Acórdão nº 50179858020218210039 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 13-12-2022

Data de Julgamento13 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Número do processo50179858020218210039
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002994708
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Recurso em Sentido Estrito Nº 5017985-80.2021.8.21.0039/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5017985-80.2021.8.21.0039/RS

TIPO DE AÇÃO: Perturbação da tranquilidade

RELATOR: Desembargador JONI VICTORIA SIMOES

RELATÓRIO

O Ministério Público, na Comarca de Viamão, denunciou V. D. P., já qualificado nos autos, dizendo-o incurso nas sanções do artigo 65 da Lei de Contravenções Penais, bem como do artigo 147, caput, ambos do Código Penal, na forma da Lei n.º 11.340/06, pela prática dos seguintes fatos:

"1º FATO

Em data ainda não esclarecida nos autos, mas até o 21 de dezembro de 2020, em Viamão/RS, o denunciado V. D. P., por diversas vezes, perturbou, por motivo reprovável, a tranquilidade da vítima C. B. S., sua então ex-companheira, invadindo sua esfera de privacidade e restringindo a sua liberdade.

Por ocasião dos fatos, o denunciado, na condição de excompanheiro da ofendida, agindo com violência psicológica nos termos do artigo 7º, II, da Lei n.º 11.340/06, por diversas vezes, perturbou, por motivos reprováveis, tendo em vista não aceitar o fim do relacionamento com a vítima, buscou insistentemente retomar a relação, perturbando a tranquilidade de C. ao contatá-la para tal fim, sendo que, na data dos fatos, perseguiu-a em via pública, compelindo a vítima a evadir-se do local com muito temor, ingressando em estabelecimento comercial para se esconder e solicitar ajuda, delineando a perturbação da tranquilidade de C., que teve invadida sua esfera de privacidade e restringinda sua liberdade.

2º FATO

No dia 21 de dezembro de 2020, por volta das 09h15min, na Rua (...), Viamão/RS, o denunciado V. D. P. ameaçou, por palavras, de causar mal injusto e grave, à vítima C. B. S., sua então excompanheira.

Na ocasião, o denunciado, na condição de excompanheiro da vítima, agindo com violência psicológica nos termos do artigo 7º, II, da Lei n.º 11.340/06, após persegui-la em via pública como narrado acima, ameaçou, por palavras, a vítima C. B. S., afirmando que a mataria.

O contexto em que seguida a conduta acima reproduzida, bem como a clara situação de vulnerabilidade em que inserta a ofendida naquele momento, delimitam o tipo penal em apreço, já que, sob o prisma da ofendida, havia clara indicação de que mal injusto e grave poderia lhe acometer.

A infração penal foi praticada prevalecendo-se e relações domésticas e de coabitação, com violência contra a mulher."

Em 27/10/2021, o magistrado a quo recebeu a denúncia quanto à suposta prática do crime de ameaça (2º fato). Por outro lado, rejeitou a inicial, com relação à possível perpetração da contravenção de perturbação da tranquilidade (1º fato), com fulcro no artigo 386, inciso II, do CPP.

Irresignado, o Ministério Público interpôs recurso em sentido estrito, o qual foi recebido.

Em suas razões, postula o recebimento da denúncia também quanto à infração de perturbação de tranquilidade. Ressalta que a conduta antes prevista pelo artigo 65 da Lei de Contravenções Penais foi recepcionada pelo Código Penal e está amoldada no novo artigo 147-A do aludido decreto legal, de modo que, nos termos do princípio da continuidade normativo-típica, não há que falar, in casu, em abolitio criminis.

Apresentadas contrarrazões pela defesa.

Subiram os autos a esta Corte, operando-se a sua distribuição a esta Relatoria.

O Ministério Público, em parecer lavrado pelo Dr. Renato Vinhas Velasques, manifestou-se pelo conhecimento e pela perda do objeto do recurso.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso, uma vez que presentes os pressupostos de admissibilidade.

Conforme se observa do relatório supra, no dia 27/10/2021, o magistrado a quo recebeu a denúncia quanto à suposta prática do crime de ameaça (2º fato), mas, por outro lado, rejeitou a exordial, com relação à possível perpetração da contravenção de perturbação da tranquilidade (1º fato), nos seguintes termos:

"Vistos.

O Ministério Público ofereceu denúncia contra V. D. P. pela prática, em tese, das infrações penais de perturbação da tranquilidade e ameaça.

Em relação a contravenção penal de perturbação da tranquilidade foi expressamente revogada a partir da entrada em vigor em 31/03/2021 da Lei 14.132/2021 não sendo caso de aplicação do princípio da continuidade normativo típica, como apontado pelo Ministério Público.

O exame dos tipos penais e do próprio projeto de lei que incluiu a nova norma penal conduzem a conclusão de que se trata de situação de abolitio criminis. Vejamos:

A contravenção penal de perturbação da tranquilidade tipificada no artigo 65, do Decreto-Lei 3.688/41 consistia na conduta de “Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável”.

Molestar significa causar mágoa, desgosto, aborrecimento e para configuração da contravenção penal necessário comprovar o elemento normativo do tipo, qual seja, o acinte, ação propositada com o fim específico de magoar, provocar ou ainda, o agir por motivo reprovável.

O delito de perseguição, artigo 147 -A do Código Penal, por sua vez, dispõe: “Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.”

O novo tipo penal não abrange as elementares da contravenção penal expressamente revogada pela Lei 14.132/2021, não havendo, assim, que se falar em continuidade normativo típica para quaisquer situações anteriormente abrangidas pela contravenção penal, mas em exclusão de ilícito, notadamente no que diz respeito às elementares do acinte e do agir de modo reprovável não presentes no novo tipo penal.

Neste sentido tem se posicionado às Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Apelação criminal. Contravenção penal. Perturbação da tranquilidade. A nova Lei nº 14.132/2021, de 31/3/21, que acrescentou o art. 147-A ao Código Penal e tipificou os comportamentos desta ação penal como crime de "perseguição", por ser novatio legis incriminadora, não retroage para alcançar os fatos praticados antes de sua vigência. De outro lado, esse novo diploma legal, em seu art. 3º, expressamente revogou o art. 65 da LCP. Sobreveio, no caso, a abolitio criminis. Punibilidade extinta.
(TJSP; Apelação Criminal 0000636-44.2018.8.26.0160; Relator (a): Diniz Fernando; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Descalvado - 2ª Vara; Data do Julgamento: 31/05/2021; Data de Registro: 31/05/2021)

APELAÇÃO CRIMINAL – Descumprimento de medida protetiva, ameaça e perturbação da tranquilidade - Contexto de Violência Doméstica - Sentença absolutória – Ministério Publico pleiteia a condenação nos termos da denúncia - Cabimento em parte – Artigo 65 da Lei das Contravenções Penais revogado em razão da Lei 14.132/21 – Impossibilidade de condenação pela contravenção ante o "abolitio criminis" – Condenação que se impõe quanto aos crimes tipificados no artigo 24-A da Lei 11.340/06 e 147 do Código Penal - Materialidade e autoria comprovadas – RECURSO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJSP; Apelação Criminal 1500204-64.2020.8.26.0326; Relator (a): Fátima Gomes; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Lucélia - 1ª Vara; Data do Julgamento: 25/07/2021; Data de Registro: 25/07/2021)

De fato, a nova legislação criminalizou conduta diversa daquela anteriormente prevista na contravenção penal. A continuidade normativo típica somente ocorre quando há o deslocamento do conteúdo criminoso de um tipo penal para outro, aprimorando os verbos nucleares,...

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