atendimento à criança de, no mínimo, 4 (quatro) horas diárias para o turno parcial e de 7 (sete) horas para a jornada integral;

IV – controle de frequência pela instituição de educação pré-escolar, exigida a frequência mínima de 60% (sessenta por cento) do total de horas;

V – expedição de documentação que permita atestar os processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança.

Constata-se, pois, que a baliza legal permite o desempenho das atividades típicas da Educação Infantil tanto em meio turno quanto em turno integral, daí desdobrando-se a forçosa conclusão de que qualquer das hipóteses constitui, em tese, alternativa juridicamente sustentável e que, por isso, não merece interferência judicial.

No entanto, no atual cenário normativo, as, agora, escolas de educação infantil, não mais as creches, destinam-se a concretizar o direito das crianças ao ensino e não unicamente ao cuidado pela momentânea impossibilidade de seus responsáveis, devendo ser inseridos, consoante as “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil” (item 2.1), em “espaços institucionais não domésticos que constituem estabelecimentos educacionais públicos ou privados que educam e cuidam de crianças de 0 a 5 anos de idade no período diurno, em jornada integral ou parcial” (sem grifos no original).

Em outros termos, partindo-se da inelutável premissa de que a inserção de uma criança em uma escola vincula-se ao seu direito subjetivo à educação, a adequação de sua inclusão em meio turno ou em turno integral deve buscar esteio em parâmetros pedagógicos específicos e, também, em aspectos pessoais como por exemplo, a análise de sua eventual vulnerabilidade social e o seu grau.

Portanto, no que se refere à questão acerca do tempo de duração do dia letivo, se turno parcial ou integral, consigno que se trata de temática que demanda dilação probatória, a ser analisada por meio dos documentos juntados com a inicial e durante o andamento processual e/ou mediante estudo social do núcleo familiar, a ser elaborado pelo Município, se for o caso, quando da instrução.

Nesse contexto, DEFIRO PARCIALMENTE A LIMINAR apenas para determinar ao Município que disponibilize/garanta, no prazo de 20 dias, vaga em escola de educação infantil ao requerente, em turno parcial, ou mediante a aquisição de vaga na rede privada, independente da duração do dia letivo, ficando a análise da pertinência ou não da concessão do turno integral para quando da prolação da sentença, após o exaurimento da fase instrutória.

Consigno que, caso ainda suspensas as aulas da educação infantil, em razão da pandemia do coronavírus, a Secretaria Municipal de Educação deverá organizar-se para disponibilizar a vaga ao menor no prazo indicado, ficando garantido, dessa forma, o ingresso do estudante no educandário assim que as aulas regressarem, em cumprimento a presente decisão liminar, em turno parcial.

Cite-se.

Intimem-se.

Diligências legais."

Insurgiu-se o ente público contra a decisão atacada, sustentando descabido o ajuizamento da demanda, tendo em vista que não houve negativa do Municípo ao fornecimento da vaga. Referiu que a inscrição administrativa foi realizada no dia 26/01/2022 e a propositura da ação no dia 31/01/2022, concluindo-se que a inscrição foi realizada com o intuito de mover ação judicial tão somente. Argumentou que não há provas da resistência da municipalidade em prover o pleito da autora na esfera administrativa, além da tenra idade da criança e ausência de provas no sentido que os genitores possam cuidá-la, no mínimo, em contraturno. Pugnou pela concessão de efeito suspensivo, revogando-se a liminar e devendo a parte requerente aguardar os trâmites de designação na via administrativa. Colacionou jurisprudência. Ao final, requereu o provimento do recurso, nos termos da fundamentação (evento 1).

Recebido o recurso, restou deferido o pleito de antecipação da tutela recursal (evento 6).

A parte recorrida não apresentou contrarrazões (evento 14).

O Ministério Público, neste grau de jurisdição, opinou pelo desprovimento do recurso (evento 17).

Os autos vieram conclusos.

É o relatório.

VOTO

A interposição dos recursos está adstrita aos pressupostos de admissibilidade, os quais se dividem em extrínsecos e intrínsecos. Por conseguinte, devidamente preenchidos os referidos requisitos, conheço do recurso e passo à análise do mérito.

A lide versa acerca de pedido de concessão de vaga em Escola Municipal de Educação Infantil, para criança com até cinco anos de idade.

Direito à Educação Infantil

De início, impõe-se reconhecer que o direito ora pleiteado – direito à educação - se trata de direito fundamental social, disposto tanto na Constituição Federal quanto na legislação infraconstitucional. Assim se extrai da redação da Lei Maior (artigo 6°) e da Lei de Diretrizes e Bases - Lei nº 9.394/96 (artigos 4°, II e 11, V):


“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015)”

“Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:
II - educação infantil gratuita às crianças de até 5 (cinco) anos de idade;”

“Art. 11. Os Municípios incumbir-se-ão de:
V - oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino.”

O direito à educação é garantido constitucionalmente, consoante se extrai da redação dos artigos 205, 208, IV, e 227, caput, da Constituição Federal1. O Estatuto da Criança e do Adolescente, na mesma senda, preconiza o dever do Estado de assegurar à criança e ao adolescente o acesso a todos os níveis de ensino, inclusive, à educação infantil, senão vejamos:

“Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”

“Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: (...)”

“Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:

I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
II- progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a cinco anos de idade;
V- acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
VI- oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente trabalhador;
VII - atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

§ 2º O não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente.

§ 3º Compete ao poder público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsável, pela freqüência à escola.”
(grifei)

A educação se organiza, conforme se extrai da Lei de Diretrizes e Bases da Educação - Lei nº 9.394/96 – nas...

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