Acórdão nº 50182757220228210003 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50182757220228210003
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003019165
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5018275-72.2022.8.21.0003/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador ALTAIR DE LEMOS JÚNIOR

APELANTE: APARICIO BRUM FERNANDES (AUTOR)

APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposta por APARICIO BRUM FERNANDES (Evento 20, APELAÇÃO1) e BANCO BMG S/A (Evento 22, APELAÇÃO1), da sentença que julgou procedente a ação de obrigação de fazer .

Eis o relatório da sentença (Evento 15, SENT1):

APARICIO BRUM FERNANDES ingressou com a presente ação de obrigação de fazer em desfavor do BANCO BMG S.A, alegando, em síntese, que contratou um empréstimo consignado com o requerido, contudo, no curso da cobrança das parcelas, veio a descobrir que, na verdade, lhe foi disponibilizado um cartão de crédito consignado, cuja parcela mínima mensal da fatura é descontada de seu benefício previdenciário. Asseverou que, quando da celebração do ajuste, procurava apenas realizar um empréstimo consignado e não adquirir um cartão de crédito. Pediu, em sede de tutela provisória, que o requerido se abstenha de reservar margem consignável e realizar descontos de seu benefício previdenciário, sob pena de multa diária. Por fim, requereu a procedência do pedido, para que seja realizada a conversão do cartão de crédito consignado para empréstimo consignado, sendo os valores já pagos a título de reserva de margem consignável utilizados para amortizar o saldo devedor, o qual deverá ser feito com base no valor liberado a parte autora. Anexou documentos (evento 1).

Concedido o benefício da gratuidade judiciária e indeferida a tutela provisória (evento 3).

Citado, o requerido contestou. Arguiu a prescrição como prejudicial de mérito. No mérito, discorreu sobre o contrato entabulado entre as partes, defendendo a legalidade da contratação eletrônica. Prestou esclarecimentos sobre o cartão de crédito consignado. Insurgiu-se contra a repetição de indébito. Foi contrário à inversão do ônus da prova. Postulou a compensação de valores em caso de condenação por danos materiais. Ao final, pugnou pela improcedência dos pedidos, com as cominações de praxe. Acostou documentos (evento 9).

Houve réplica (evento 12).

Vieram os autos conclusos para a sentença.

Assim constou no dispositivo:

APARICIO BRUM FERNANDES ingressou com a presente ação de obrigação de fazer em desfavor do BANCO BMG S.A, alegando, em síntese, que contratou um empréstimo consignado com o requerido, contudo, no curso da cobrança das parcelas, veio a descobrir que, na verdade, lhe foi disponibilizado um cartão de crédito consignado, cuja parcela mínima mensal da fatura é descontada de seu benefício previdenciário. Asseverou que, quando da celebração do ajuste, procurava apenas realizar um empréstimo consignado e não adquirir um cartão de crédito. Pediu, em sede de tutela provisória, que o requerido se abstenha de reservar margem consignável e realizar descontos de seu benefício previdenciário, sob pena de multa diária. Por fim, requereu a procedência do pedido, para que seja realizada a conversão do cartão de crédito consignado para empréstimo consignado, sendo os valores já pagos a título de reserva de margem consignável utilizados para amortizar o saldo devedor, o qual deverá ser feito com base no valor liberado a parte autora. Anexou documentos (evento 1).

Concedido o benefício da gratuidade judiciária e indeferida a tutela provisória (evento 3).

Citado, o requerido contestou. Arguiu a prescrição como prejudicial de mérito. No mérito, discorreu sobre o contrato entabulado entre as partes, defendendo a legalidade da contratação eletrônica. Prestou esclarecimentos sobre o cartão de crédito consignado. Insurgiu-se contra a repetição de indébito. Foi contrário à inversão do ônus da prova. Postulou a compensação de valores em caso de condenação por danos materiais. Ao final, pugnou pela improcedência dos pedidos, com as cominações de praxe. Acostou documentos (evento 9).

Houve réplica (evento 12).

Vieram os autos conclusos para a sentença.

Em suas razões recursais, em síntese, a parte autora requer o provimento do presente recurso para que seja determinada a repetição em dobro dos valores pagos a maior, bem como sejam majorados os honorários advocatícios de acordo com a tabela da OAB.

A parte ré, por sua vez, requer o provimento do presente recurso para que seja reconhecida a modalidade de contratação de cartão consignado, assegurando o que foi pactuado pelas partes e que seja mantido o desconto na margem de averbação do cartão de crédito até a quitação da dívida. Insurge-se acerca da repetição do indébito. Pede o prequestionamento da matéria.

A parte autora apresentou contrarrazões no Evento 26, CONTRAZ1 e a parte ré no Evento 31, CONTRAZ1.

Cumpridas as formalidades do artigo 931 e 934 do CPC.

É o relatório.

VOTO

ADMISSIBILIDADE

Apresentados os recursos dentro do prazo recursal previsto no artigo 1.003, § 5°, do CPC, bem como a dispensa de preparo à parte autora, em razão da AJG concedida (Evento 3, DESPADEC1). A parte ré apresentou comprovante de preparo (Evento 22, COMP2). Presentes, portanto, os pressupostos de admissibilidade, recebo as apelações no duplo efeito.

Apelo da parte ré

RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO ADEQUADA – NULIDADE DA CONTRATAÇÃO.

A cláusula que prevê a reserva de margem consignável para operações com cartão de crédito está regulada pelo art. 1º da Resolução n. 1.305/2009 do Conselho Nacional de Previdência Social, in verbis:

"RESOLUÇÃO Nº 1.305, DE 10 DE MARÇO DE 2009.

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL, no uso da atribuição que lhe confere o inciso V do art. 21 do Regimento Interno, aprovado pela Resolução nº 1.212, de 10 de abril de 2002, torna público que o Plenário, em sua 151ª Reunião Ordinária, realizada em 10 de março de 2009, resolveu:

Art. 1º Recomendar ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS que, relativamente aos empréstimos consignados, e respeitado o limite de margem consignável de 30% (trinta por cento) do valor do benefício, torne facultativo aos titulares dos benefícios previdenciários a constituição de Reserva de Margem Consignável – RMC de 10% (dez por cento) do valor mensal do benefício para ser utilizada exclusivamente para operações realizadas por meio de cartão de crédito."grifei.

Por outro lado, a constituição de Reserva de Margem Consignável (RMC) requer autorização expressa do aposentado, por escrito ou por meio eletrônico, nos termos do que dispõe o art. 3º, III, da Instrução Normativa INSS n. 28/2008, alterada pela Instrução Normativa INSS n. 39/2009, in verbis:

"Artigo 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que:

(...)

III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência." – grifei.

No caso, a adesão ao serviço de “Cartão de Crédito Consignado” foi realizada mediante Termo de Adesão (Evento 9, CONTR6), celebrado em 29/07/2019, no qual constou que o pagamento seria realizado via desconto mensal no benefício previdenciário – “Reserva de Margem Consignável”.

Importante destacar que o contrato não estabeleceu o número total de parcelas necessárias ao adimplemento do débito. Igualmente essencial ressaltar que, tendo em vista o documento juntado no Evento 9, OUT8, restou comprovado que a parte ré depositou na conta da parte autora o valor de R$ 1.728,05.

Portanto, ao compulsar os autos e analisando os documentos, verifico que não houve nenhum saque realizado com o suposto cartão de crédito, mas, sim, o depósito dos valores contratados a título de empréstimo.

Ocorre que, embora tenha sido comprovada a contratação, o cerne da questão está na sistemática de cobrança realizada pela instituição financeira ré, que efetua descontos mensais nos proventos de aposentadoria do demandante (Evento 1, CHEQ12), relativos aos valores do pagamento mínimo da fatura, tornando a dívida eterna, gerando, com isso, lucros exorbitantes ao banco e, principalmente, desvantagem exagerada à consumidora, o que é vedado expressa e categoricamente pelo Código de Defesa do Consumidor.

Ademais, verifica-se dos documentos acostados que, não obstante haja contratação, o cartão de crédito consignado sequer foi utilizado, conforme as faturas juntadas no Evento 9, fatura 7. Da mesma forma, não houve comprovação da devida informação à parte contratante da forma de utilização da modalidade de contratação.

Logo, na hipótese, por se tratar de típica relação de consumo, cabia ao fornecedor do serviço prestar todas as informações ao consumidor no ato da contratação, a respeito do serviço/produto que adquire, nos termos do artigo 52 do Código de Defesa do Consumidor, o que não ocorreu no caso dos autos, uma vez que o autor acreditava estar celebrando um contrato de empréstimo consignado e não um contrato de cartão de crédito.

Assim, diante do conjunto fático-probatório dos autos, mostra-se clara a simulação da contratação, porquanto aderiu a um contrato de cartão de crédito consignado, quando acreditava estar contratando crédito cujo pagamento, pretensamente, ocorreria mediante o desconto de parcelas mensais em seu benefício previdenciário.

Portanto, pretendendo a parte autora fazer um empréstimo consignado, recorreu a um cartão de crédito, com o saque do valor que queria a título de empréstimo. No...

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