Acórdão nº 50177744020218210008 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quinta Câmara Cível, 28-02-2023

Data de Julgamento28 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50177744020218210008
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003290000
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

25ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5017774-40.2021.8.21.0008/RS

TIPO DE AÇÃO: Educação Básica

RELATOR: Desembargador RICARDO PIPPI SCHMIDT

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta pela parte autora, menor de quatro anos, nos autos de ação de obrigação de fazer que move contra o MUNICÍPIO DE CANOAS, em face de sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de vaga para ingresso em creche municipal, em turno integral, conforme anexo evento 36, SENT1.

Em suas razões, a parte apelante mencionou que seu genitor trabalha em turno integral, como auxiliar de serviços gerais, e que sua genitora como sushiman das 16h às 23h, não podendo lhe prestar cuidados durante período de trabalho, nem adimplir com despesas de creche privada por ausência de condições financeiras. Postulou a reforma da sentença, impondo ao ente público que forneça, em caráter liminar, antes do julgamento do apelo, a vaga em creche em favor da menor, em turno integral, próxima à residência familiar ou, alternativamente, na rede particular, sob pena de bloqueio de valores. Ao final, postulou o arbitramento de dos honorários advocatícios sucumbenciais em favor de seu patrono, no percentual de 10% a 20% do valor da causa, bem como a imediata disponibilização da vaga.

Foram apresentadas contrarrazões.

O Ministério Público opinou pelo provimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

O apelo preenche os pressupostos de admissibilidade recursal.

No mérito, a pretensão recursal da autora é no sentido de que a sentença seja reformada para que seja disponibilizada vaga em creche pública, em turno integral

A Constituição Federal, no capítulo que trata da educação, da cultura e do desporto, estabelece, no que importa ao julgamento deste recurso, o seguinte:

“Art. 208 – O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada, inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiverem acesso na idade própria;

(...)

IV – educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade;

(...)

§1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

§2º O não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. (...)

Art. 211 A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração os seus sistemas de ensino.

(...)

§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.

(...)

Art. 214 A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes e objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção do desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a:

I – erradicação do analfabetismo;

II – universalização do atendimento escolar;

(...)” – grifei.

Já, a Emenda Constitucional 59/2009, que dentre outras disposições, alterou o art. 208 e o art. 214 da CF, estabeleceu, em seu art. 6º, que “o disposto no inciso I do art. 208 da Constituição Federal deverá ser implementado progressivamente, até 2016, nos termos do Plano Nacional de Educação, com apoio técnico e financeiro da União”.

Referido Plano Nacional de Educação, aprovado pela Lei nº 13.005/14, estabeleceu, dentre as suas metas:

META 1: “Universalizar, até 2016, a educação infantil na pré- escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE” (em 2024) – grifei.

Da análise sistemática da legislação acima transcrita, tem-se que, ao contrário do que alega a parte recorrente, o direito à vaga em creche para crianças com idade inferior a 4 anos não é gratuito e universal, pois obrigatória e gratuita é educação básica destinada às crianças com mais de 4 anos de idade.

De fato. O acesso às creches públicas ou custeadas pelo poder público, diferentemente do que acontece com a educação básica destinada às crianças e adolescentes de 04 a 17 anos de idade (previsto no art. 208, I, da CF), porque não é assegurado em caráter universal, a todas as crianças, não pode ser exigido de forma gratuita, o que autoriza o município, no tocante à disponibilização de vagas em creche, a proceder uma análise da condição familiar da criança, destinando as vagas nas instituições públicas ou custeadas pelo poder público às crianças em situação de vulnerabilidade social ou cujos pais não possam custear creches particulares.

E isso porque, repita-se, “obrigatória e gratuita” é a educação infantil na pré-escola às crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade, em relação a quem, sim, a CF e a própria Lei 13.005/2014 asseguram a sua universalização aos que se encontram nesta faixa etária.

No caso da creche, etapa inicial do “ensino infantil”, a Constituição Federal prevê, no seu art. 208, inciso IV, o dever do Estado em prestar atendimento, mas sem caráter universal, por ora (o PNE estabelece que tal se dará progressivamente até 2024), de modo que as crianças de 0 a 3 anos de idade que demandam creches serão atendidas na medida da necessidade, o que, repita-se, autoriza análise da situação concreta a partir da hipossuficiência econômica familiar.

Tanto é assim que, conforme já destacado, ao estabelecer as metas do Plano Nacional de Educação – PNE, a Lei 13.005/2014 fixou como META 1: “Universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE” (em 2024)

Portanto, em relação aos pedidos de vaga em creche formulados por crianças com menos de 4 anos, como no caso dos autos, não só é possível como razoável o estabelecimento de critérios a partir das condições pessoais da criança e de sua família, inclusive de ordem econômica, a fim de viabilizar atenção prioritária aquelas que se encontram em situação de vulnerabilidade social e que não tenham condições de custear creche particular.

Nesse sentido, também foi o entendimento deste colegiado no julgamento da Ação Civil Pública movida em face do Município de POA:

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ENSINO PÚBLICO. MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE. QUESTÕES PRELIMINARES: NULIDADE DA DECISÃO AFASTADA. OBSERVÂNCIA DAS DISPOSIÇÕES DA LEI Nº 13.655/18. EXTINÇÃO E/OU SUSPENSÃO DO PROCESSO. PENDÊNCIA DO JULGAMENTO DO TEMA 548-STF. AUSÊNCIA DE DETERMINAÇÃO DE SOBRESTAMENTO PELO STF. INOCORRÊNCIA DE HIPÓTESES DE EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. PREFACIAIS REJEITADAS. (...) MÉRITO: EDUCAÇÃO INFANTIL. DEVER DO MUNICÍPIO. DISPONIBILIZAÇÃO DE VAGAS ÀS CRIANÇAS DE 0 (ZERO) A 5 (CINCO) ANOS. REDE PÚBLICA OU CONVENIADA, OU, SE INVIÁVEIS ESTAS, ATENDIMENTO NA REDE PARTICULAR. ANÁLISE A PARTIR DA ÓTICA CONSTITUCIONAL E DAS LEIS QUE REGEM A MATÉRIA. DISTINÇÃO ENTRE PRÉ-ESCOLA E CRECHE. VAGAS EM PRÉ-ESCOLA: OBRIGATORIEDADE E GRATUIDADE. ART. 208, I, CF E ART. 4º, I, E 30, II, DA LDB. VAGAS EM CRECHES: CRITÉRIOS E REQUISITOS PARA SUA CONCESSÃO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA E/OU VULNERABILIDADE SOCIAL. ART. 208, IV c/c 214 CF E ART. 4, II E 30, I, DA LDB. EC 59/2009. PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. LEI 13.005/14. PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL. A par da indiscutível universalidade do direito social à educação, não há no texto constitucional e nas normativas que tratam da matéria determinação expressa que obrigue o ente público a fornecer ensino infantil, na modalidade creche (0 a 3 anos de idade), a todas as crianças, em caráter universal e gratuito. Interpretação a ser feita a partir do disposto no art. 208, incisos I e IV, da Constituição Federal, consideradas, ainda, as definições da Lei de Diretrizes e Bases e as metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Educação. Balizas de idade, fixadas pelo próprio Constituinte, objetivando situar a educação infantil, diversa da educação básica, e, a partir de tais pressupostos, instituir o que deve ser simplesmente oferecido daquilo que é obrigatório e gratuito. Obrigatória e gratuita deve ser a educação infantil na pré-escola às crianças de 4 (quatro – 1ª etapa) a 5 (cinco – 2ª etapa) anos de idade, em relação a quem a CF e a própria Lei 13.005/2014 asseguram a sua imediata universalização, obrigatoriedade e acesso gratuito. Observância, na disponibilização de vagas em creche (0 a 3 anos), etapa inicial da “educação infantil”, ao disposto no PNE, que estabelece atendimento universal progressivamente até 2024. Destarte, crianças de 0 a 3 anos de idade que demandam creches devem ser atendidas na medida da necessidade/possibilidade, autorizando análise da situação concreta a partir de critérios como da hipossuficiência econômica familiar, vulnerabilidade, dentre outros. Aplicação dos Princípios da Isonomia, Solidariedade, Proporcionalidade e Razoabilidade. EXIGÊNCIA DE PRÉVIA INSCRIÇÃO ADMINISTRATIVA. ADMISSIBILIDADE. Sentença que apresenta conformidade com o posicionamento deste Colegiado, no tópico, por inadmissível o ajuizamento de processo judicial no intuito de obter vaga em creche sem que antes tenha, no mínimo, demonstrado que diligenciou concretamente na esfera administrativa. O...

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