Acórdão nº 50181049720178210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 09-12-2022
Data de Julgamento | 09 Dezembro 2022 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Classe processual | Apelação |
Número do processo | 50181049720178210001 |
Tipo de documento | Acórdão |
Órgão | Décima Nona Câmara Cível |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20001422806
19ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Apelação Cível Nº 5018104-97.2017.8.21.0001/RS
TIPO DE AÇÃO: Esbulho / Turbação / Ameaça
RELATOR: Desembargador EDUARDO JOAO LIMA COSTA
APELANTE: ALEXANDRE CORREIA MANZONI (AUTOR)
APELANTE: CINTIA FERNANDA DA SILVA MANZONI (AUTOR)
APELADO: DULCE MARIA MANZONI MOTTOLA (RÉU)
APELADO: IRIA MANZONI NUNES (RÉU)
APELADO: MARCIA MANZONI DA SILVA FERRI (RÉU)
APELADO: PEDRO MANZONI (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação interposto por ALEXANDRE CORREIA MANZONI e CINTIA FERNANDA DA SILVA MANZONI contra a sentença que julgou improcedente a ação de interditório proibitório nº 5018104-97.2017.8.21.0001 ajuizada em face de DULCE MANZONI, IRIA MONZONI NUNES, MARCIA MANZONI DA SIVA FERRI e PEDRO MANZONI.
O dispositivo está assim redigido (evento 3, PROCJUDIC7, fl. 35):
Opostos embargos de declaração pela parte autora (fls. 40-42), foram desacolhidos (fl. 43).
Em suas razões recursais (fls. 45-50, e evento 3, PROCJUDIC8, fls. 1 e 2), a parte autora, ALEXANDRE CORREIA MANZONI e CINTIA FERNANDA DA SILVA MANZONI, alega que a prova oral produzida comprova a utilização da servidão de passagem há pelo menos 20 anos.
Defende que com a morte da instituidora da servidão, os seus herdeiros, réus na presente demanda, passaram a importunar os autores e a turbar e molestar a sua posse.
Aduz que a simples referência à utilização do acesso lateral para passagem de pessoas e transporte de objetos não é suficiente para a improcedência da demanda.
Sustenta que a sentença não esclareceu suficientemente a obrigatoriedade da continuidade do uso pelos autores do acesso lateral.
Ressalta que a servidão de passagem prescinde do encravamento do imóvel dominante.
Requer o provimento do recurso, para que seja julgado procedente o pedido inicial.
Postula a concessão de efeito suspensivo ao recurso.
Sem preparo, porquanto os recorrentes litigam sob o pálio da gratuidade da justiça.
Intimados, os réus IRIA MANZONI NUNES e MARCIA MANZONI DA SILVA FERRI apresentam contrarrazões, pugnando para que o valor da causa seja compatível em relação à demanda sobre um bem e, acaso reconhecido qualquer ônus sobre o imóvel serviente em favor dos autores, a determinação de indenização compatível com a depreciação que eventualmente venha a sofrer o imóvel.
Requereram que qualquer ônus decorrente do julgamento recaia sobre todos os coproprietários (fls. 11-19).
Sem intimação dos réus DULCE MARIA MANZONI MOTTOLA e PEDRO MANZONI para contrarrazões uma vez que, embora citados, não constituíram procurador nos autos (evento 3, PROCJUDIC4, fl. 37).
Subiram os autos a este Tribunal.
Frustrada a tentativa de composição entre as partes, voltaram conclusos.
É o relatório.
VOTO
O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade.
FATO LITIGIOSO
Cuida-se de ação ajuizada por ALEXANDRE CORREIA MANZONI contra DULCE MARIA MANZONI MOTTOLA, IRIA MANZONI NUNES, MARCIA MANZONI DA SILVA FERRI e PEDRO MANZONI em que requerida a manutenção de posse sobre servidão de passagem com 2,60m de largura existente sobre o imóvel situado na Rua do Canto, nº 61, Bairro Bom Jesus, Porto Alegre/RS, coibindo-se qualquer futuro ato de turbação ou esbulho, sob pena de multa diária.
Narra a parte autora na inicial que há aproximadamente 21 anos é legítima possuidora de imóvel localizado na Rua do Canto, nº 61, casa 2, Bairro Bom Jesus, Porto Alegre/RS.
Relata que a proprietária registral do imóvel, Hermínia, avó do autor Alexandre, concedeu-lhe um pedaço dos fundos do terreno para a construção de residência, passando este a residir no local em 1996.
Historia que, não havendo saída da residência do autor para a via pública, Hermínia lhe concedeu servidão de passagem por dentro do imóvel com largura de 2,60m, utilizada para a saída do veículo da família, assim como para carregar objetos e móveis.
Diz que, após o óbito de Hermínia, os seus herdeiros, os réus, com o intuito de vender a casa da falecida, passaram a ameaçar o autor e sua família, para que fosse diminuída a metragem da servidão de 2,60m para 1,00m de largura.
Argumenta que, reduzida a servidão para 1,00m, os autores não poderão mais entrar ou sair da sua residência com seu automóvel.
Salienta que os réus tentaram forçar os autores a assinar documento alterando a metragem da servidão, passando a ameaçá-los em virtude da negativa, sendo efetuado o registro de boletim de ocorrência.
Recebida a ação como de interdito proibitório.
Intimados os réus, apenas Marcia e Iria ofertaram contestação.
Após determinação do juízo a quo, a esposa do demandante, CINTIA FERNANDA DA SILVA MANZONI, passou a integrar o polo ativo.
Instruído o feito, sobreveio a sentença de improcedência do pleito autoral.
Apelam os autores.
Enfrento os temas aventados.
PARCIAL CONHECIMENTO DAS CONTRARRAZÕES
Em sede de contrarrazões, os réus postulam a alteração do valor da causa.
Sucede que a pretensão, formulada na contestação, sobre a qual o juízo a quo restou omisso, deveria ter sido veiculada por meio de recurso próprio para que pudesse ser apreciada.
Portanto, não conheço das contrarrazões no ponto.
SERVIDÃO DE PASSAGEM. INTERDITO PROIBITÓRIO
O ponto crucial da controvérsia cinge-se à existência de servidão de passagem em favor do imóvel ocupado pelos autores.
É de se estabelecer o conceito de servidão de trânsito, a partir da lição de Arnaldo Rizzardo, publicada na "Revista da AJURIS" nº 30, de março de 1984, ipsis litteris:
"Servidão de trânsito. Conceito. A servidão de trânsito tem por finalidade estabelecer um prédio em comunicação com outro, ou com a via pública, através de prédios intermediários (Lafayette Rodrigues Pereira, "Direito das Coisas", 5º ed., Freitas Bastos, 1943, p. 420, § 130). Compreende uma extensão de área em imóvel alheio, destinadas a servir de passagem a outro imóvel”.
Deflui-se dessa norma jurídica que a existência da servidão encontra-se condicionada a uma necessidade do prédio dominante, lecionando Washington de Barros (Curso de Direito Civil - Direito das Coisas, p. 274), a propósito, que "a restrição imposta a um prédio para o uso e utilização de outro, limita-se às necessidades do prédio dominante", acentuando Carvalho Santos (Código Civil Interpretado, IX/115) que a perda do exercício de alguns dos direitos dominiais do serviente se prende ao fato de tornar o prédio dominante "mais útil, ou pelo menos mais agradável", não havendo licitude em "reclamar passagem por simples comodidade", e explicita, invocando o direito romano: "a servidão deve ser exercida civiliter, isto é, pelo dono do prédio dominante... dentro dos limites das necessidades que ela propusesse satisfazer" (op. cit., p. 223).
A servidão, como direito real instituído sobre imóvel alheio, limitando o pleno exercício do direito de propriedade do dono do prédio serviente, não se presume e deve sempre ser interpretada de forma restritiva, sendo ônus daquela que a alega demonstrar explicitamente sua existência.
No caso dos autos, os demandantes sustentam a existência de servidão de passagem de 2,60m de largura pelo imóvel dos réus.
Contudo, a prova produzida no feito não dá guarida à pretensão autoral.
As fotos anexada aos autos (evento 3, PROCJUDIC4, fls. 30-32 e 36), demonstram a área objeto do feito.
Os autores residem na última residência, situada ao final da pretendida servidão de passagem que, segundo a parte requerida, é área pública.
A parte onde moram os autores, consoante a prova oral colhida, foi cedida em 1996 por Hermínia ao seu neto, o autor Alexandre, que construiu residência no local.
Aduzem os demandantes que Hermínia na oportunidade também concedeu a indigitada servidão de passagem, de 2,60m de largura, utilizada para a saída do veículo da família, assim como para carregar objetos e móveis.
Hermínia, já falecida, consta como uma das proprietárias registrais do imóvel pelo qual passa a suposta servidão, o qual hoje é de titularidade integral dos seus herdeiros e cônjuges (evento 3, PROCJUDIC3, fls. 8-15).
Embora seja incontroverso que Hermínia tenha permitido a passagem do autor pela área, não há prova suficiente de que o tenha feito por toda a largura indicada na inicial, tampouco para a finalidade apontada pelos demandantes.
De acordo com o depoimento pessoal dos autores, Alexandre não possui carteira de motorista e adquiriu veículo somente em 2016/2017, colocando-o no nome da sua filha.
Em sendo assim, é certo que, quando da autorização concedida por Hermínia, Alexandre não fazia uso da área para estacionar veículo de sua propriedade.
A par disso, o depoimento pessoal dos demandantes e a prova oral de um modo geral revelam que se um veículo estiver estacionado sobre a área alvo da lide deverá haver alguma forma de acerto com os autores para que outro automóvel transite pelo local. Isto é, é pouco crível que tivesse sido concedida a utilização da passagem na largura apontada pela parte demandante, uma vez que representaria grande limitação ao direito dos proprietários de utilizar o bem e de o explorar economicamente.
Então, conclui-se que a passagem autorizada nunca o foi da forma como pretendem agora os autores, o que afasta a incidência da Súmula nº 415 do Supremo Tribunal Federal, que assim dispõe:
“Servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo direito à proteção possessória”.
E quanto ao trânsito a pé pelo local pelos autores, não foi feita a devida prova da ameaça de inviabilização por parte dos réus.
O que se percebe, ao contrário, é a atuação dos proprietários registrais a tentar regularizar a servidão em favor do imóvel dos autores, com largura de 1,20m, por meio do contrato particular, cuja minuta foi...
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